domingo, 30 de setembro de 2012

O eterno Padre Aníbal Rodrigues de Castro Laboreiro


Deixo aqui um texto transcrito da edição de Maio de 2003 d' "A Voz de Melgaço". Porque é um bom texto e porque a memória e o legado do Padre Aníbal merece que não esqueçamos...

"Sacerdote exemplar, homem insigne, historiador dedicado e arqueólogo de valor, tudo isto foi o Pe. Aníbal.
Com o seu desaparecimento, ficamos todos mais pobres. Resta-nos prestar-Ihe o nosso respeito, a nossa admiração, a nossa homenagem pela obra magnífica, que realizou como padre e como cidadão, sempre defendendo os interesses dos seus paroquianos e o progresso da sua "vila de Castro Laboreiro". Podemos afirmar que na religião também há heroísmo. O Padre Aníbal foi um herói. Entregou toda a sua vida A causa da Igreja, por ela lutou, abnegadamente. Percorreu veredas e caminhos para visitar enfermos, para prestar assistência religiosa aos necessitados aquém e além fronteiras. No dia do mercado, via-mo-lo, na vila, sempre atarefado, com a pasta pesada na mão, talvez com documentos para auxiliar algum seu paroquiano com problemas, financeiros, do tribunal, do fisco, camarários ou outros. Era incansável, recebia a todos com um sorriso, sem distinções, com simplicidade. Pessoa humilde, estava sempre pronto em obras de caridade, obras em prol dos mais carenciados, a todos confortando com palavras de fé e esperança. A sua vida foi de batalhas sucessivas. Quando começou a paroquiar, Castro Laboreiro era a freguesia mais esquecida de Melgaço. Faltava-lhe tudo. Com ele conheceu o progresso e hoje tem orgulho de ser das freguesias do concelho com melhores vias de comunicação, melhores infra-estruturas e melhor urbanização. Castro é, actualmente, terra de grande procura por turistas nacionais e estrangeiros. O padre Aníbal é conhecido internacionalmente. Deixou uma herança, riquíssima, o seu bom nome, que é preciso saber perpetuar como bom exemplo a seguir, numa época tão pobre de valores espirituais. Soube ser bom sacerdote, bom samaritano, e como cidadão soube mover a sua influência, contra as injustiças da sociedade moderna.
O Pe. Aníbal venceu todas as batalhas. E foram muitas. Recordo aqui uma delas, que se passou comigo, em Castro Laboreiro. Estava eu na Guarda Fiscal em Melgaço e recebi uma ordem para embargar a instalação da electricidade portuguesa na Assureira (Azoreira), povoado espanhol, a cerca de duzentos metros do lugar raiano de Alcobaça, daquela freguesia. Subi a Castro e disseram-me que o Padre Aníbal tinha pedido à EDP, que andava a electrificar o lugar de Alcobaça, para por mais uns metros de fio de cobre até a Assureira (Azoreira), de modo à luz eléctrica, chegar, também ali. A EDP fez a ligação. Fui à residência paroquial, onde encontrei o Pe. Aníbal já ao corrente da situação. Logo me tranquilizou, que iria a Viana do Castelo expor o assunto ao Sr. governador civil e que tudo se arranjaria pelo melhor. Que informasse os meus comando da iniciativa, que estava a tomar e que aguardasse mais um dia a solução deste caso, que ele considerava de caridade cristã.
O que é certo é que no dia seguinte, recebi nova ordem para não interferir na dita electrificação, por as formalidades legais, já, estarem a ser respeitadas. Não fora a sua pronta intervenção, a Assureira (Azoreira) não teria electricidade tão cedo. Envolveria os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, de ambos os países, as Alfândegas e a Guarda Fiscal e o caso arrastar-se-ia por muitos anos, com as burocracias da praxe.
Para terminar e em sua memória, vou transcrever uma passagem de um seu trabalho literário sobre Castro Laboreiro, onde demonstra o seu grande amor àquela terra, que o viu nascer:
- "( ... ) Quem numa manhã fresca de Primavera ou quente de Verão, percorrer a estrada nacional de Melgaço a Castro Laboreiro, observa paisagens lindas, cheias de beleza e verdura, cobertas de flores de variadas cores, num anfiteatro de uma indefinida magia. Em cada curva daquela via a serpentear pela encosta de elevados declives o cambiante das cores, tons e panoramas vão-se modificando à medida, que nos vamos afastando dos vales ribeirinhos e nos aproximamos das altitudes serranas (...)”.


In: A Voz de Melgaço, Maio de 2003



Não termino sem deixar um poema da sua autoria dedicado ao Castelo de Castro Laboreiro:

«Castelo, pastor Amigo
Das rezes da velha Grei
Deixa-me falar contigo,
Ouvir coisas que eu não sei.

O teu arnês de guerreiro,
Há quanto tempo o não vejo;
Mudaste-o em pegureiro,
Ou deixaste-o n'algum brejo.

Tua cabeça branquinha,
Parece o lírio do campo,
Inclinada à tardinha
à espera do descanso.

A bela lança d'outrora,
Arrogante e combativa,
Já se oxidou por fora,
Por dentro está combalida.

Teu olhar embaciado,
Quem o há-de conhecer?
Parece o sol nublado,
Pouco antes de morrer.

A tua voz de trovão
Sufocou-se na garganta,
Já não comanda o pelotão,
Não se ouve na Infanta.

A tua face enrugada
Não é dum velho Gigante
Que enfrentou a montanha,
Com aspecto arrogante.

A tua flauta tão linda,
Não se ouve como outrora,
No alto da Cartelinda,
Pelas quebradas em fora,
A chamar as ovelhinas,
Ao sol pôr e vir d'aurora.»

Pe. Aníbal Rodrigues

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Melgaço nos tempos anteriores à nacionalidade


O povoamento destas terras deverá remontar a 5 ou 6.000 anos antes de Cristo, tal como o atestam as mamoas ou antas do Alto da Portela do Pau, em Castro Laboreiro. Porém, deste período, quase nada se sabe.

Anta do Alto da Portela do Pau

Sabe-se que os Romanos por aqui estiveram e foram relativamente bem recebidos, também por terem sabido respeitar os nativos e a sua organização em castros. Fazia parte da Gallaecia, quando, em 216, Braga é elevada a capital desta província romana. Braga, aliás, continuou também a ser a capital política e religiosa do reino suevo, que por aqui se implantou em finais do sec. V e boa parte do sec. VI, estendendo-se bem para sul do rio Douro, quase até ao Tejo. E, quando, da Diocese de Braga, se desmembraram as dioceses do Porto e de Tui, o rio Lima ficou a servir de divisória entre as Dioceses de Braga e de Tui. Quer isto dizer que Melgaço ficou na dependência religiosa de Tui, onde se manteve até 1381. Quase 8 séculos! Isto, apesar das vicissitudes da invasão árabe, das lutas da reconquista e mesmo depois de, politicamente, ser parte do reino independente de Portugal.
A Melgaço chegou também a influência da obra pastoral de S. Martinho de Dume. Vindo de Bizâncio, em 552, ao que parece em navios do império, trazia consigo uma equipa de mestres, uma rica biblioteca, copistas e homens preparados para ajudar os suevos. Bem recebido em Braga pelo rei suevo, impulsionou o funcionamento do mosteiro de Dume e da Escola do Palácio.
S. Frutuoso, natural do Norte da Galiza e mais tarde arcebispo de Braga, seguiu-lhe o exemplo, facto que nos leva a pensar que os mosteiros de Paderne, Fiães e de S.Paio  terão sido, na verdade, fundações suevo-visigóticas, de inspiração peninsular nos primórdios do cristianismo e, só mais tarde, beneditinas.
Melgaço obteve de D. Afonso Henriques, em 21.07.1183, depois da independência, o seu primeiro foral. Porém, Paderne e Fiães gozavam desde então, e até à reforma de Mouzinho da Silveira, do privilégio dos Coutos, com jurisdição própria, o que, se por um lado comprometeu o crescimento do concelho de Melgaço (“entalado” entre estes e o rio Minho / Espanha), por outro, não a impediu de dar importantes contributos à Nação portuguesa.


Extraído de: http://www.digitaldevizela.com/

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Calendário de Coleção (Melgaço, 1987)



Uma relíquia da minha infância...
Do tempo em que se faziam coleções de calendários de bolso...
Calendário de 1987 com a frente preenchida com o brasão do concelho e dados estatísticos/principais atrações turísticas do concelho.
Calendário no verso com o ano civil de 1987 e 1º trimestre de 1988.
Bons tempos...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Postal do Hotel Figueiroa (Grande Hotel do Peso) - 1919



Postal com carimbo de 8 de Outubro de 1919 tendo como destinatária a Viscondessa do Peso para a sua residência em Paredes de Coura. Desconhece-se o remetente mas como se pode observar no carimbo, foi enviado do Peso e trata-se de um postal do Hotel Figueiroa (Grande Hotel do Peso) nos seus tempos de Glória... 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Esta reportagem conta-nos como era Castro Laboreiro e o Soajo em 1911 (parte II)


O único logar onde encontrei uma recepção pouco amavel foi em Penêda. Este povo selvagem e intratável, vê em todos os desconhecidos um inimigo, e cconstitue-se na obrigação de d’elle se desembaraçar.
Não sei se eles me tomaram por conspirador ou por carbonário; nem tenho desejo em sabel’o.
Basta-me o facto de me terem preparado uma cilada, onde o menos que poderia perder era a vida.



O regedor da Penêda, com sua filha


Devido á chegada, no momento psychologico, de Domingos Avelino Lourenço, regedor da freguesia, consegui escapar d’esta vez.
O certo, é que eu não conto voltar á serra da Penêda, emquanto não tiver obtido a certeza de que se modificaram os sentimentos fraternaes d’aquelle povo.
O sr. Avelino Lourenço e sua exmª família, prepararam uma recepção hospitaleira, que foi verdadeiramente um raio de luz nas trevas da montanha. Penêda, é o logar mais selvagem que encontrei na minha expedição. Afastada léguas dos centros civilizados, falta á população todo o sentimento de cultura. Não se compreende como o grandioso santuário de Nossa Senhora, se perdeu por aqui. Se os romeiros são recebidos com a mesma gentileza e atenção que nos dispensaram, duvido que algum estranho á terra, volte a estas paragens.
Se tivesse alguma duvida ácêrca da gravidade da minha situação, o sr. Avelino afastou-as no dia seguinte, acompanhando-me durante duas léguas, e dizendo-me na despedida agora é que v. exª está salvo.
Durante o trajecto, tive ocasião de experimentar a eficácia de um instrumento desconhecido a incultos povos. N’uma d’estas aldeias, cujo nome não me ocorre, tirei da algibeira um copo de viagem de alumínio, forma de telescopio que causou o espanto de toda a povoação, e que frequentemente tive de fechar e abrir sob este sol abrasador, para satisfazer a curiosidade ingenua d’esta pobre gente, antes de pode beber uma gota de agua, tão necessária á minha garganta ressequida.
Estou convencido de que, ainda por muito tempo, será o copo do estrangeiro, o thema da conversação dos aldeãos, a maior parte dos quaes desconhece estradas de macadame ou mesmo um caminho de ferro.
O caminho segue sempre entre serras selvagens, talhadas para servirem bem n’uma guerra de guerrilhas; todavia será necessário que os contendores conheçam bem o terreno para evitar qualquer surpresa. Infeliz d’aquelle que cahisse n’uma cilada n’estes abysmos tenebrosos! De longe, n’um planalto rodeado de altos montes, depara-se á vista uma aldeia maior, é o Suajo, estação intermédia entre Penêda e Arcos de Val-de-Vez.




Uma rua no Suajo


Aqui, o meu salvo-conducto, assingnado pelo ilustre ministro do interior, valeu-me uma grande manifestação de sympathia; era um bom republicano que chegava, visto que só como tal poderia o dr. António José d’Almeida, conceder a um estrangeiro a protecção incondicional garantida no documento referido. O povo do Suajo é relativamente culto.




O interior de uma habitação no Suajo. A casa do Juiz de Paz
A maior parte dos homens conhecem Lisboa, por ser tradicional a sua emigração para esta cidade, onde se empregam, de preferência, no mister de moços de padaria. O aspecto da povoação é estranhamente pitoresco.




Typo de casa no Suajo


Na praça principal, ergue-se um antigo pelourinho, encimado por uma horrenda carranca, que faz lembrar, pela sua factura primitiva e ingenua, qualquer trabalho gentílico. Infelizmente, o sol ardente, opunha-se a immortalisar a tal obra na pellicula photographica, bem como os curiosos palheiros, construídos de pedra, em forma de cadela, e todos eles encimados por uma cruz. A gravura, mostra um grupo de aldeãos, entre palheiros, construídos de verga e cobertos de palha. Não lembra, este aspecto, uma scena do continente negro?



Palheiros do Suajo


Á sahida do Suajo, foi a nossa caravana augmentada com o cabo da guarda fiscal, de espingarda ao hombro, cavalgando uma pequena mula; um padeiro de estatura gigantesca, que, n’uma montada egual, quasi arrastava as pernas pelo solo, uma mulher candongueira de estatura avantajada e com um rosto ainda de uma beleza, que há vinte anos devia ser extraordinária.




A nossa caravana à sahida do Suajo


A tia Maria, conduzia ao hombro a espingarda do padeiro, e uma sua sobrinha que a acompanha, não ficava, em formosura, muito áquem de sua tia. Imaginem esta caravana, caminhando penosamente entre os estreitos valles da serra, e comprehenderão, facilmente, que eu me julguei n’uma viagem de exploração, por mares nunca d’antes navegados. No caminho, encontrámos um patrulha de caçadores 5 que me fez lembrar que a minha missão, era talvez assistir a alguma lucta sangrenta, mas, infelizmente, nenhum sangue correu se não o meu, na ocasião de me barbear deante de um espelho, que só poderia prestar bom serviço a um cego. O sol someçava a desaparecer no horisonte, e nós comecámos a acelerar a marcha para podermos chegar antes da noite aos Arcos de Val-de-Vez, deixando o guarda fiscal e o padeiro regressar com os caçadores para o Suajo.




O rio em Arcos de Val-de-Vez


Anoitecia quando entrámos nos Arcos, e a minha aparição, envergando o fato quasi militar, polainas, esporas e pistola, deu ocasião a que umas mulheres espalhassem o boato de que o Paiva Couceiro tinha chegado. Todavia, quando uma hora depois me viram passeando com o comandante Simas Machado, as suspeitas desvaneceram-se por completo.



O banho dos cavallos


Devido á amabilidade do sr. Tenente coronel Simas Machado, tive ocasião de acompanhar uma força de tenente que se ía installar na Portella do Extremo, como posto avançado, para assegurar a estrada de Monsão-Arcos-Braga.



Nos Arcos de Val-de-Vez


A força aquartelou-se no cemitério da aldeia, romanticamente situado entre dois alcantilados montes, coroados por restos de fortificações das campanhas da guerra da independencia.




Um posto avançado na Portella do Extremo


A pequena igreja foi fundada no anno de 1741, por cavalleiros da Ordem de Malta, conforme indica uma cruz d’essa ordem, esculpida sobre fundo azul, na base da qual se encontra a palavra Malta e a era. O cemitério apresenta um aspecto pouco vulgar; não existem lapides, cruzes, jazigos ou mesmo simples indicação sobre as sepulturas.



O meu almoço com o commandante do posto da Portella do Extremo, tenente Velloso


Uma pequena elevação de terra preta sobre a qual repousa uma pequena tigela de agua benta, é a única indicação de que ali descançam das fadigas da vida os que labutaram n’este solo ingrato. Não obstante esta vizinhança pouco convidativa para quem deseja repousar-se um pouco da fadiga de uma jornada extenuante e de uma trovoada formidável que parecia inflamar o ceu, e que encheu o estreito valle com o ruído monumental dos seus trovões, dormimos sobre o feno, cobertos com as mantas dos cavallos, até que, aos primeiros alvores da madrugada, os relinchos e o escarvar das patas dos cavallos, nos chamaram ao cumprimento do dever do dia.





A capella dos cavalleiros de Malta na Portella do Extremo. Ao fundo, veem-se os restos das fortificações levantadas em 1640


No regresso aos Arcos aluguei um trem, que, sem mais incidentes, me conduziu a Braga. Resta-me, talvez, expor a idéa de que n’esta região se podia estabelecer um centro de tourismo, para aquelles cujo estado de saúde não permite a permanência nas altitudes. Encontrariam os doentes n’estas condições, uma situação que lhes permitiria o exercício de pequenas excursões de montanha ainda inexplorada, bastava que se estabelecessem hotéis que proporcionassem as comodidades q que, em geral, estão habituados os que costumam empregar o seu tempo e dinheiro em taes distrações. Creio também, que será proveitoso mandar explorar esta região archeoloca e geologicamente, porque, sestou convencido, que aqui se encontrariam valiosos elementos para a historia dos primitivos habitantes do paiz.




Texto e Clichés de Bruno Buchenbacher
Fonte: Illustração Portugueza, nº 284, de 31 de Julho de 1911

Extraído de:
Blogue do MInho

domingo, 23 de setembro de 2012

Esta reportagem conta-nos como era Castro Laboreiro e o Soajo em 1911 (parte I)




Há cerca de cem anos, mais precisamente em 1911, um jornalista do jornal “O Século” viajou até as montanhas agrestes da Peneda e do Soajo e contatou de perto com as populações locais, mormente Soajo e Castro Laboreiro. Dessa digressão, Bruno Buchenbacher deixou-nos um registo na revista “Illustração Portugueza”, publicação ligada àquele periódico republicano dirigido por Magalhães Lima.

Na realidade, não foi a curiosidade do etnólogo que motivou a deslocação do jornalista a esta região. Ele próprio o confessa: “Não era simples curiosidade de touriste nem tão pouco um espírito de aventura, que me conduziu, n’estes dias caniculares do sol inclemente, áquellas serras abandonadas e desconhecidas, mas sim o dever jornalístico”.
O dever jornalístico consistia em acompanhar os esforços das forças republicanas, do Exército e da Carbonária, numa zona fronteiriça que tinha sido transposta pelas forças realistas sob o comando de Paiva Couceiro ou seja, as chamadas incursões monárquicas. Mas, fiquemo-nos com o registo e com as suas impressões, sobretudo em relação às gentes do Soajo.


COMO EU VISITEI AS SERRAS DO SUAJO E DA PENEDA

Os motivos que me levaram a visitar as regiões do norte de Portugal, compreende-se facilmente.
Não era simples curiosidade de touriste nem tão pouco um espírito de aventura, que me conduziu, n’estes dias caniculares do sol inclemente, áquellas serras abandonadas e desconhecidas, mas sim o dever jornalístico.
Antes de entrar no assumpto, cumpre-me o dever de agradecer publicamente a todas as auctoridades civis e militares a deferência e amabilidade que dispensaram ao visitante, nem sempre commodo e agradável.
Constatei, igualmente, com grande surpresa e satisfação, a hospitalidade carinhosa que quasi sempre me foi dispensada.
A região que percorri, fica afastada dos meios de conducção geralmente empregados. Não há estradas, e os próprios caminhos, são, na verdade, simples caminhos de cabras, onde unicamente estas e a mula, ponney da montanha, transitam com relativa segurança.
A primeira parte da excursão, levou-me de Melgaço a Alcobaça e Castro Laboreiro.
Em todo o caminho, até ás alturas de Alcobaça, perto do Cruzeiro que representa a gravura vêem-se as montanhas pedregosas da Galliza, pobremente arborizadas, manchadas aqui e álem de pequenos núcleos de pastagens e matto.


O cruzeiro de Alcobaça, a 500 metros da Fronteira


O nome Alcobaça, faz-nos recordar as luctas sangrentas travadas entre os fundadores da monarchia e os mouros.
Pelos vestígios que se encontram espalhados pela região vê-se que os combates não pararam n’estas serras quasi inacessíveis. Perto de Alcobaça, existe um logar que o povo chama Lamas de Moiros; a etymologia da palavra indica-nos facilmente como lagrimas de moiros, dando-nos uma prova lendária de sangue derramado – ad majorum dei Gloriam.


A “praia” em Castro Laboreiro


Chegado a Castro Laboreiro, divaga o pensamento por tempos mais remotos, tempos em que um povo glorioso conquistou á força de armas toda a orbe, até que a onda implacável do destino o afogou no mar do esquecimento.
Mas, a tradição do nome romano Castram Laborarum, quer dizer acampamento de trabalhadores, ficou como característico da povoação. São os seus habitantes trabalhadores incansáveis, existindo n’esta aldeia serrana, até o gérmen de uma industria que me causou pasmo e admiração.
Encontram-se no Crato, como os habitantes chamam á sua aldeia, duas fábricas de chocolate! E, em verdade, direi que já encontrei nas minhas viagens, qualidades muito peores n’este artigo de alimentação.


Uma serrana de Castro Laboreiro


A fabricação é, principalmente, para exportação, ramo de negócio muito difícil e até perigoso, atendendo à falta de meios de transporte e á dificuldade de transito pela raia secca.


O “leão das montanhas”: Comendador Mathias de Sousa Lobato, professor oficial de instrucção primaria


Devido á amavel recomendação do administrador do concelho de Melgaço, fui recebido com fidalga hospitalidade pelo sr. Comendador e cavaleiro fidaldo, Mathias de Sousa Lobato, professor oficial de instrucção primaria.
Este cavaleiro, que sacrificou 28 annos da sua vida ao bem estar d’este povo, merece bem, pelo seu aspecto venerando, o cognome de rei das montanhas, que lhe foi conferido pelo falecido Hintze Ribeiro.
Os serviços relevantes prestados ultimamente ao novo regímen, levaram o sr. Dr. Alfredo de Magalhães a transformar a antiga designação autocrática, na mais popular denominação, de Leão das Montanhas. Mas, mesmo assim, sempre rei…


O comício em Castro Laboreiro, em que falou ao povo o jornalista Hermano Neves


N’uma pyramide de rocha que se eleva a pouco mais ou menos a 1:200 metros acima do mar, encontramos, por assim dizer, um livro de historia.
Sobre fundamentos inegáveis de origem romana, elevam-se as ruínas de um castello moiro, de grande área.


A porta das ruínas do Castello dos Mouros em Castro Laboreiro


Foi conquistado e destruído por D. Affonso Henriques, e reedificado por D. Sancho I, o povoador, como indica a inscripção ilegível de uma lapide, que a muito custo foi decifrada pelo comendador Mathias.
As ruínas conservam ainda s suas duas entradas, destinadas a peões e cavalleiros.
Uma terceira porta de comunicação, foi destruída há pouco pelos castrejos, persuadidos que encontrariam um tesouro entre os escombros.
A ex-séde de concelho, de há meio seculo, distingue-se também por dois característicos notáveis: lindas cachopas e formidáveis cães, ambos de recear…


Casas em Castro Laboreiro


Ancioso por continuar a excursão pela serra, conseguiu-me o meu hospitaleiro amigo, uma desembaraçada \Castreja, que simplesmente justificou a segunda das afirmações contidas no período precedente.
Apenas sahido da aldeia, perde-se o caminho entre as penedias da serra.


Um grupo de castrejas


Mas a Castreja conhece os recônditos da montanha, e, ora subindo, ora descendo, por sítios em que um passo em falso da montanha representava a morte certa para o cavaleiro, fômo-nos aproximando da parte peor do caminho, o “Peito do Sagasta”.


A descida do Peito do Lagarto, a caminho da Penêda


Ali, o caminho é constituído por pedras quasi polidas, n’um declive tão acentuado que a cavalgadura mais patina do que anda. É impossível ficar sobre o selim. Mal tinha descido, quando o macho escorregou e cahiu, batendo com a espadua nos rochedos, o que veiu confirmar a minha previdência.
(CONTINUA)


Texto e Clichés de Bruno Buchenbacher
Fonte: Illustração Portugueza, nº 284, de 31 de Julho de 1911

Extraído de:
Blogue do MInho


sábado, 22 de setembro de 2012

No tempo em que a empresa Bon Marché em Prado emitia papel-moeda (1ª República)...



Embora Portugal tivesse entrado em 1916 na I Grande Guerra, essencialmente por motivos que se prendiam com a manutenção do estatuto e da integridade das colónias no pós-guerra, e em 1918 se encontrasse entre os Aliados vitoriosos, o fim da guerra não veio minorar as dificuldades financeiras nem acalmar a agitação social do país.
   O aumento do custo de vida era contínuo e a valorização do metal durante o conflito levou a que diversas instituições, desde Câmaras Municipais a Associações Comerciais, passando por mercearias, papelarias e Misericórdias, emitissem, entre 1917 e 1922, papel-moeda de baixo valor – as cédulas. Estas cédulas vinham facilitar os trocos e substituir as moedas, entretanto quase desaparecidas de circulação devido ao ávido aforro metálico da população.


Frente e verso de uma cédula de 4 centavos emitida pela mercearia Bon Marché, de Candido Augusto Esteves & Cª., Prado, Melgaço, no início da década de 1920. Impressão realizada em A Intermediaria, Limitada, Porto. 






Informações extraídas de: http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

RODRIGO DE FREITAS (1509-1604), um cavaleiro de Melgaço no Brasil


Português de Melgaço, cavaleiro fidalgo, nascido em 1509, vindo para o Brasil com Tomé de Sousa, foi sucessivamente almoxarife, escrivão do armazém de mantimentos, escrivão da Matrícula em 1552, e, finalmente, Provedor da Fazenda da Bahia, "por estar para casar com uma sobrinha de Rodrigo de Argolo", nomeado em 19 de fevereiro de 1553 e efetivado em 22 de novembro desse mesmo ano. Em 31 de Novembro de 1555 foi-lhe concedido um alvará de mercê do ofício de Escrivão do Tesouro, também na Bahia. Havia sido também Procurador da Coroa e Tesoureiro das Rendas Reais. Ao tempo de D. Duarte da Costa foi preso e degredado, por ter feito oposição ao governador-geral, guardando as liberdades municipais no exercício das funções de vereador e de juiz ordinário. Reintegrado nos cargos e libertado, enviuvou, o que o levou a ingressar em 1560 na Companhia de Jesus, abandonando toda sua atividade burocrática. Aliás, ainda leigo, já cuidava dos órfãos do Colégio de Jesus. Já com as ordens sacras, em 1568, era reitor do Colégio de Pernambuco, onde ficou até 1572. Procurador geral da Companhia de Jesus em 1573, seguiu com o governador Antônio de Salema para o Rio de Janeiro, afim de visitar os estabelecimentos jesuíticos do sul. Em 1583 estava em Portugal, cuidando dos negócios temporais da Companhia, regressando nesse ano com o Padre Fernão Cardim. Foi Visitador e Provincial, Superior em Pernambuco e S. Vicente. Enfim, foi um dos homens mais ativos de seu século. Faleceu na Bahia em 1604, contando 95 anos de idade e 44 de Companhia de Jesus. 


FONTES:- DHBN, 36:129/133 e 38:50. - CALMON, Introdução e Notas ao Catálogo de Frei Jaboatão,1:322 - EDISON CARNEIRO, A Cidade do Salvador, 41/43 - SERAFIM LEITE, Hist. da Comp. de Jesus no Brasil, 1:43/44, 460;461 e 576.