sábado, 31 de outubro de 2015

Castro Laboreiro (1875):a terra do melhor burel de Portugal

Ruínas das muralhas do antigo castelo de Castro Laboreiro

Na obra “Chorographia Moderna do Reino de Portugal” da autoria  de João Maria Baptista, editado em 1876, o concelho de Melgaço é descrito com algum pormenor.
Na obra é dado bastante destaque à freguesia de Castro Laboreiro ainda que o texto contenha alguns erros. Contudo, ficamos com alguns elementos importantes que nos permitem perceber como era esta freguesia nesta época.
Castro Laboreiro é caraterizado nestas palavras: “Antiga vila de Castro Laboreiro, na antiga comarca de Barcellos. Pelo decreto de 24 de Outubro de 1855 foi extinto o concelho de Castro Laboreiro, ficando a vila e única freguesia do mesmo concelho encorporada no concelho de Melgaço.
Está situada nas abas da serra da Peneda, 3 quilómetros distante da fronteira da Galliza, e próxima do rio Laboreiro. Dista de Melgaço 4 léguas para sudeste.
A vila de Castro Laboreiro tem 60 fogos. Além da vila, esta freguesia comprende os lugares de Portellinha, Vido, Varzea-Travessa, Covelo, Pintem, Laceiras, Ramisqueira, João Alvo, Barreiro, Ponte do Barreiro, Podre, Amoreira, Lagoa, Dorna, Entalada, Mareco, Pontes, Ameixoeira, Bago de Baixo, Bago de Cima, Curveira, Cainheiras, Barziella, Ribeiro, Teso, Porto dos Cavalleiros.
É terra montuosa e frigidissima. Produz centeio e milho miúdo, tem muitos gados, e especialmente ovelhas gallegas, que dão o melhor burel de Portugal. Também tem muita caça grossa e miúda, e pesca de algumas trutas na ribeira do Laboreiro, afluente do Lima.
As árvores são poucas e ainda menos as hortaliças, à excepção de nabos. As águas são frias e delgadas. Na falda da serra e a nordeste da vila nasce o rio Laboreiro, e perto há uma ponte mourisca, chamada ponte Pedrinha. Indo do Porto dos Cavalleiros para a vila, encontra-se outra pequena ribeira afluente do Laboreiro, que é aquella pela qual foi seguindo a margem a pé, o arcebispo D. Frei Bartholomeu dos Martyres, para visitar aquella isolada freguesia como se lê na sua vida, escripta por Fr. Luiz de Sousa.
É tal a frialdade d'esta terra, diz o Carvalho (o autor refere-se ao padre Carvalho da Costa, autor da obra "Corografia portugueza, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal" de 1706), que é necessário aquecer o vinho para as missas, em todo o inverno, porque se congela a ponto de não correr.”
 (Nota: Este pormenor do congelamento do vinho é replicado de uma outra corografia publicada no século XVIII. Será um exagero, concerteza. Sabemos que em Castro Laboreiro os invernos são frios mas dará para o vinho congelar? Não dá para acreditar.)
“Dizem fundou o seu Castello, D. Sancho Nunes de Barbosa (outros querem seja obra dos romanos ou dos árabes) cunhado de el-rei D. Affonso Henriques, que depois o conquistou com duro cerco, e o rodeou de muralhas, porque se havia arruinado com um raio. D. Diniz o reedificou e tornou bem defensível. Porém é quasi incapaz de habitar-se pela aspereza do sitio.”
(Nota: Este episódio do raio que destruiu o castelo de Castro Laboreiro é citado em várias corografias dos séculos XVIII e XIX e é situado em tempos medievais. Contudo, a destruição do castelo pelo raio aconteceu de facto no século XVII. Pode ler mais em “No dia em que o Castelo de Castro Laboreiro "foi pelos ares".)
“Os nossos anteriores monarchas concederam grandes privilégios a esta vila, pelos seus serviços prestados nas guerras. No Dicionário Corográfico, diz-se que os homens e mulheres d'esta vila vestem de briche e saragoça (burel) e trajam de um modo esquisito.
Saem de inverno para Traz-os-Montes mais de 200 homens a fazer paredes e outros trabalhos."


Informações recolhidas em: 
- BAPTISTA, João Maria (1875) - Chorographia Moderna do Reino de Portugal. Volume II, Typographia da Academis Real da Sciencias, Lisboa.

sábado, 24 de outubro de 2015

Melgaço nas notícias da Emissora Nacional em 1960




Viajamos até Melgaço no ano de 1960. Nesta altura, quase ninguém tem televisão e só uns quantos têm um rádio em casa.  
Nestes tempos do Estado Novo, a estação de rádio oficial do regime salazarista era a Emissora Nacional. Entre os seus programas, havia um chamado “A Voz de Portugal” que era emitido em onda curta para o estrangeiro. A emissão do dia 8 de Setembro de 1960, dá um enorme destaque ao concelho de Melgaço. Fala-nos das suas lindas paisagens, das águas milagrosas do Peso e dos melhoramentos operados no concelho pela Câmara Municipal.
Leia as notícias das nossa terra em 1960, no guião deste programa:
“Situada no extremo mais setentrional do país, a vila de Melgaço peca pela distância a que se encontra e só por isso, talvez, não usufrui da fama que, pelas suas múltiplas  variadas belezas naturais, bem merecia, por si e por toda a região circundante. Pode asseverar-se, com plena justiça, que, na gloriosa exuberância do jardim viçoso que é todo o Alto Minho, os foros de Melgaço constituem um canteiro privilegiado de encantos.
Pelos caminhos adustos da serra até ao pitoresco Castro Laboreiro; pela estrada sinuosa que leva até à fronteira de S. Gregório, paralela ao ténue fio de água que é o rio Minho lá ao fundo; nas cavas da montanha; para as bandas do Peso, onde brotam fontes de saúde, por entre renques de cerrada arborização; para qualquer lado que se desviem os passos, a paisagem sublima-se numa grandeza surpreendente e dominadora.
Presentemente, estão em curso obras e melhoramentos de que nos limitaremos a dar ligeiros tópicos, os suficientes para se poder avaliar a importância da atividade camarária. No que diz respeito a estradas municipais, está em curso a construção do segundo lanço da estrada da sede a Alcobaça, por Fiães. Foi a concurso a obra para abertura da estrada da Senhora de Lurdes a Sá (Paços) e está a proceder-se ao levantamento dos projetos para as estradas de Várzea Travessa a Rodeiro (Castro Laboreiro) e de castro Laboreiro aos Portos. Neste momento, estão a decorrer os trabalhos relacionados com o abastecimento de água aos lugares de Aldeia de Cima (Paderne) e de Maninho (Alvaredo).
O plano de recuperação e de construção de edifícios escolares continuam a merecer particular zelo. Já foi adjudicada a construção das escolas de Adofreire (Castro Laboreiro), Além (Paderne) e de Corga (Remoães) e faz-se a aquisição dos terrenos onde vão ser erguidos os novos edifícios escolares de Crasto (Roussas) e da próxima vila. A assistência é, por sua vez, um campo de ação que a municipalidade trata com especial desvelo.
A estância hidrológica do Peso, com toda a maravilha da sua paisagem e dos seus recantos frondosos, é bem o centro de atração desta zona do Alto Minho – também por constituir um aprazível local de repouso onde as comprovadas virtudes curativas das suas águas minerais têm  merecido a benção de muitos doentes que ali procuram alívio para os seus achaques.
Com mais alguns melhoramentos que se projetam – engrandecimento do Peso e uma pousada-, depressa Melgaço conquistará um lugar de relevo, aliás bem merecido, no plano turístico nacional.”


Fonte: Guião do programa “A Voz de Portugal” de 8 de setembro de 1960. In: www.rtp.pt


Veja o Guião do programa na íntegra digitalizado:

















domingo, 18 de outubro de 2015

Antiga Ponte Internacional de S. Gregório em postais antigos

A antiga ponte internacional de S. Gregório foi construída em finais do século XIX e destruída em meados da década de 1930. Era uma estrutura rudimentar cujo tabuleiro era formado por um par de troncos de madeira. Podemos vê-la em alguns postais como estes que aqui são apresentados...

Ponte Internacional de S. Gregório (postal de 1909)


Ponte Internacional de S. Gregório (postal da década de 30)


Ponte Internacional de S. Gregório (postal da década de 30)


Ponte Internacional de S. Gregório (postal do início do século XX)


sábado, 17 de outubro de 2015

Estratégia para defender Melgaço de uma invasão - o plano de um capitão inglês



William Granville Eliot era um capitão do Royal Regiment of Artillery, que exercia funções de engenheiro militar. Esteve em Portugal entre 1808 e 1809, sob as ordens do General Arthur Wellesley, responsável máximo pela organização da defesa portuguesa contra as tropas napoleónicas. O capitão William Eliot era um homem preocupado com a definição de uma estratégia para a defesa de Portugal contra os invasores franceses pois acreditava-se que haveria um terceira invasão como veio a concretizar-se.
Durante a sua estadia no nosso país, fez um trabalho de reconhecimento das áreas fronteiriças portuguesas e após a segunda invasão francesa em 1809, publica o livro “A treatise on the defence of Portugal, with a military map of the country”, editado em 1810. Este tratado de estratégia militar contem uma verdadeira estratégia de como, no entender dele, se deviam posicionar as tropas e a artilharia para defender as nossas fronteiras.
A propósito da nossa região, refere-se à existência de fortificações completamente obsoletas, construídas noutro tempo para um outro tipo de guerra. Contudo, o rio Minho representava um obstáculo natural que muito poderia dificultar qualquer tentativa de incursão, tendo em conta a inexistência de pontes entre as duas margens. A este propósito, o capitão Eliot refere-se ao curso do Minho à sua passagem por Melgaço, nestas palavras: “O rio Minho, entra em Portugal cerca de uma légua e meia acima de Melgaço e não dá para ser atravessado em qualquer parte do seu curso, exceto num local ligeiramente a montante deste lugar, e apenas nos anos em que o inverno e o verão são excepcionalmente secos. A corrente do Minho não é particularmente rápida. Não há pontes sobre o rio, e apenas algumas passagens de barco.”
Uma outra questão que poderia dificultar  os movimentos de tropas e artilharia no nosso concelho, era, segundo o entender do capitão, o estado das vias de comunicação. Então diz que “a estrada de Melgaço para Monção, com três léguas, encontra-se em mau estado, mas pode ser transitada por peças de artilharia ligeira. Há dois riachos no percurso desta estrada cujas margens são íngremes e rochosas, com pontes de pedra sobre os mesmos. Estas podem ser facilmente destruídas, o que iria aumentar a dificuldade de avançar por esta via. Caso contrário, não restaria outra alternativa senão evitar este setor e entrar em Portugal em Caminha, progredindo pela costa para o Porto. No caso dos rios Lima, Cávado e Ave, estes  podem ser atravessados.” Isto devido ao facto de, ao contrário do rio Minho, possuírem pontes.
O general William Eliot deixa considerações acerca da força necessária para defender a fronteira do Minho e em particular este setor da linha fronteiriça próxima de Melgaço: “Já observei que as fortalezas no Minho não estão em bom estado para se defenderem e que, a fim de remediar esta situação, seria mais vantajoso estacionar tropas com artilharia ligeira com uma certa proporcionalidade, em vez de gastar uma avultada soma de dinheiro na reparação das suas muralhas quase inúteis e obsoletas. Torna-se necessário fazer algumas considerações acerca do número de homens que seriam suficientes para defender esta fronteira nos seus pontos mais sensíveis de um ataque externo.”
Em função disto, o capitão define o posicionamento de tropas e artilharia para a linha de fronteira ao longo do rio Minho e aconselha: “Em Caminha, 300 homens com dois canhões “six-pounders”, pode ser suficiente. Em Vila Nova de Cerveira, 300 homens e dois canhões “six-pounders”. Em Valença do Minho, 1000 homens, com seis canhões, “nine pounders” ou “twelve pounders”; em Monção, a mesma situação, substituindo os canhões “six pounders” por armas mais pesadas. Em Melgaço, 300 homens de infantaria ligeira, e dois canhões “three pounders”. Em Alcobaça, uma pequena aldeia nas montanhas acima de Melgaço, 200 soldados de infantaria ligeira com dois canhões "three-pounders". “ Esta consideração revela alguma preocupação com este troço da raia seca.
Entre cada um desses lugares, seria necessário um pequeno destacamento de cavalaria para manter ativas as comunicações, e observar os movimentos do inimigo ao longo de todo o curso do Minho. No seu conjunto, entre soldados de infantaria e cavalaria, cerca de 4000 homens. Estes, auxiliados pelos camponeses armados, seriam capazes de impedir com eficácia qualquer tentativa  de incursão.”
Em relação à fronteira ao longo da raia seca na parte serrana de Melgaço e setor a sul na fronteira oriental a norte do Lima, o capitão Eliot julga que “sendo este um pequeno setor entalado entre o Minho e o Lima, não é um alvo provável por parte do inimigo.” A este respeito, acrescenta que isto se aplica perfeitamente à área “entre a povoação de Alcobaça e Castro Laboreiro, uma fortaleza antiga, situada no cume de um precipício, toda a região é um continuado de montanhas. Aqui não há estradas. Apenas se consegue circular com uma mula, e uma pessoa é frequentemente obrigado a desmontar, quando é necessário passar em locais mais escarpados o que dificulta os movimentos.
Contudo, mesmo que o inimigo, conseguisse fazer passar com sucesso um corpo de tropas de infantaria ligeira, sem artilharia nessa direção, o rio Lima apresentaria logo um outro obstáculo, embora não seja de dificuldade tão acentuado como o rio Minho. Aqui, encontrariam tropas preparadas para a defesa deste ponto e se fosse necessário, proceder-se-ia à destruição das pontes.”
Contudo, a terceira invasão francesa não passou por Melgaço. De qualquer forma,  este capitão inglês deixou ficar aquela que, no seu entender, seria a melhor estratégia para defender a nossa terra.

Extratos transcritos de:

ELIOT, William Granville (1810) – A treatise on the defence of Portugal, with a military map of the country: to which is added, a sketch of the manners and customs of the inhabitants and principal events of the campaigns under Lord Wellington, in 1808 and 1809. London: T. Egerton, Military Library, Whitehall.

sábado, 10 de outubro de 2015

Pelos caminhos de Rouças, em finais do séc. XIX

Igreja de Roussas (Melgaço)
(Fonte: coxo-melgaco.blogspot.com)

Em finais do século XIX, José Augusto Vieira, autor da obra "O Minho PIttoresco", percorreu os caminhos de Melgaço e perpetuou as sua impressões neste livro. Andou pelos caminhos da freguesia de Rouças e deixou-nos estas palavras que aqui transcrevo: 
"Eram meus companheiros de excursão João de Almeida, o artista que ilustra o maior número das páginas deste livro e Abel Seixas, aspirante da alfândega de Viana, então licenciado e conhecedor prático da localidade, porque na delegação de Melgaço havia feito serviço.
O guia, calçado com os grossos tamancos, cujo specimen se encontra na gravura de texto, ia secundado por um valente rapazito, que teve a audácia de aguentar a pé a ida e a volta, para se não separar do cavalito rinchão que nos havia alugado.

Tamancos da época (Melgaço, 1886)

O dia, não obstante estarmos em pleno verão, apresentara-se um pouco fresco, o que nos animava à longa caminhada através das aspereza da serra.
— Três léguas,— nos dizia o guia, que tínhamos a percorrer, mas se tu sabes, leitor, o que são as antigas léguas da província, podes bem calcular, que teríamos pelo menos na nossa frente uma distancia de 25 kilómetros por detestáveis veredas!
A ascensão principia logo ao sair de Melgaço, amenizada na encosta pela frescura viçosa do arvoredo, árida e fatigante depois que se está em plena serra. Atravessamos o pitoresco lugar de Cavaleiros, onde existe a capela da Senhora das Dores, cuja festa se realiza em setembro, e que domina um pequeno mas formoso vale, e assim vamos caminhando, levando à esquerda a montanha, e à direita os pequenos tabuleiros arrelvados, que descem até ao regato de Souto dos Loiros, sobre cujas margens se levantam frondosos soutos de castanheiros. Passamos em Cabana e vemos na baixa as pastagens de Lobiô, dum verde esmeralda macio e tenro.
Estes lugares pertencem a ROUSSAS, cuja paroquial igreja nos fica à direita. Roussas era padroado da antiga casa do Paço de Roussas e no lugar — chamado do Paço — se vêem ainda as ruínas do antiquíssimo edifício, em parte ainda hoje habitado. Este padroado passou depois para Manuel Pereira (o mil-homens) de Monção e o solar para os Castros de Melgaço, e mais tarde para os arcebispos de Braga.
O território da freguesia abrange 7 Kms de comprido por 5 Kms de largo, estendendo-se desde a encosta oeste da serra de Pernidelo até junto das muralhas de Melgaço, cujas primeiras casas lhe pertencem. Os seus vales são fertilíssimos e é precioso o seu vinho verde de Barreiras e Vale de Cavaleiros, em nada inferior ao de Monção. Nesta freguesia e sobranceira à vila, está a grande quinta, que foi do mosteiro de Fiães e que é uma belíssima vivenda.
A igreja matriz é uma das mais amplas do distrito, tem altar-mor e quatro laterais, sendo as imagens de boa escultura, especialmente a da Senhora da Soledade, de tamanho quase natural e oferecida à freguesia pela benemérita família Salgado, aqui residente. A torre é bastante elevada, com dois sinos. No coro, de espaço regular, existe um pequeno órgão.
Por uma inscrição em lápide existente na parede exterior da capela-mor se vê, que o templo foi fundado em 1690 pelo abade Braz d'Andrade Gama. O sítio é formoso, os horizontes largos, e na festa da padroeira, a 18 de julho, a romaria, concorridíssima de gente dos arredores e da Galiza, que à santa vem trazer grande número de ofertas para que os preserve de sezões, espalha-se alegremente pelo vasto terreiro ao sul da igreja, assombreado por castanheiros gigantes.
Além da capela que já mencionámos, Roussas tem ainda as seguintes: Santa Rita, em Vilela, com missa aos domingos e dias santificados. É publica. Nossa Senhora da Conceição, no Coto do Preto.Tem uma bem esculpida pedra d'armas sobre a porta principal. É particular. Santo António, no lugar da Corga, particular. João Baptista, no lugar do Fêxo, idem. Nossa Senhora da Graça, a poucos metros da antecedente é a melhor de todas, tanto pela sua posição eminente à vila,como pela magnifica pedra de cantaria de que é construída. Do monte, em que ela assenta, sai todo o granito para as construções dos arredores.
A ermida foi fundada em 1594 pelo abade Tristão de Castro em cumprimento d'um voto, cuja lenda é análoga à de D. Fuus Roupinho, pois há para assustar o cavaleiro e o cavalo um fantasma monstruoso, que faz desatinadamente correr o animal por soutos e ravinas, com grave risco da integridade anatómica do padre.

Serra acima, o horizonte é encantador para os lados de Melgaço e Galiza, e como que á vol d'oiseau se dominam as encostas e pequenos vales, onde os campanários destacam as suas agulhas brancas. O Minho corre em baixo, como serpente em voltas sinuosas. Para o norte, as serras de Galiza vão-se indistintamente fundindo no índigo esfumado da atmosfera. Dobramos a montanha, o horizonte largo desaparece e logo na encosta Vila de Conde, lugarejo pertencente a FIÃES, principia a dar o toque de melancolia às nossas impressões, até aí cheias do verde-claro da vegetação, dos sussurros da agua, do espelhar dos rios, do pitoresco das aldeias. Parece que entramos numa região inóspita e selvagem..."



Extraído de: 
VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da livraria de António Maria Pereira - Editor, Lisboa.

sábado, 3 de outubro de 2015

A Ponte da Assureira ou Ponte de S. Brás (Castro Laboreiro)

Ponte de S. Brás, na Assureira (Castro Laboreiro - Melgaço)
(Foto de António Eiras)

No panorama das pontes históricas nacionais, Castro Laboreiro possui um dos mais homogéneos e interessantes núcleos, cuja relevância no âmbito nacional é ainda reforçada pelo facto de quase todas elas provarem como a Idade Média reutilizou (e, em tantos casos, reformulou) antigas estruturas de passagem de época romana, fazendo com que algumas apresentem um aspecto misto, fruto de duas fases distintas de utilização, como provou Aníbal Rodrigues precisamente para este conjunto do Alto Minho interior.
Na origem, Assureira é uma das muitas inverneiras da região, locais relativamente abrigados e a mais baixa altitude (em torno dos 700-800 metros), onde as populações passavam os Invernos, de acordo com a habitação sazonal que caracterizava esta zona. Desde muito cedo, um rudimentar habitat foi concentrado neste local, ponto privilegiado ainda pela proximidade do rio de Castro Laboreiro e pelas naturais condições de passagem.
Na época romana, foi aqui que se edificou uma das várias pontes da região, cuja estrutura sobreviveu, em parte, até aos dias de hoje. A análise efectuada por Aníbal Rodrigues é clara quanto à sobrevivência de alguns elementos deste período, designadamente na sua metade nascente, como as lages de grandes e regulares dimensões e a feitura do arco, de volta perfeita, com aduelas "com o paramento exterior almofadado e de uma perfeição extraordinária".
Cerca de mil anos depois, nos primeiros séculos da nacionalidade, a ponte foi objecto de uma ampla reforma, que se pautou pelo alargamento do tabuleiro, muito possivelmente com a intenção de dar "passagem a toda a espécie de carros de tracção animal". É desta forma que compreendemos a grande diferença de aparelho e de sistema construtivo entre as metades nascente e ponte da estrutura. Esta última, compõe-se de um lajeado de pedras miúdas e dispostas um tanto anarquicamente, sendo as aduelas irregulares, sintomas de uma profunda alteração, que pretendeu alargar o tabuleiro para o dobro da sua extensão (3,30m na actualidade).
Esta radical transformação prova, acima de tudo, a manutenção da ponte como elemento fundamental para as populações, ao longo de séculos, servindo um núcleo de povoamento que constantemente a atravessou nas suas actividades ganadeiras e nas movimentações sazonais entre inverneiras e brandas.
Prova disto mesmo são os restantes elementos edificados que se relacionam com a ponte. Bem perto, para nascente, aproveitando o caudaloso leito desta secção do rio, construiu-se um moinho, em época incerta, mas que se poderá situar na Idade Moderna. Mais antigo é um lintel de janela, de arco contracurvado escavado, decorado "com uma vieira e duas estrelas", integrado na capela de São Brás. Este pequeno templo é, hoje, uma construção incaracterística, com abundante material reutilizado e uma parte superior que é, claramente, um acrescento recente, em cimento, que corrompeu toda a estrutura e originalidade anteriores. No entanto, a integração desta padieira de época manuelina prova como, desde essa altura, aqui existiu um edifício de cunho mais cuidado, provavelmente de carácter religioso, que a actual capela veio substituir.


Informações recolhidas em:
- ARAÚJO, José Rosa de (1962) - Caminhos velhos e Pontes de Viana e Ponte de Lima. Viana do Castelo;
- LIMA, Alexandra Cerveira Pinto Sousa (1996) - Castro Laboreiro: Povoamento e organização de um território serrano. Melgaço;
- RIBEIRO, Aníbal Soares (1998) - Pontes Antigas Classificadas. Lisboa;
- RODRIGUES, Pe. Aníbal (1985)  - Pontes Romanas e Românicas de Castro Laboreiro. Viana do Castelo.

- www.patrimoniocultural.pt.