quinta-feira, 15 de maio de 2014

Castro Laboreiro, 1903 - Dois castrejos à conversa (Parte 2)

Castro Laboreiro, no início do século XX

Continua aqui a conversa entre dois castrejos: o tio Francisco e um seu vizinho. Este trabalho foi obtido a partir de um texto elaborado em 1903 por Manuel Domingues, abade de Melgaço e natural de Castro Laboreiro. O mesmo foi enviado pelo clérigo a José Leite de Vasconcelos.
Na primeira parte, os dois castrejos falam dos rigores do tempo e das dificuldades da vida por estas bandas...

“Diz o Tio Francisco: ”- Intom bamos-che passando estes dous dias que temos neste mundo, c’ò pior é-che no outro, c’àqui sabemos os cardos que comemos, é no outro nom ch’o sabemos.
Olha qu’um tio de meu abô, que ch’era crego, era cura do Senhor Reitor, diç que dizia muitas bezes, sentado ali naquele canto, qu’era o sitio d’ele, qu’inda habia de bir o tempo qu’òs homes habiã de boar e òs ferros qu’habiã de falar; è olha, ele indo nom biu, mas nós já bemos. O camboio diç que passa aí pela beira do Rio Minho, arriba e abaixo, que corre que desaparece; é aí em Melgaço diç que se manda ua parte, indas que seja p’ra Lisboa, por um ferrinho è por um arame que bai d’aqui até lá.
Intom nom sei que che diga, nom sei p’r’ónde caminhamos, assi com tanta finuria. Estas cousas, já se sabe, tamém o Demonho há-de ter nelas a sua parte è quinhóm, cà cabeça dos homes só nom fazia todo.
É assi bai andando o mundo! O que ch’êu digo é que agora nom hai a religiom d’outro tempo. Ora, que soubesse o Senhor Reitor belho que alguém nom ia á minsa algum dia de domingo, chamabò lá, dezia-lh’as todas!
Parece que sabia todo, parece c’adebinhaba. É se lhe puxassem pela idêa, Deus nos libre! c’escastanhaba um lá dentro d’aquela casa, é batia àquelas botas, que lhe chegabã ó joelho, naquele sobrado, que parece c’alagaba aquela casa. E fosses tu lá com rètólicas, cá che puxaba as orelhas!
Mais, meu amigo, naquele tempo habia-che grã é patacos é herba é gando é res; é todo andaba gordo é bonito: é huje é miseria a mais miseria! Eu sempre oubi dezer que com Deus é co’o lume nom ch’hai chanças.

Diz o vizinho: - Olhe, tio Francisco: é d’antes diç qu’habia muito dinheiro, é qu’a gente andaba sempre com fartura. É huje qu’hai?

Diz o Tio Francisco: - Nom que d’antes aqui nesta freiguesia só ch’habia as botas do Senhor Reitor, uas botas que lhe chegabã ó giolho, e só as lebaba p’rá igreija cando dezia a minsa, è demais nom ch’habia outras em toda a freiguesia; è um ano o Nelo dos Coutos, que já nom binha de Castilha hai quatro anos, trougo uas botas comàs do Senhor Reitor, è nom ch’as podo rumper, cà era o espelho dos outros todos; cando se saía da minsa, todos reganhabã o dente, d’ele se querer cumparar ó Senhor Reitor. É huje, huje nom hai cã nim gato que nom tenha uas botas è um chapéu è um relógio. E às mulheres fazia uns abarqueiros que lhe duraba dous anos, è huje já che trajêm çapatos è çoques com brochas marelas, è òs abarqueiros jòs nom querem, jós nom hai, è já hai panos de seda, è d’antes só habia capelas p’rá cabeça, è nom se bia um pano, nim de seda, nim dos outros nessa igreija. É aí che stá a razóm porque che nom hai dinheiro, porque o gastã nessas chincharias.»



Para ler a primeira parte deste diálogo, clique em


Extraído de: VASCONCELLOS, José Leite de (1928) - Linguagem Popular de Castro Laboreiro.  in Opúsculos, Vol. II – Dialectologia (parte I),Imprensa da Universidade, Coimbra.

Sem comentários:

Enviar um comentário