sábado, 28 de março de 2015

Castro Laboreiro, 1938: A PVDE e a Guarda Fiscal em busca de Eudozia Diz e seus pais (galegos fugidos à repressão franquista em Espanha)

Eudozia Diz, depois de capturada

Eudozia Lorenço Diz, era uma professora em San Ginés, no concelho de Lobeira antes do golpe militar franquista em Espanha. Fugiu com os pais durante a Guerra Civil Espanhola e veio refugiar-se em Castro Laboreiro. Aqui,  a PVDE com a estreita colaboração da Guarda Fiscal perseguiu sem tréguas as centenas de galegos que aqui se esconderam. As autoridades portuguesas terão enfrentado grandes dificuldades para localizar os refugiados galegos. Estes contaram com a hospitalidade e proteção dos castrejos. No caso de Eudozia Diz, em terras de Crasto, para não levantar suspeitas, passou a vestir o traje castrejo como a restante comunidade. Além disso, circulava pelos caminhos com os seus pais: Agustin Lorenzo, de cinquenta anos e Basilica Diz, cinco anos mais nova. Conta-se que enquanto esteve escondida em Castro Laboreiro, entre 1936 e Maio de 1938, terá ensinado a ler e escrever algumas crianças castrejas
Em 1937, a PVDE já sabia que Eudozia e seus pais estão algures em Castro Laboreiro mas desconhecia o seu paradeiro. A Guarda Fiscal terá interrogado pessoas de várias aldeias castrejas e as informações eram algo contraditórias. Segundo alegadas testemunhas, uns situavam Eudozia na Entalada ou no Rodeiro; outras dizem que se encontram nos Ribeiros, ou talvez na brandas dos Portos.
Num relatório de 12 de Maio de 1938, dirigido à diretoria da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, mais tarde PIDE), o Comandante do Posto da Guarda Fiscal do Peso (Melgaço), refere-se à revista de casas em Castro Laboreiro em busca de Eudozia e seus pais bem como das dificuldades em localizá-los:
“Ao Exmo Sr. Secretário Geral da P.V.D.E. – Lisboa
Estava pois, dentro do refúgio dos epigrafados (Eudozia e seus pais), mas depois de interrogada a vizinhança acerca do seu paradeiro ou da localização, não me foi possivel obter quaisquer informações concretas, que me facilitasse  uma pista para a sua captura. Acresce ainda, que a Eudozia traja agora de castreja, para mais facilmente poder andar entre estas e não ser reconhecida. Como já é do conhecimento de V. Exa., este povo da Serra, embora com costumes bastante selvagens, são dotados de uma invulgar astúcia, preferindo a prisão e as maiores torturas a denunciarem o paradeiro dos espanhóis refugiados, que para eles, representa um governo de vida, pelas pesetas que recebem da comida, albergue e outras incumbências, que sem escrúpulos executam.
  Assim, torna-se difícil a captura de grande numero de REFUGIADOS espanhóis que ainda hoje se encontram pela Serra, que ao mais leve aviso de aproximação da Policia ou da Guarda Fiscal, desertam dos lugarejos onde se encontram, para se esconderem entre os rochedos, alguns já com furnas por e estes preparadas, onde dificilmente poderão ser encontrados.
Junto envio a V.Exa. as fotografias da Eudozia Diz e de seu pai Agustin Lorenzo " El Masidao", para que V. Exa. se digne ordenar que sejam tiradas umas reproduções  e enviadas, com a possível brevidade a este posto, para distribuir pelos postos da Guarda Fiscal, desta área.
Com novos elementos sobre o paradeiro de outros refugiados, que consegui obter do espanhol Camilo ALONSO, que detive em Estivadas, e salvo ordens de V. Exa., em contrário, espero levar a cabo novas diligências, das quais oportunamente darei conhecimento  a V. Exa., do seu resultado. (...)
(...) Também fui informado que tanto o Regedor como o Padre  desta Vila de Castro Laboreiro tinham conhecimento da existência ali dos referidos espanhóis, SENDO POR ESTES ENCOBERTOS E PROTEGIDOS.”
Contudo, as autoridades manteriam a pressão e conseguiriam dias depois obter informações do paradeiro de Eudozia que conduziriam à sua prisão no dia 17 de Maio de 1938. O capitão J. G. Da Cunha do Quartel da Guarda Fiscal do Peso (Melgaço), no relatório da prisão de Eudózia e suas pais, descreve as intensas buscas e captura:
“No Rodeiro (Castro Laboreiro), lugar que me foi indicado, como certo, o paradeiro da Eudozia Lourenço Diz  e de seus pais, foi-me bem difícil e só depois de muita persistência, chegar ao resultado obtido.
Tinha a informação de que estariam refugiados numa mina, no rio que margina este lugar ou na casa de António Domingos Rendeiro, num esconderijo perto de uma lareira.
Tendo comecado pela busca à casa, ou seja, uma daquelas que continham camas em numero muito superior às pessoas ali residentes,conforme informei V. Exa, no meu relatório de 12 do corrente, nada encontrei de suspeito a não ser um pequeno bilhete, com talho de letra de senhora que o Rendeiro me dizia ter sido escrito por um seu amigo. Estes foram acareados e verifiquei ser falsa a sua declaração e como se mantinha na sua forma negativa, de não conhecer ou possuir na sua casa espanhóis refugiados, ficou este detido, bem como sua irmã ali residente que se mantinha na mesma atitude.
Dirigi-me então com estes para o rio, batendo todos os pontos onde se supunha estar a mina, mas foi um exausto trabalho que não surtiu resultado.
Foi feita nova tentativa à casa do Rendeiro e baseando-me numa informação, fiz retirar de um canto da lareira enormes atados de urzes e um pesadíssimo banco, tudo isto assente sobre um chão de lages.
Ao pedir um ferro ou martelo, para ver se, em algumas destas obtia um som oco, fui surpreendido com o levantamento muito lento de uma destas, e de vozes que imploravam clemência. Ali estavam como supultados num túmulo, cobertos de palha, Agustin Lorenço Puga, Basilica Diz e Eudozia Lourenço Diz que a muito custo, foram saindo por um orifício relativamente pequeno, deixando ver nos seus rostos traços de grande sofrimento.
(...) Devo pois informar V. Exa, que ainda há, na Serra de Castro Laboreiro e na Peneda, grande número de refugiados espanhois, sobre os quais aguardo a informacão do seu paradeiro certo, para proceder às respectivas capturas, salvo ordens de V. Exa, em contrário.
A Bem da Nacão.”

Ficha Biográfica prisional de Eudozia

Depois de capturados a 17 de Maio de 1938 por elementos da Guarda Fiscal do Peso, Eudozia e suas pais são conduzidos à Cadeia de Melgaço e lá ficarão detidos durante mais de dois meses até ao dia 27 de Julho, altura em que seriam transferidos para Lisboa.

Documento de entrada na PVDE de Lisboa de Eudozia e seus pais transferidos de Melgaço

Enquanto permaneceram detidos em Melgaço, recebem uma carta de uma pessoa chamada Manuel Vidal, escrita em Lisboa, dizendo a Eudozia que o Consul de França estaria na disponibilidade de lhe fornecer documentos a ela e a seus pais.


Depois de pedirem transferência para Lisboa e esta ter sido aceite, temporariamente terão ficado detidos no Quartel do Carmo. Depois de lhes serem fornecidos documentos pelo Cônsul francês, foram libertados e expulsos do país. Embarcaram no paquete “Jamaique” em direção a Casablanca (Marrocos, à época território francês). Partiu de Lisboa a 10 de Agosto e terá chegado a Marrocos no dia 11 de Agosto de 1938.

Informações extraídas de:
A represion franquista en Galicia. Actas dos traballos presentados ao Congreso da Memoria; Narón, 4 a 7 de decembro de 2003; Asociación Cultural Memoria Histórica Democrática. 
- Arquivo familiar de Paul Feron Lorenzo.

NOTA: Um grande obrigado a Paul Feron Lorenzo, filho de Eudozia Diz, pela partilha de informações e documentação que possibilitou a publicação deste texto. MERCI, PAUL!

quarta-feira, 25 de março de 2015

As Águas de Melgaço e o Grande Hotel do Pezo publicitados no jornal Diário Ilustrado (1902)

As Águas de Melgaço são famosas desde finais do século XIX. Na viragem para o século XX, assistimos a um crescimento muito significativo no número de aquistas. Para esse crescimento, muito contribuiu as suas caraterísticas ímpares e a publicidade na imprensa nacional. 
Nesse tempo, o primeiro hotel a ser construído no Peso foi o Grande Hotel do Pezo, que já existia em 1895, propriedade de António Guerreiro Ranhada.
Numa consulta ao jornal "Diário Ilustrado" de 27 de Agosto de 1902, encontramos um anúncio publicitário alusivo às Águas de Melgaço e ao Grande Hotel do Pezo. Refere-se às caraterísticas benéficas das águas e à qualidade dos serviços do Hotel... 








Fonte: Diário Ilustrado, edição de 27 de Agosto de 1902.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Melgaço nos anos 80 em reportagem vídeo



Viajamos à decada de 80 e percorremos alguns dos recantos de Melgaço mais encantadores desde a vila até às terras altas do nosso concelho, passando pelo parque termal do Peso e o seu "novo" Parque de Campismo. Recorde Melgaço de outros tempos ou simplesmente veja a nossa terra como nunca viu!
Tudo numa bonita reportagem que pode ver ou rever aqui!...

sábado, 14 de março de 2015

Viagem a Castro Laboreiro (1935) do Dr. Manuel Marques, autor do 1º estalão da Raça do Cão de Castro Laboreiro

Em Castro Laboreiro
(Foto de Ramón Dominguez Blanco)

O professor Manuel Marques, autor do 1º estalão da raça do Cão de Castro Laboreiro, conta-nos a viagem que fez, em 1935, até terras castrejas e deixa-nos as suas impressões sobre várias localidade melgacenses por onde passou no seu percurso de Melgaço até Castro Laboreiro.
No seu trabalho acerca do estalão da raça, lemos que: "O cão de Castro Laboreiro é uma das raças caninas mais interessantes mas pouco representada fora da sua origem, pelo que se vêem raros exemplares no centro do país e raríssimos no sul onde é quase desconhecida.
É uma raça onde se encontram formosos tipos de cães não só pela policromia da pelagem , como ainda pelo recorte da silhueta airosa que apresentam.
À semelhança do que fizemos para o Cão da Serra da Estrela, impunha-se o estudo da raça na região  minhota onde tem o seu habitat natural, de maneira a formarmos um juízo, tão perfeito quanto possível, dos caracteres étnicos, e dos serviços que presta como cão de utilidade que é.
Necessário se tornava, portanto, dispormos-nos a fazer a viagem que não é, positivamente, tão fácil nem deleitosa como muitos poderão supor.
Posto ao facto das vicissitudes porque íamos passar, graças aos pormenorizados esclarecimentos prestados por um antigo soldado da Guarda Fiscal, profundo conhecedor da região, e amavelmente cedido pelo comandante do Posto de Melgaço a fim de me  servir de companhia e mentor, combinamos a partida. E numa manhã brumosa, pelas 7 horas, metemos a caminho de Castro Laboreiro esperançados em que o tempo levantasse e então pudéssemos observar o vasto e o lindíssimo panorama que a subida para a montanha nos proporcionava. De facto, após uns borraceiros, as nuvens dissiparam-se e o sol apareceu radiante envolvendo a terra num esplendor de luz.
Melgaço já nos ficava para trás à distância de alguns quilómetros. Tínhamos passado Vila do Conde e estávamos chegados a Fiães.
Uma curta paragem para descanso das alimárias, foi aproveitada para vermos os restos do convento, um dos mais antigos do Alto Minho, e a igreja construída em estilo gótico, digna de admiração, pois está ainda menos mal conservada. Pena é que não a tenham restaurada como fizeram à torre, que está nova. Tinha-se desmoronado com o tempo, reconstruíram-na de 1922 a 1933.
Ora outra vez em marcha, atingimos o Outeiro da Loba, coroado de altas penedias, circundado de vastas bastezas, dando-nos a impressão de estarmos em plena selva africana. Árvores à poucas, e essas mesmas raquíticas, mas entre os matões, os piornais crescem frondosos e gigantescos.
A caça abunda, graças às defesas naturais que a protegem. É frequente o encontro do lobo em pleno dia. Passámos Alcobaça em direção à Portelinha, postos da Guarda Fiscal e pequenos povoados onde abeberámos as montadas. Prosseguindo, cautelosamente, chegamos a Castro Laboreiro já meio dia era dado. Isto é, cinco longas horas a dorso de quadrúpede, por sinuosos e quase intransitáveis caminhos que, na maior parte, mais parecem córregos.
Esta morosidade da viagem, que chega a ser fatigante, é devida à não existência de estradas entre as povoações montanhesas, de forma que o percurso só é suscetível de se fazer a pé ou montando animais habituados ao trilho da serra, quase sempre garranos ou agarranados, e através de densos matagais, de extensas penedias, de montanhosos cerros, cheios de precipícios difíceis de transpor, em que um simples escorregão pode ser fatal.
Isto nos leva a crer que a maioria das pessoas que falam de Castro Laboreiro, só dele tem conhecimento por tradição ou leitura.
Sem pretensões a descabida jactância, julgamos ser necessário a quem lá queira ir, um bom estado de espírito, algumas aptidões para cavaleiro e, acima de tudo, uma firme vontade de chegar, para que as desistências em curso não sejam um facto. Tais são as dificuldades que surgem no trajeto, algumas das quais obrigarão os menos corajosos a desmontarem-se e transporem a pé as passagens mais difícies.
Castro Laboreiro é uma povoação antiquíssima, que se encontra a quase duas dezenas de quilómetros da vila de Melgaço. Está situada do lado norte da serra da Peneda – a poucos kilómetros do santuário que existe em plena montanha, a Nossa Senhora da Peneda, de grande devoção no Alto Minho – sobre afloramentos de granito, por onde serpenteia um afluente do Lima que figura no mpa com a designação de Castro Laboreiro, mas chamado pelos castrejos de rio Fragoso por deslizar por entre extensas fragas.
A vila de Castro Laboreiro, assim conhecida desde antanho e mais designada pelo naturais por “Crasto”, é uma pequena aldeia compreendida na zona raiana, que tinha ao sul um castelo de origem mourisca ou talvez romana, construído sobre um aglomerado penhascoso, alto e abrupto, de dificílimo acesso, cujos vestígios ainda hoje existem.
Constuída por um reduzido número de casas, de aspecto miserável na quase totalidade, tendo a sobressair a igreja local com a sua torre sineira, construída em 1775. Perdida no meio de serranias e com elas se confundindo pelo pardacento do casario, assemelha-se-nos quase impossível se não houver um guia de confiança que, até lá, vá indicando o caminho.
Eis, de uma maneira muito perfunctória, onde se encontra e o que é, a terra donde provêm o nome da raça de cães que vamos tratar.
Impropriamente chamado também de Cão do Soajo, o Cão de Castro Laboreiro encontra-se no extremo da província do Minho, que fica a nordeste, habitando parte do maciço montanhoso galaico-duriense que vai da Peneda ao Soajo, entre os rios Minho e Lima, a altitudes variáveis, mas não chegando a atingir 1400 metros.

Tem os seu solar na região de Castro Laboreiro, mas a área de dispersão é grande. Encontra-se em quase todos os pontos habitados daquelas vastas serranias. Não é em Castro Laboreiro que, atualmente, se encontram bons cães. Os lugares dos Portos, Ameijoeira, Padrosouro e Curveira, além doutros, tem-nos melhores, sobretudo o primeiro."

Exemplar do Cão de Castro Laboreiro fotografado em 1935



Extraído de:
- MARQUES, Manuel F. (1935) - O Cão de Castro Laboreiro - Estalão da Raça. Subsídios para o estudo das raças caninas nacionais. in: Separata do nº 272 da Revista de Medicina Veterinária, Lisboa.

sábado, 7 de março de 2015

O antigo asilo da Quinta de Eiró (Melgaço)


O edifício do antigo asilo da Quinta do Eiró

Este edifício terá sido construído por volta de 1872 conforme a data inscrita em cartela na escadaria da fachada sul. O mesmo era propriedade de Dona Maria Pia Pereira de Sousa, da ilustre Casa de Galvão, que, no estado de viúva de Francisco Pereira de Sousa, por escritura de 6 de Agosto de 1919, fez doação à Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, com reserva de usufruto vitalício, deste edifício e dos terrenos da Quinta de Eiró, situados neste lugar dos arredores da vila de Melgaço. 
Na dita escritura de doação pode ler-se: Ela, doadora, faz esta doação para o fim altruísta de iniciação e base de uma obra de caridade, como preito de admiração e da sua maior homenagem pelo caráter austero de seus falecidos marido e cunhado, Francisco Pereira de Sousa e Dr. António Pereira de Sousa, que nesta linda e acolhedora terra de Melgaço viveram por longo tempo e que como sua adoptaram com afincada dedicação, como contador de Juízo e Médico Municipal, não podendo e não sabendo como melhor enaltecer-lhes as sua lídimas qualidades de coração e como que interpretando-lhes o seu sentimento caritativo, que possuem e exerciam com piedade, sendo esta doação feita com o fim de nos bens doados, se estabelecer um asilo de inválidos com as condições que seguem: este asilo denominar-se-á Pereira de Sousa e será destinado ou terá por fim receber e sustentar os inválidos de ambos os sexos, absolutamente indigentes, moradores nesta vila de Melgaço. Na falta de indigentes naquelas condições, serão admitidos, em igualdade de circunstâncias, os das freguesias do concelho preferindo os das mais próximas”. 
D. Maria Pia Pereira de Castro e Sousa viria a falecer em 24 de novembro de 1935 e como o estipulado na doação, nessa data, passaram os bens citados para a administração da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço. 
Dando cumprimento às vontades expressas na doação por D. Maria de Castro e Sousa, o asilo Pereira de Sousa viria a ser inaugurado em 20 de Setembro de 1936. 
Na ata da inauguração lemos: 
Aos vinte dias do mês de Setembro de mil novecentos e trinta e seis, pelas dezasseis horas, no sitio de Eiró, extramuros desta vila de Melgaço, achando-se presente o provedor da Santa Casa da Misericórdia desta mesma vila, cidadão Duarte Augusto de Magalhães, comigo, José Maria Pereira, secretário, aí foram também presentes o Excelentíssimo Governador Civil, substituto, deste distrito, doutor João da Rocha Páris, doutor João de Barros Durães, na qualidade de Presidente da Câmara e Administrador deste concelho, doutor Victoriano da Glória Ribeiro Figueiredo e Castro, médico do Hospital, doutores Cândido Augusto da Rocha e Sá e Sérgio da Silva Saavedra, facultativos municipais, José de Sousa Lobato, professor e representante da Câmara Municipal e muitas outras pessoas, que devido ao seu grande número não podem ser mencionadas, procedendo-se assim à abertura solene deste Asilo, como previamente havia sido anunciado. 
Assim reunidos, pelo provedor foi dito, entre outras cousas que: 
- Agradecia a comparência do Excelentíssimo Governador Civil deste Distrito, que sempre se tem interessado por todos os assuntos, quer de ordem moral quer de ordem material, ocorridos e a tratar dentro da área da sua jurisdição, bem como ao Excelentíssimo Administrador deste concelho [sic] e a todos os outros assistentes. 
Nos encontrávamos numa casa modesta e pobre, para a sua inauguração em instituto de caridade e beneficência que, pelo seu significado, representa uma obra de grande alcance social e de reconhecido interesse regional. Que as pequenas iniciativas, com o decorrer do tempo, se podem converter em grandes empreendimentos. Dois prestantes cidadãos que, não sendo filhos desta terra, a ela muito se dedicaram, e pelos bons exemplos do seu digno procedimento, inspiraram nos seus sucessores o ardente desejo de perpetuar os seus nomes, com uma obra de caridade e beneficência na terra onde sempre foram respeitados e amados. 
Refiro-me aos senhores doutor António Pereira de Sousa, que exerceu o cargo de médico municipal neste concelho, e a seu irmão, Francisco Pereira de Sousa, que nesta comarca exerceu o seu cargo de funcionário judicial, ambos de saudosa memória. 
O último contraiu matrimónio com a excelentíssima senhora dona Maria Pia de Castro, desta vila de Melgaço. Esta nobre senhora, herdeira por falecimento de seu marido dos bens que lhe advieram por parte deste e seu referido irmão, quis ligar os nomes dos dois à sucessão dos seus bens e, para isso fez doação deles à Santa Casa da Misericórdia desta vila de Melgaço, destinando esta casa a um asilo para velhos necessitados, e consignando o rendimento dos restantes à sustentação do mesmo Asilo. Nobre exemplo de isenção, generosidade e altruísmo que torna venerável a memória daquela nobre e ilustre senhora. 
O seu gesto constitui mais um pergaminho de honra a acrescentar a tantos outros que muito nobilitam os atuais representantes do aristocrático Solar de Galvão e muito engrandecem a memória dos já falecidos membros de tão distinta família. 
É grande o fim desta instituição, e como os seus recursos são pequenos, cumpre aos vivos seguir o exemplo que os mortos nos deram. É esta a esperança que nos anima. A vida desta casa fica dependente da assistência pública e da assistência particular. Dominados pelo sentimento altruísta dos seus instituidores, empregaremos os nossos esforços para que nem uma nem outra lhe faltem. 
Posso já mencionar que algumas almas generosas têm concorrido para a sustentação e amparo dos velhinhos aqui recolhidos. O fim é altamente humanitário. 
Fica inaugurado o Asilo “Pereira de Sousa”. Que ele mereça a proteção de Deus para que lhe não possa faltar a protecção dos homens. 
Em seguida fez uso da palavra o senhor José de Sousa Lobato, que enalteceu as grandes qualidades dos doadores, e fazendo ver as vantagens de todos, os que possam, auxiliarem nas suas posses esta grande instituição. 
Findo o acto da abertura deste Asilo, foi este visitado por grande número de pessoas deste concelho e doutros limítrofes (...) . 
Apesar de inaugurado o asilo, os idosos continuaram nas duas salas do primeiro piso do hospital, devido às dificuldades financeiras, aproveitando-se assim o pessoal do serviço hospitalar para cuidar dos idosos. 
Também por esta época, formou-se em Melgaço uma Liga de Senhoras, constituída pelas mais ilustres da terra, para auxiliar na angariação de fundos para as obras sociais da Misericórdia. Em finais de 1949, a Misericórdia realiza obras na casa para transferir os idosos, contudo eles ainda permaneceram no hospital e só mais tarde seriam transferidos. 
Em 1955, é realizada uma campanha contra a tuberculose lançada pelo Provedor da Misericórdia. Nessa mesma altura, o deputado Elísio Alves Pimenta apresentou ao Subsecretário de Estado de Assistência Social o desejo do provedor de transformar a Casa de Eiró em Enfermaria abrigo para tuberculosos. Para isso, tornava-se necessário proceder a obras de reparação, no valor de cerca de 50.000$00, e que constituiriam em ripar e estucar de novo os tetos de várias divisões, reparar telhados, soalhos, portas e janelas. Além disso, era necessário a reparação e pintura de paredes interiores e exteriores, pavimentos a mosaico no primeiro andar e no piso térreo. Além disso, era ainda necessário, a colocação de silhar de azulejos em várias dependências do segundo piso e piso térreo, instalar água corrente nas dependências no segundo piso e fazer ajustes nas divisões, tapar portas e abrir outras. Era necessário também encanar águas de lavagem e esgotos bem como construir uma fossa, instalar sanitários, construir capela, reparar a instalação elétrica e estende-la ao piso térreo. Houve ainda necessidade de adquirir todo o mobiliário (camas para 18 doentes e 4 para o pessoal, mesinhas de noite, cadeiras, mesas, armários para roupas, etc.), adquirir roupas, loiças, fogão, artigos de cozinha, sanitários, entre outros materiais. 
As despesas de apetrechamento rondavam os 90 contos, mas o custo total da obra era de 120 mil escudos. Aprovando a ideia, o Subsecretário de Estado da Assistência Social concedeu 100 contos, para a obra. Em 1956, a 5 Janeiro, é feita a inauguração da enfermaria, com celebração de missa pelo Arcebispo Primaz de Braga e um discurso proferido pelo Provedor a partir da varanda do edifício, realizando-se ainda nesse mesmo dia a "Festa das Oferendas" para angariação de fundos. 
Em início de Dezembro de 1961, parece estar tudo preparado para a entrada em funcionamento do asilo. O Padre Carlos Vaz, provedor da Santa Casa, escreve na “Voz de Melgaço” de 1 de Dezembro, onde assegura: “Exatamente, no dia oito de Dezembro (…) começará a funcionar (…) na casa de Eiró, o “Lar dos Inválidos de Melgaço”. Vamos começar com dez internados. É nossa intenção recolher todos aqueles que procurem esta casa. Temos lugar para 20. 
Nas vésperas do dia 8, aqui chegarão as irmãzinhas, pois só elas com o seu desvelo e carinho, é que podem estar à frente duma obra como esta. Esperamos que uma ilustre Comissão de Senhoras da nossa terra possa dedicar a esta, o carinho e atenção que lhes for possível. 
Vamos começar.” 
Em 8 de Dezembro de 1961, o asilo recebe os idosos que estavam no hospital e começa a funcionar. O Padre Carlos Vaz escreveu no jornal “Voz de Melgaço”, na sua edição de dia 15 seguinte, onde nos conta tudo: Foi no dia 8, como estava previsto. Sem festas, sem discursos, quase em silêncio, humildemente, inaugurou-se pelas 15:30 precisas, da tarde do dia 8, o Lar dos Inválidos (…) A casa foi benzida pelo Reverendo do Arcipreste que, a seguir, fez uma pequena alocução já na capelinha. Aludiu ao fim da obra que estava a inaugurar-se e lembrou o benemérito fundador, Sr. Dr. Passos de Almeida que, na sua alta missão, de médico, reconheceu a grande necessidade de se valer aos pobres inválidos da nossa terra. Lembrou o trabalho das Mesas anteriores que possibilitaram o clima propício para que esta obra fosse um dia uma realidade. Saudou as ilustres Senhoras Madrinhas e Protetoras desta obra, de quem há muito a esperar. 
Depois de algumas orações, foi dada a bênção do Santíssimo e a Casa ficou patente, durante a tarde, ao numeroso público que, apesar de não haver festa, quis associar-se à abertura desta Casa. E foram várias as almas caridosas que deixaram nas bondosas mãos da senhora Diretora, a Irmã Rosa, as primeiras ofertas”. 
Na década de 1980, o Asilo albergava 18 idosos. Como se mostrava insuficiente para as necessidades locais, a Misericórdia decide construir um novo Lar, para o qual comprou terrenos no Lugar da Loja Nova, junto ao Bairro do Santo Cristo, com capacidade para 60 idosos. 
Em 1989, a 5 Novembro, é realizada a inauguração do novo Lar pelo Professor Aníbal Cavaco Silva, na qualidade de Primeiro-ministro em funções. Em Julho de 1990, é concretizada a transferência dos idosos da Quinta do Eiró para o novo Lar. 
Em tempos recentes, foi construído em terrenos pertencentes a esta Quinta do Eiró, novas instalações para acolhimento de idosos que foram inauguradas em Junho de 2015. Nascia assim, o “Cantinho dos Avós”, que se constitui como mais uma resposta fundamental de apoio à terceira idade que esta Santa Casa presta a uma população de um concelho profundamente envelhecimento. 
Atualmente, o edifício e a quinta anexa continua a ser propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço procurando esta reabilitar o edifício para lhe dar uma novas e nobres utilidade. 



Informações extraídas de:
1936, Setembro 20, Melgaço – Acta da sessão de inauguração do Asilo Pereira de Sousa, da Misericórdia de Melgaço;
- PAIVA, José Pedro et al (2011) - Portugaliae Monumenta Misericordiarum - Misericórdias e Secularização num século turbulento (1910 - 2000). Volume 9, Tomo II; Centro de Estudos de História Religiosa; Universidade Católica Portuguesa. Edição da União das Misericórdias Portuguesas.
- www. monumentos.pt.

domingo, 1 de março de 2015

Melgaço atacado pela pandemia de Gripe Espanhola (1918-1919)

Vila de Melgaço, rua Nova de Melo à época


A «pneumónica» ou «gripe espanhola», designações dadas entre nós à pandemia de gripe de 1918, teve uma curta duração, já que os seus efeitos devastadores se fizeram sentir quase unicamente nos idos anos de 1918 e 1919, e caracterizou-se pela elevada morbilidade e mortalidade, especialmente nos estratos jovens da população.
O distrito de Viana do Castelo está entre os que registou um menor número de mortes causadas pela enfermidade. Com base na Estatística do Movimento Fisiológico da população Portuguesa de 1921, conclui-se que a gripe, ultrapassada a pandemia, deixa de ser a principal causa de morte no distrito de Viana do Castelo. Nesse ano, foi responsável pela morte de 21 pessoas, ao passo que a tuberculose vitimou 199. Contudo, esta circunscrição administrativa não deixou de sofrer, em diversos domínios, os efeitos dela decorrentes.
As notícias da pneumónica surgiram, na região, em inícios de Outubro de 1918, nos concelhos de Monção, Caminha, Viana do Castelo e Paredes de Coura. Imediatamente após as primeiras mortes ocorridas em Monção, foram lançadas medidas para conter o seu alastramento, que passavam pelos cuidados com a higiene pessoal e o asseio da casa e pela recomendação de recorrer a apoio médico logo que surgissem os primeiros sintomas.
Monção foi um dos municípios do Alto Minho afetados pela pneumónica. Apesar de em 1918 se registar uma ligeira subida do número de doentes ingressados no hospital da vila face aos anos anteriores, o certo é que, no período compreendido entre 1861 e 1926, houve anos em que o número total de enfermos superou o de 1918. Contudo, estamos em crer que nem todos os doentes optavam pelo internamento, devido aos preconceitos que ainda persistiam relativamente ao hospital e ao isolamento a que as populações estavam sujeitas.
Entre os 68 doentes infetados pela pneumónica que ingressaram no hospital de Monção entre outubro de 1918 e 1919, foi possível apurar a idade de 63: 33 tinham idades compreendidas entre os 20 e os 40 anos e 15 tinham menos de 20 anos. Como já referimos, a gripe pneumónica atingia, sobretudo, os mais jovens. Por ser esta a faixa etária mais afetada, o número de solteiros contagiados era também muito elevado.

A situação em Melgaço
A situação revelou-se particularmente difícil em Melgaço, sobretudo após a morte dos dois únicos médicos em serviço no hospital, vítimas da gripe pneumónica.
Metade da população da paróquia de Santa Maria da Porta, estava infetada. Neste concelho, que entre os do Alto Minho foi o que registou a maior mortalidade, os enfermeiros, receando o contágio, abandonaram o hospital da Misericórdia. As autoridades distritais reconheciam a gravidade do problema neste concelho e no de Paredes de Coura. O governador civil concedeu, por isso, um donativo no valor de 200 escudos aos respectivos administradores para ser distribuído pelos doentes mais carenciados. Mais uma vez, a intervenção da Cruz Vermelha foi crucial, montando um hospital de campanha em Melgaço, onde a dificuldade em controlar a enfermidade era agravada pela sua localização junto à fronteira espanhola.
A intervenção da Cruz Vermelha em Melgaço  é noticiada no jornal “A Gazeta do Lima” na sua edição de 31 de Outubro de 1918 onde podemos ler “Para Melgaço, onde as cousas se encontravam n’um estado pavoroso, pois até os enfermeiros da Misericórdia tinham fugido abandonando os doentes, foi uma columna da delegação da Cruz Vermelha d’esta cidade para fazer serviço n’um hospital de campanha que se instalou na casa da Escola. Para o organizar, esteve alli o nosso querido amigo sr. Eugénio Martins, seu presidente e zelosíssimo presidente”.
Conta-se também que, durante o surto de gripe penumónica no nosso concelho, o Dr. Vitoriano de Figueiredo e Castro, à data sub-delegado de saúde de Melgaço, foi acusado pela oposição política do concelho, de se fazer passar por doente para não ir para Castro Laboreiro. Mandou para lá um tal de Dr. Salvador, que viera substituir o Dr. Magalhães, um dos médicos mortos pela gripe. Contudo, o médico não quis ir e fez finca-pé, sendo depois enviado compulsivamente para Valença.
A propósito do tal Dr. Vitoriano, sub-delegado de saúde de Melgaço, existe uma carta de um tal “João do Cabo” de Penso, que foi publicada no Jornal de Melgaço de 6 de Dezembro de 1918: “Na epidemia bronco-pneumónica que grassava com uma intensidade assustadora, o Dr. Vitoriano lembrou-se do velho adágio: Mais vale burro vivo do que sábio morto, fingindo-se doente e conservando-se em casa, com as fendas bem calafetadas, a caldos de galinha. Nem uma mulher parida, coitado!”
Em Melgaço, nesta época, a maior parte das pessoas doentes não queria ir para o Hospital da Misericórdia. No entanto, José Augusto Domingues (conhecido como o Cabanal), castrejo, a residir em Prado, sendo atacado pela doença, solicitou a hospitalização. Lê-se no Jornal de Melgaço de 15 de Novembro de 1918: “Nota-se neste concelho uma grande repugnância que não tem razão de ser. É a repugnância que muitos doentes sentem em ir para o hospital e essa repugnância vem de se dizer que lá só dão aos doentes leite e caldo e alguns querem presunto no Inverno e salada no Verão. Ora, no hospital, quando dirigido por um bom médico e haja escrupulosos enfermeiros, ao doente só é ministrado o alimento compatível com as forças do seu organismo, mas o necessário para a vida. Por isso, o nosso amigo Cabanal deu um grande exemplo que deve seguir-se: estava ele e a mulher com a doença – e como os filhos são ainda crianças – não podendo por isso, tratá-los, e ainda como naquele tempo não era fácil encontrar-se uma criada, pois em Prado, estava quase tudo doente, depois de bastantes dias estar de cama, resolve ir com a mulher para o hospital, onde se encontra ainda, mas já livre de perigo...”                                                                                             

Dr. Vitoriano de Figueiredo e Castro


Informações extraídas de:
 - ESTEVES, Alexandra (2014) - O impacto da pneumónica em alguns concelhos do Alto Minho. in: CEM, nº 5, Cultura, Espaço & Memória, Universidade do Porto, Porto.
- ROCHA, Joaquim (2007) - A Febre Tifóide e os seus protagonistas. Boletim Cultural de Melgaço. Câmara Municipal de Melgaço, Melgaço.
- Jornal “A Gazeta do Lima”, edição de 31 de Outubro de 1918.