quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Histórias da RODA de Melgaço - séc. XVIII e XIX (parte XIX)

Nenhum outro elemento poderá expressar melhor os sentimentos manifestados em relação às crianças expostas como as mensagens escritas que as acompanhavam. Muitas delas apontavam para uma futura reintegração familiar, a justificarem um tratamento diferenciado daquelas que eram enjeitadas e que passariam a constituir um encargo exclusivo dos municípios. Mesmo que, no futuro, se viesse a provar não existir uma correspondência efectiva entre o conteúdo das mensagens e o destino das crianças expostas, o facto de terem sido elaboradas já revela uma preocupação particular com a sua sorte. Na prática, seria uma forma de manter uma ligação afectiva que a sua exposição não havia definitivamente quebrado. São muito variadas as expressões utilizadas nas mensagens que demonstram o desejo de continuar a acompanhar o percurso das crianças expostas, reveladoras da presença de fortes sentimentos pessoais e familiares. São expressões que, apesar de aparecerem sobretudo na documentação do século XIX e do primeiro quartel do século XX, não deixaram de aparecer esporadicamente no século XVIII, numa altura em que o número de expostos ainda era muito reduzido. Algumas dessas mensagens imploravam os favores das rodeiras para que lhes arranjarem amas boas que as tratassem “com amor” ou “com toda a humanidade e carinho”. Outras vezes, depois de recordarem que a caridade era a principal das virtudes, solicitavam o seu bom tratamento, “por caridade e amor ao próximo”, havendo mesmo uma que “pedia do coração todo o esmero possível” na criação da criança inocente.
Algumas das mensagens pretendiam justificar as razões que levaram à exposição das crianças, como se verificou com uma delas, ao informar que «a criança que se engeita não é por falta de amor que lhe têm seus pais, mas sim por circunstâncias», ao mesmo tempo que se comprometiam a recuperá-la mais tarde e a pagar toda a despesa que tivesse sido realizada pela Roda. Através do escrito que acompanhava esta criança (exposta na freguesia de Alvaredo, concelho de Melgaço, apenas com algumas horas de vida), informava-se que a criança ainda não fora baptizada e pedia-se «por amor de Deus que lhe pusessem o nome de Júlio da Glória e que havia nascido às 9 para as 10 horas da noite do dia 17 de Outubro de 1861». Ao mesmo tempo, prometia-se que iria ser procurada e a instituição ressarcida de toda a despesa realizada. Na verdade, em 20 de Agosto de 1862, esta criança foi procurada e entregue a João Correia dos Santos Lima, negociante da vila de Melgaço, que a exigiu e se responsabilizou pela sua criação e educação, não sendo possível saber se seria o seu pai.  Também não passou despercebido o facto de alguém ter escrito uma mensagem num papel em forma de coração, assim como a promessa de uma mãe em recompensar a ama que criasse o seu filho com todo o amor, cuja exposição a fazia “sofrer encarniçadamente”, mas que esperava poder vir a recuperá-lo no futuro, ultrapassadas as razões que a haviam obrigado a tal procedimento.

Informações recolhidas em:

- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.



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