sábado, 31 de janeiro de 2015

Melgaço no livro "Viagens em Espanha" de Júlio Dantas (Parte I)

No centro histórico da vila de Melgaço (Foto de J. Melo)

A vila de Melgaço, a nova Câmara Municipal, o castelo e a Orada


"Um dos meus passeios predilectos, quando me encontro no alto Minho, é o chamado «passeio de S. Gregório», ao longo da fronteira de Espanha, desde Melgaço, cuja doirada torre se recorta no friso das serras galegas, até Puente de Bárzia, ou seja até ao extremo nordeste de Portugal.
A princípio, o caminho que levamos não nos oferece imprevistos, nem belezas que especialmente o recomendem. Campos verdes de milho, limitados, à beira das congostas, pelas latadas armadas sobre postes de granito. Aqui e além, os canastros, tão característicos da região, com a cruz numa das empenas e um relógio de sol na outra. De espaço a espaço, a bênção de pedra dos cruzeiros e das “alminhas”, que por toda a parte acompanha as carinhosas estradas minhotas. É na volta da vila que a paisagem começa a prender-nos a atenção.
Infelizmente, o novo edifício da Câmara, inestético e mal colocado, prejudica o efeito da torre do castelo, tão harmoniosa nas suas proporções, do alto de cujas balhesteiras, no tempo de D. João I, as trombetas saúdaram a vitória de Inês Negra, símbolo da mulher enérgica e robusta destes lugares, — torre, aliás, já estragada, como outras albarrãs pré-dionisianas, pelo relógio que lhe encastraram na silharia veneranda.
Todo o interesse de Melgaço se resume nessa relíquia da arquitectura militar do século XIII, onde se sobe com dificuldade para admirar um horizonte vasto, que se estende até ao oceano. Dali por diante, o caminho é uma maravilha. A estrada, recentemente reparada, uma das melhores da região, acompanha a linha de água, serpeando com o rio, que, ora calmo, ora em açudes que rumorejam, cintila ao sol vivo da tarde.
A certa altura -— tantas voltas dá a estrada — já não sabemos onde fica a Espanha e onde fica Portugal. O ponto em que o horizonte é mais extenso e mais belo é no cruzeiro da Senhora da Ourada.

Nas lombas dos montes galegos, a vegetação, por vezes rica, desentranha-se numa  orquestração de verde em vários tons, que vai desde o verde-negro das largas manchas de pinhal até ao verde-dourado dos vinhedos em socalco e ao verde-cinzento das lindadas e hortas que descem quasi à flor do rio. É aí, um pouco antes de chegar ao cruzeiro, que nós  podemos admirar a pequena ermida românica, com o seu pórtico de três arquivoltas, a sua sineira na empena, a enfiada de modilhões que, de um lado e de outro, sustentam a arquitrave, enriquecidos de motivos diferentes, e a nobreza dos seus silhares, todos eles marcados das siglas dos canteiros que os trabalharam. A nossa atenção divide-se entre esta jóia de pedra, onde se releva o escudo heráldico de São Bento e se descobrem, do lado do Evangelho, alguns modilhões de forte sentido naturalista, e a paisagem variada, ora bárbara ora idílica, cujo sentimento pagão o mestre arquitecto da ermida simbolizou na mulher nua que, num dos cachorros, ostenta os sinais da maternidade." 

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Texto extraído da obra:
- DANTAS, Júlio (1936) - Viagens em Espanha. Livraria Bertrand, Lisboa.



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