sábado, 7 de julho de 2012

Melgacenses para a História: Jerónimo José Nogueira de Andrade (militar e inventor)

Jerônimo José Nogueira de Andrade, nasceu em Melgaço em 1748. Era filho de Francisco Daniel Nogueira, médico do exército e de D.Mariana Josefa Veloso de Campos Andrade. Teve uma educação católica e foi casado com D.Caetana Gregória Nogueira de Carvalho, Assentou praça em soldado no Regimento de Artilharia do Porto em 1 de Janeiro de 1779, sendo sucessivamente 2º Tenente de Bombardeiros do Regimento de artilharia da Marinha em 21 de Janeiro de 1779, prestando serviço na Capitania de Moçambique, Capitão em 4 de Março de 1782, prestando serviço na Capitania de Moçambique, Sargento-Mor do Regimento de Artilharia da Marinha em 13 de Dezembro de 1791, Tenente-Coronel do Regimento de Artilharia do Algarve em 7 de Novembro de 1797, Coronel do Regimento de Artilharia do Alentejo (Estremoz) em 17 de Dezembro de 1799 e Brigadeiro em 14 de Fevereiro de 1803, sendo Comandante das tropas e Inspector Geral das Fortificações da Capitania do Pará.

Enquanto Tenente-Coronel, em 17 de Novembro de 1795, fez parte de um Conselho de Guerra em que foi presidente. Foi aluno da Academia Militar do Rio de Janeiro e de 1782 a 1784 (?) foi Secretário do Governo de Moçambique "por concorrerem nele todas as necessárias circunstâncias para o dito ministério..." segundo provisão de Saldanha de Albuquerque de 11 de Março de 1783, na altura Capitão-General de Moçambique, e de cujas idéias Nogueira de Andrade foi entusiástico defensor.

Em 1790, cumpridas as missões de Inspecção Geral das Fortificações de Moçambique, Nogueira de Andrade regressa a Portugal e em 1791 mora na Quinta da Mineira, Estrada do Convento de São Cornélio ao Poço do Bispo.

Homem do seu tempo, não podia deixar de participar de uma mentalidade racionalista e de uma filosofia das luzes, unindo à inspiração humanista, uma ideologia do desenvolvimento. Nesta altura, a Maçonaria, institiução que vinha na linha das grandes Academias estrangeiras do séc. XVIII, provavelmente num desígnio unificador da Europa, forma uma rede que cobre todo o território europeu, incluindo Portugal. Congregando a "intelligenzia" e os nomes mais prestigiados da aristocracia e da alta burguesia, não era fácil para todos os que exerciam funções relevantes em qualquer área do saber, não aderirem ao seu fascínio. E Jerônimo José, não fugiu à regra. Foi iniciado na Maçonaria em 1790, talvez em Setembro, numa Loja situada em Marvila, proposto por José Joaquim da Costa, mas em 5 de Dezembro de 1791 acusado da prática de maçonaria, denunciou-se à Inquisição bem como a outros Irmãos.


Documento manuscrito lavrado por Jerónimo de Andrade dirigido à Inquisição onde se denuncia

Jerônimo José Nogueira de Andrade é conhecido como autor da obra intitulada "Descripção do estado em que ficarão os negócios da Capitania de Mossambique nos fins de Novembro de 1789, com algumas observaçoens, e reflexoens sobre os mesmos negócios, e sobre as cauzas da decadência do Commercio, e dos Estabelecimentos Portuguezes na Costa Oriental d'Africa escriptos no anno de 1790", publicada no Investigador Portuguez em 1815 e no Arquivo das Colônias em 1917. O exemplar original, encontra-se manuscrito na Biblioteca Nacional, Divisão dos Reservados, com a cota (COD 808), Trata-se de um extenso relatório, minucioso, bem elaborado, primorosamente ilustrado com 10 desenhos aguarelados de modelos de uniformes militares e dois planos cartográficos, um da Barra da Ilha de Moçambique e outro dos quartéis da fortaleza da mesma Ilha.

É de facto um importante trabalho que merece, a nosso ver, uma consideração toda especial no campo da história colonial portuguesa. Todo o seu discurso revela uma profunda lucidez e espírito crítico que não esconde, quando censura as "podres" "e mal começadas" estruturas das fortalezas, os prejuízos de uma má administração "do cabedal" da Fazenda Pública, chegando mesmo a declarar, em relação ao Porto da Baía de Lourenço Marques, que "tiido quanto ali existe nada presta". Quanto ao Comércio, afirma que está na mão dos estrangeiros e aconselha o Rei a tomar providências no sentido de tirar benefícios do investimento que fez, mandando para Ia pessoal qualificado e meios materiais. Critica a má qualidade e a baixa condição dos homens brancos degradados que são enviados para Moçambique que cuidam logo em promover-se a grandes senhores com "pomposos ti'tijlos" e da mesma maneira a "incrível preguiça" dos negros. Faz também ásperas censuras ao Governador João Pereira da Silva Barba.

Diz Fritz Hoppe, na sua obra "A África Oriental Portuguesa no tempo do Marquês de Pombal": "A importância fundamental da memória de Nogueira de Andrade reside no facto de ele recusar ao Governo Central e à Administração da índia Portuguesa o direito de darem instruções de caracter obrigatório para o Comércio da África Oriental Portuguesa, uma vez que eram deficientes os seus conhecimentos das relações e necessidades comerciais locais leste-africanas."

A sua meticulosidade descritiva é tão grande e tão viva que em notas de roda pé, faz observações e explica o significado da terminologia indígena que aqui ou ali se utiliza. Interessa-se por relatar coma maior frontalidade, espada desembainhada e preocupada exactidão dos factos a alta corrupção da administração pública, a precaridade da situação social, econômica, judicial, religiosa e militar, sempre numa intenção de crítica construtiva, apresentando, por isso, pareceres e propostas de solução para corrigir o que, na sua óptica, estava errado.

Mas para além desta obra. Nogueira de Andrade é também autor do 'Trojecto de huma nova arma Portugueza. Anno de 1796.

Por Jerônimo Joze Nogueira d'Andrade Sargento Maior do Regimento de Artilharia da Marinha".

Este manuscrito, com a cota COD 7665, da Biblioteca Nacional, Divisão dos Reservados, caracterizado pela meticulosidade habitual do seu autor, descreve a construção de uma arma balística denominada "foguete incendiário". Ele próprio diz na "Prefação" "Proponho-me a descrever a construção a fábrica, e o úzo de huma arma Portugueza totalmente nova, e sendo Eu o primeiro, que me tenho lembrado depor em pratica o úzo dos Foguetes arremeçados pellas armas de fogo, sôu por isso mesmo o Inventor desta nova arma, e o Creador de todos os instrumentos que positivamente imaginei e mandei formar para a sua fábrica" e mais adiante, depois de referir a utilidade desta arma em combates quer em terra quer no mar, acredita que os oficiais do corpo da Real Marinha "não desestimarão esta descuberta, em que se lhes oferece huma nova arma offenciva: Arma Nacional que as outras Naçoens não conhecem".

Nogueira de Andrade, ele próprio, depois de inventar o foguete incendiário experimentou-o com êxito, e pretende partilhá-lo com aqueles a quem se dirige, dizendo: "Ajunto no fim destes Planos os Mappas das ultimas experiências que eu fiz, e quem quizer tomar o trabalho de combinállos; verá; que os tiros corresponderão em parallelo com os das lanternetas ordinárias. Nesta certeza; pareceme; que a descuberta vale a penna de ser olhada com alguma atenção para sêr posta em úzo; e suppôsto que Eu estou inteiramente persuadido de que esta arma deve sêr adoptada para as acçõens de guerra, tanto terrestre como marítima; com tudo dou-me por suspeito, pelo receio de que acúzem o mêu amor próprio; e por que conheço, que todas as expeculaçõens neste gênero devem ser confirmadas pela experiência para se poder segurar e convencer da sua utilidade, e valor  para o Serviço. Para os Signáes a bordo dos Navios podem estes Foguetes servir muito milhôr que as Tigêlinhas de fogo; pois são mais baratos, e superiores em effeito; e para os Signáes de Campanha são muito cômodos, e preferíveis aos Foguetes de Cauda; por isso mesmo que aquelles são mais cômmodos a transportar, e sobem a huma altura muito maior daquella, a que sobiririão os Foguetes de Cauda com dobrado diâmetro, e atirados do modo Ordinário, Em seguimento dos Planos da construção, e fábrica destes Foguetes, vão determinadas as cargas para o seu úzo. Esta prevenção hé indespençavel; por que sendo que os Foguetes vazados interiormente por hum furo cônico, correm o risco de rebentarem sempre, que a carga fôr maior daquella, que Eu tenho calcullado pela experiência; Este fenômeno será bem compreencivel a quem reflectir, que a explozão da Pólvora, ou da

carga adjunta àquella da escórva, que se inflama dentro do Cone, ou brôca do foguete, óbrão com huma força análoga ao effeito da Cunha e daqui se pode deduzir também, que não forão pequenos os obstacullos que Eu tive aprevenir, ver (?) e remediar para imendar os deffeitos do Foguete, e os da baila, que no recipiente, da sua indispençavel cava esférica, sofre de mais huma grande actividade de chama, e calor; que alem de obrar como a Cunha, fáz dispor em fuzão o chumbo de q'a baila hé formada. Ultimamente descrevo o modo de fazer as pontarias na execução e úzo destes Foguetes nos cazos das suas aplicaçõens; e senêstes ensaios da minha profição tenho feito alguma couza útil em serviço do meu Princepe, e da minha Pátria hé toda aminha ambição."

Esta obra é tanto mais importante quanto é certo que, depois de consultarmos o que nos foi possível sobre a história da artilharia portuguesa, verificámos não haver tradição de inventos portugueses nesta matéria nem tão pouco tradição de escola, o que nos aumentou o incentivo para a divulgação deste manuscrito.

De facto, até ao século 18, o conhecimento científico da artilharia em Portugal fez-se através de obras manuscritas e impressas de autores estrangeiros. A Arma de Artilharia portuguesa teve no Conde de Lippe

um grande mestre que fundou quatro escolas nos quatro Regimentos de Artilharia existentes na sua época, mas os mestres continuavam a ser estrangeiros na sua quase totalidade. Apesar deste desenvolvimento, só no terceiro quartel do século 18 a artilharia portuguesa acompanhava muito de perto, na formação do seu pessoal, a francesa, que tinha então na Europa, a proeminência. Mas é tembém neste século que se assiste à decadência das Escolas Regimentais para dar lugar à formação científica dada pela Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra e pela Academia Real da Marinha com o seu curso de matemática para engenheiros e artilheiros, que vão reorganizar os Regimentos de Artilharia com toda uma hierarquia e uma carreira específica.

Até setecentos não havia uma distinção entre artilheiros de mar e de terra. Só com a criação do Regimento de Artilharia da Marinha, o qual pertencia Jerônimo José Nogueira de Andrade, houve uma definição dos serviços de artilharia no mar e nas fortalezas marítimas.

Ora na verdade e atendendo às circunstâncias antecedentes, este oficial superior, especialista na Arma de Artilharia Marítima, deu um extraordinário contributo para o desenvolvimento da balística, para além de colocar a Nação Portuguesa num plano pioneiro nesta matéria.


Informações recolhidas em:

ANDRADE, Maria Fernanda Macedo Nogueira de (1990) -  Jerónimo José Nogueira de Andrade, militar e inventor português do séc. XVIII. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, nº 5, Lisboa.

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