sexta-feira, 1 de abril de 2016

A realidade de Melgaço em 1950 e os problemas da fronteira discutidos na Assembleia Nacional

Complexo Alfandegário de S. Gregório (Melgaço)
Em 1950, vivia-se em pleno Estado Novo. Melgaço, como o país em geral atravessa tempos difíceis. O contrabando e a emigração são fenómenos muito familiares nesta terra raiana. Na sessão parlamentar de 23 de Março desse ano, o deputado Eliseu Pimenta fala da dura realidade em que se vive por cá e reclama a abertura de vários postos fronteiriços e a conclusão do Complexo Alfandegário de S. Gregório e das vantagens que isso poderia trazer para a melhoria da vida na nossa terra. O deputado citado refere-se ao assunto nestes termos  "Não quero falar agora da necessidade da reabertura das fronteiras de Peso (Melgaço) e de S. Gregório, que tantos benefícios poderá trazer ao concelho mais setentrional de Portugal, pois estou convencido de que tal reabertura não deve demorar muito tempo.
Por parte das autoridades espanholas, segundo elas próprias me informaram, há o maior desejo de que isso aconteça, e creio que falta apenas do nosso lado a conclusão de uns edifícios que o Estado mandou construir para a instalação da alfândega e da Polícia Internacional em S. Gregório e que honram o nosso país.
Os estrangeiros que dentro em breve atravessarem a ponte internacional, vindos do Norte e Nordeste de Espanha, encontrarão no seu primeiro contacto com Portugal a amabilidade dos agentes, a perfeita organização dos serviços de fronteira e a ideia nítida da ordem e do bom gosto, próprios de um país civilizado.
E nesse aspecto turístico tem-se caminhado muito bem em Portugal.
Há, porém, uma situação, criada a partir da guerra de libertação da Espanha, que necessita de ser solucionada, pois afecta os interesses legítimos de muitos portugueses que possuem terras no país vizinho.
Talvez V. Ex.ª, Sr. Presidente, não saiba que numa extensão de cerca do duas dezenas de quilómetros, e com pequenas soluções do continuidade, ambos os lados da fronteira, marcada pelo pequeno rio Trancoso, afluente do Minho, se não são de Portugal, porque só um deles politicamente o pode ser, pertencem a portugueses.
Muitos terrenos de cultivo e do mato da província de Orense, frente às freguesias de Fiães, Lamas de Mouro e Castro Laboreiro, desde há séculos, talvez desde a fundação, que são de portugueses, habitantes dessas freguesias, que os vêm transmitindo, patriòticamente, de pais a filhos.
E esta influência portuguesa fez-se sempre sentir de tal maneira que, ainda não há cinquenta anos, muitos espanhóis da querida Galiza - que tão próxima está sempre de todos nós, habitantes de lugares raianos - vinham baptizar os filhos e enterrar os mortos a Portugal.
Nesses bons tempos não havia entraves à passagem da raia para os que cultivavam os seus terrenos na outra margem do Trancoso, levando sementes, estrumes, gados e alfaias agrícolas, e regressando a Portugal com os frutos da terra.
Bastava atravessar o rio pelos pontões ou até a vau ou a seco.
A certa altura, embora o trânsito de pessoas continuasse a ser livre, sujeitou-se o do gado a guias passadas pela Guarda Fiscal em S. Gregório e visadas pelos carabineiros em Puente Barjas, que tinham a duração de seis meses. Em 1936, com o início da guerra de Espanha, todas as facilidades desapareceram, e se as restrições se justificaram durante os anos de luta armada contra o comunismo, em que tão valentemente se bateram os nossos vizinhos, não vejo hoje razão para que se não regresse à situação anterior, e muito menos quando à tradicional amizade entre os povos corresponde o melhor entendimento entre os Governos. Isto é, aquilo que se fazia quando vivíamos de costas  voltadas, não se faz hoje, que nos abraçamos sem desconfiança.
Os lavradores portugueses vêem-se em dificuldades para cultivarem os seus terrenos situados em Espanha, e se o fazem ainda, embora à custa de imensos sacrifícios materiais, isso se deve principalmente à boa vontade das autoridades espanholas.
E diga-se, é certo apenas como nota à parte, que essa boa compreensão se manifesta em outro trecho da fronteira do Norte, ao consentirem que os rebanhos dos portugueses vão a apascentar ao seu território, suprindo assim as dificuldades injustificadamente levantadas aos povos pelos serviços florestais e que, apesar dos reparos feitos nesta Assembleia, não se procuraram diminuir.
Creio que o que acabo de expor relativamente aos portugueses que possuem terrenos em Espanha é já do conhecimento dos ilustres Ministros do Interior o dos Negócios Estrangeiros.
Faço votos, portanto, e confio em absoluto na solução, para que, do acordo com o Governo Espanhol, Governo amigo, o problema seja resolvido satisfatoriamente. Tenho dito."

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