domingo, 28 de agosto de 2016

A Guerra da Restauração nas fronteiras de Melgaço (Parte II)

S. Gregório (Cristoval - Melgaço)
(Foto em coxo-melgaco.blogspot.com)
A Guerra da Restauração (1640-1668) foi um conflito que opôs Portugal e Espanha na sequência do golpe de 1 de Dezembro de 1640 que restabeleceu o nosso país como país independente. Na fronteiras de Melgaço e áreas envolventes foram travados duros combates entre os exércitos dos dois países. Aldeias de Cristóval, Paços, Fiães ou Castro Laboreiro foram incendiadas e saqueadas retribuindo os portugueses na mesma forma em aldeias galegas. Depois das primeiras escaramuças, os espanhóis constroem uma fortificação em Padrenda sediando ali a sua Praça de Armas de forma a melhor defender a linha de fronteira da raia seca, por onde os portugueses realizaram várias incursões em território espanhol. Estes episódios são contados no livro “História do Portugal Restaurado” publicado em 1751 onde podemos ler: “O Marquês de Val-Paraíso, governador da Galiza à época, considerando a sua experiência militar e o que mais convinha à defesa da Galiza e de que podia resultar maior dano a Portugal, elegeu para Praça de Armas o lugar de Padrenda, situada entre o Porto dos Cavaleiros (Lamas de Mouro) e a Ponte das Várzeas (junto a S. Gregório), lugares por onde a nossa gente mais continuadamente costumava entrar na Galiza. Do Porto dos Cavaleiros e Ponte das Várzeas que ficavam em dois lados opostos de Padrenda em distância de légua e meia, fez levantar redutos, conforme as capacidades dos sítios e tão vizinhos que uns a outros se defendiam, animando a todos um grande forte que guarneciam 600 infantes. Para dar fim a este trabalho, se alojou o Marquês em Padrenda com seis mil infantes e 600 cavalos, entendendo que aperfeiçoada esta obra, seria fácil a segurança dos lugares que governava, e infalível a sua ruína dos que pretendiam conquistar. Dom Gastão (que comandava a tropa portuguesa neste setor), tendo aviso deste novo intento do inimigo, reconhecendo o perigo de se conseguir, se resolveu a procurar todos os caminhos de o atalhar, e usando dos meios pouco proporcionais que naquele tempo dispensavam a confusão e falta de experiência. Animou-se com a resolução, a temecidade, ainda que a todos parece o valor imprudente de querer atacar fortificações bem fabricadas e melhor guarnecidas com um trapel de gente sem forma nem obediência, com poucas munições e menos bastimentos e sem mais instrumentos de expugnação que duas ligeiras peças de artilharia. Mas como Deus quiz sempre manifestar entre os nossos a sua misericórdia, não argumentem os que sabem os preceitos da guerra, lendo esta história, a causa das nossa fortunas. Tratem só de lhe dar crédito, na fé de que em nenhum século, e de outra nação, se escreveu até este tempo história mais verdadeira,  porque sem receio, sem ódio, e sem afeição escrevo em umas partes o que vi, em outras o que observarão todos aqueles com que trato e com quem confiro todas as matérias que escrevo.
Resoluto, D. Gastão a atacar o forte de Padrenda, e os redutos sem artifício nem dissimulação, convocou a gente de toda a província. Confiava a que se havia alistado para ser paga, uns quatro mil homens. Porém na disciplina, não havia diferença alguma porque ainda que algumas companhias estavam formadas, não se tinham dividido em terços e todo o corpo junto não era mais que um tumulto de gente valorosa. A maior parte da infantaria paga foi entregue por D. Gastão à ordem de Lopo Pereira de Lima, cavaleiro da Ordem de Malta a que assistia seu irmão Diogo de Melo da mesma Religião e Capitão Mor de Barcelos, alojados ambos em Lamas de Mouro, lugar vizinho ao Porto dos Cavaleiros. Com esta notícia, apressou o inimigo o trabalho e em quatro dias reduziu a obra de defesa. D. Gastão, com outro troço, ficou alojado na Ponte das Várzeas (Cristóval) e para que o inimigo divertisse o poder que tinha junto, mandou entrar na Galiza pela Portela do Homem a Vasco de Azevedo Coutinho e por Lindoso a Manuel de Sousa de Abreu, ordenando-lhes, que segunda feira, nove de Setembro, entrassem na Galiza. No mesmo dia ao amanhecer, dividiu D. Gastão a infantaria em três troços e levantando uma plataforma, fez jogar as duas peças de artilharia que levava, contra o reduto da Ponte da Várzeas (junto a Ponte Barxas) e foram de grande efeito, recebendo o inimigo considerável dano. Os três troços, que governavam Lourenço de Morim, Sargento Mor de Caminha e os Capitães Gaspar Casado Manuel e Martim Coelho Vieira, com grande valor e pouca ordem, superando o embargo de algumas estacadas, avançaram três redutos, e entraram ao mesmo tempo, degolando os soldados que os guarneciam. Ficando aberto o caminho para Monte Redondo, que os galegos haviam reparado, se retiraram os que fugiram para este lugar que ficava vizinho. Depois de arruinados os redutos galegos, os portugueses investiram contra as trincheiras de Monte Redondo, e desemparando o inimigo, entraram no lugar e saquearam-no uma segunda vez. O mesmo fizeram a algumas aldeias que ficavam pouco distantes. Os galegos acudiram àquela parte com três mil infantes e 400 cavalos e achando a gente carregada de despojos, avançaram com resolução e os soldados da ordenança, não querendo pôr em contingência o que haviam roubado, voltaram as costas, não valendo a D. Gastão as grandes diligências que fez para os deter na Ponte das Várzeas. Os oficiais e 500 soldados que ficaram, fizeram rosto ao inimigo e valendo-lhe a aspereza do sítio, se vieram retirando pelas veredas mais estreitas, e deixando 15 soldados mortos e dez prisioneiros, conseguiram valorosamente passar a Ponte das Várzeas sem maior dano. D. Gastão estimulado pela desordem e do mau sucesso, unindo a esta gente alguma que havia detido, logo que amanheceu, tornou a passar a ponte (junto a S. Gregório) e acabou de desfazer todos os redutos e trincheiras o que se conseguiu com tanta diligência que quando os galegos, que não esperavam segunda incursão e acudiram, já os redutos estavam desfeitos. Sem receberem dano, se retiraram à sua vila os nosso soldados. Diogo de Melo e Lopo Pereira, destinados contra os redutos do Porto dos Cavaleiros, juntaram cinco mil infantes e foram alojar-se com eles à vista deste lugar. Nesse dia, apareceu um velho de 70 anos, ao qual perguntando-lhe para o que fora chamado, respondeu que para o ataque daquelas fortificações. O Mestre de Campo António Solis, cabo daquele troço, tornou a remeter o velho para os Maltezes com uma carta, em que dizia que aquele homem fora colhido, e que constando da sua confissão, que era chamado para uma empresa tão galharda, como a de investir contra aquelas fortificações, não queria que se mal lograsse por falta de um soldado de tanta importância, e acrescentava a esta zombaria outras palavras exorbitantes. Teve esta carta resposta com maiores aprobios e à segunda feira executaram os Maltezes (Cavaleiros de Malta) a ordem de investir contra o forte e outros redutos, que era o mesmo dia em que D. Gastão tinha logrado o sucesso referido. Dividindo-se a infantaria em dois troços, dos quais eram cabos os dois irmãos: ao que governava Lopo Pereira, dava apoio o seu irmão António Pereira de Lima com 80 cavalos. Marchou este troço pela parte de Alcobaça e atacou o forte e redutos do sítio da Costa. Diogo de Melo escolheu para atacar o redutos e forte da serra, a empresa mais duvidosa, por ser um sítio mais áspero, o forte maior, e os redutos melhor defendidos e ter o inimigo formado da outra parte da serra, três mil infantes e 200 cavalos para defender o assalto. Conhecendo Diogo de Melo o risco desta empresa se uniu a seus irmãos e formou um corpo de mil infantes que entregou ao Sargento Mor Simão Pita com ordem para que ataque os redutos que primeiro corriam por conta de Lopo Pereira. Feita esta divisão com 4000 infantes e 80 cavalos, deu volta Diogo de Melo ao lugar de Chão de Castro e lançando 500 mosqueteiros por cada um dos lados da serra, com a mais gente ganhou a eminência por entre nuvens de balas e valendo-se da coragem dos soldados, investiu num reduto que os galegos, sem esperar o assalto, desempararam. Favorecidos da mosquetaria dos outros redutos, se recolheram ao forte que estava no alto da serra. Com pouco mais trabalho ganhou Diogo de Melo os outros redutos e seguindo a vitória chegou junto do forte. A grande guarnição que estava nele, entrando-lhe o receio antes de experimentar as feridas, largou o forte sem ter respeito aos oficiais que, ora com rogos, ora com estocadas pretendia detê-la. Mas como ordinariamente nos nossos conflitos em que se acham ânimos covardes, o receio excede ao perigo, se deixaram os galegos matar pelos seus capitães, para não chegar às mãos dos nossos soldados. Entraram eles no forte, de que resultaram muitas mortes. Os Maltezes, tendo logrado a vitória e os galegos, que estavam formados, desemparando o sítio que ocupavam, marcharam para formarem em sitio mais distante. Diogo de Melo com muito acordo mandou tocar a recolher.”


Extraído de: MENEZES, Luiz de (1751) – História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues; Lisboa.

Para ler a "A Guerra da Restauração nas fronteiras de Melgaço" PARTE I, CLIQUE AQUI

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A Guerra da Restauração nas fronteiras de Melgaço (Parte 1)

As atrocidades cometidas nas aldeias de Melgaço durante a Guerra da Restauração (1641)

Cristóval (Melgaço) na atualidade
Mais de um século depois da Restauração da independência portuguesa em 1640, um livro intitulado "História do Portugal Restaurado", publicado em 1751, conta-nos muitos episódios da Guerra da Restauração. Entre outras passagens, fala-nos das atrocidades cometidas pelos soldados portugueses e espanhóis nas povoações raianas de Melgaço e localidades galegas do outro lado da fronteira no ano de 1641. Aldeias em Paços, Cristóval ou Castro Laboreiro (Melgaço) foram incendiadas e saqueadas. Era o estalar da Guerra da Restauração...
O dito livro conta-nos que: "Nestes dias, andando em Melgaço, rondando as sentinelas junto do rio, o Capitão de Infantaria Francisco de Gouvea Ferraz, estimulado de ouvir da outra parte do rio a um soldado galego algumas palavras contra o decoro del rei, se lançou impetuosamento ao rio, e passando a nado, se achou da outra parte sem oposição, porque o galego, medroso, do seu lado se retirou, antes que ele chagasse, podendo facilmente tomar vingança da sua ousadia. Tornou da mesma forma a voltar a Melgaço, e logrou o merecido aplauso da sua resolução.
De Janeiro até Julho se passou de uma e outra parte sem mais empresa do que estas primeiras ameaças de guerra. Em Julho quando se rompeu a guerra no Alentejo, conhecendo El Rei que menear as armas só para a defesa era multiplicar o perigo, e era a paz que se desejava e que se havia de conseguir fazendo guerra, ordenou aos governadores para dar armas de todas as províncias, que entrassem em Castela. Não dilatou D. Gastão a obediência e deu logo ordem a Frei Luiz Coelho da Sylva, Cavaleiro da Ordem de S. João, que com a gente de Viana, embarcada numa galeota, duas lanchas e alguns barcos passasse a queimar a vila da Guardia, situada defronte de Caminha. Mandou a D. João de Souza, Capitão Mor de Melgaço, que entrasse ao mesmo tempo pela Ponte das Várzeas (próximo a S. Gregório); António Gonçalves de Olivença pelo Porto dos Cavaleiros; por Lindoso, Manuel de Souza de Abreu e pela Portela do Homem, Vasco de Azevedo Coutinho. Todas estas entradas se executaram em lugares muito distantes uns dos outros e toda esta gente não levava mais disposição que a do seu valor. Porém ignorar os perigos que buscava, a fazia mais resoluta, achando a fortuna favorável, que costuma pôr-se da parte dos temerários. D. Gastão passou à Insula, pouco distante da Guardia, para observar deste sítio o sucesso dos Vianenses, de que não resultou mais, que voltarem-se com dois barcos de pescadores. Irritou-se muito D. Gastão deste desconcerto, como se as disposições desta empresa não insinuaram o sucesso dela. Na Insula, mandou D. Gastão levantar um reduto, parecendo-lhe sítio acomodado e que necessitava de segurança. Os mais que entraram em Castela saquearam e queimaram algumas aldeias e trouxeram despojos, que os obrigou a se animarem a maiores empresas. Governava o Reino de Galiza, o Marquês de Val-Paraíso. As prevenções e disciplina daquela parte não excediam muitas muito as nossas e só havia diferença de se haverem nomeado oficiais, que entendiam a guerra, de que resultava terem os soldados melhor notícia dela.
Poucos dias depois de retirada a nossa gente, mandou o Marquês de Val-Paraíso 800 infantes à freguesia de Cristóval (Melgaço), que é na raia junto ao rio Várzea (rio Trancoso), e queimaram algumas aldeias, sem perdoar o insulto ao sagrado das igrejas. Passaram à freguesia de Paços que segue a Cristóval. Acudiu D. João de Sousa e Francisco de Gouveia, o que havia passado o rio a nado, e trazendo consigo só 70 homens, ocuparam a passagem do rio e obrigaram os galegos a que se retirassem perdendo 40 homens. Estas entradas, que pareciam mais de bandoleiros que de soldados, se alternavam de uma e outra parte com pouca vantagem nos sucessos. Com a notícia da entrada que os galegos fizeram, tornou D. Gastão a convocar a gente, tornou D. Gastão a convocar a gente que havia dividido, e deu ordem ao Sargento Mor Simão Pita que entrasse na Galiza, pela Ponte das Várzeas, e Manuel de Souza de Abreu pelo Porto dos Cavaleiros. Simão Pita teve notícia que o inimigo engrossava por aquela parte o poder, e susteve a entrada. Manual de Souza passou o Porto dos Cavaleiros com três mil infantes e 40 cavalos e sabendo que o inimigo ocupava o lugar do Facho (Cristóval), por onde forçosamente havia de passar, mandou avançar António Gonçalves de Olivença com 400 infantes a desalojar os galegos, que se achavam com 400 infantes e 150 cavalos. Investiu-os valorosamente António Gonçalves e obrigou-os a se retirarem.
Sem embargo desta desordem, marchou Manuel de Sousa para o lugar de Monte Redondo (Padrenda), grande, rico e fortificado, com duas companhias pagas e outras da ordenança que guarneceu. Chegando ao lugar, mandou avançar as trincheiras pelos Capitães D. Vasco Coutinho, Cristovão Mouzinho e Luíz de Brito, entraram valorosamente e queimaram o lugar à custa das vidas de muitos galegos. A pressa, e o exemplo da gente de António Gonçalves inculcou a desordem porque muitos dos portugueses, que sabiam as veredas, se retiraram para suas casas com os despojos que colheram. Os galegos que saíram do lugar ocuparam a aspereza de um monte, que era o caminho por onde Manuel de Sousa forçosamente havia de passar. Vendo ele que era necessário vencer esta dificuldade, deu ordem a que avançasse toda a gente a desocupar aqueles sítio e não havendo melhor disciplina que a da competência, disse que aquele que chegasse primeiro, lograria o aplauso daquela ocasião. O valor de todos dissimulou este desconcerto. Porque avançando intrépidos por todas as partes, obrigaram os galegos com morte de alguns a largarem o posto. Aos que se retiravam, se uniram outros, que dos lugares vizinhos acudiram ao rebate e chagando ao número de mil infantes e 200 cavalos, e se formaram num vale, mostrando que desejavam pelejar. Facilmente lograram intento, se Manuel de Sousa se não achara com menos duas partes da gente que havia levado à empresa. Retirou-se queimando de caminho algumas aldeias. D. Gastão não estimou tanto o bom sucesso, como sentiu a desordem dos que se retiraram e castigando os que tiveram culpa e dando prémios aos que procederam com acerto, foi pouco a pouco reduzindo a melhor forma a gente daquela província e ao mesmo passo que ensinava, aprendia. Porém aqueles a que sucede serem primeiro generais que soldados, dificilmente saem grandes mestres na escola militar.
Dois dias depois do sucesso referido, entrou o inimigo pelo Porto dos Cavaleiros com dois mil infantes e 300 cavalos e derrotou os Capitães António de Barros, que com duas companhias pagas, guardavam aquele porto. Vindo-se retirando os socorreu a Capitão Mathias Ozório, a que dava apoio o Sargento Mor Simão Pita. Fizeram alto os galegos com perda de alguns oficiais e os soldados voltaram sobre o concelho de Laboreiro, e o lugar de Alcobaça, que destruíram e queimaram. A nossa infantaria recolheu ao Convento de Fiães de frades de S. Bernardo que com esta guarnição ficou livre dos danos que os galegos determinavam fazer-lhe."
A guerra, essa, apenas acabara de começar...  (CONTINUA)

Extraído de: MENEZES, Luiz de (1751) – História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues; Lisboa.

sábado, 13 de agosto de 2016

Estórias do Mosteiro de Fiães contadas há 300 anos

Igreja do antigo Mosteiro de Fiães (Melgaço)
Num livro publicado há mais de 300 anos, encontramos algumas estórias curiosas acerca do Mosteiro de Fiães, nomeadamente a existência de um tanque para banhos cuja águas milagrosas conseguiriam curar muitas maleitas incuráveis. Ora leia: “No concelho de Valadares, de que hoje é Conde D. Miguel Luiz de Menezes, ficando-lhe ao Norte a vila de Melgaço e para nascente o Reino da Galiza e vizinho ao rio Minho, sobre uns levantados montes e encostados a outros mais eminentes se vê o antigo Augustiniano Mosteiro de Santa Maria de Fiães. Fundou-se este Mosteiro no tempo do rei D. Ramiro, o qual morreu no ano de 850, no primeiro de Fevereiro.  Se este convento o fundou o mesmo rei ou a sua mulher, a rainha D. Paterna, seria a sua fundação alguns anos antes, mas não consta com certeza. Foi este convento sem questão alguma, desde os seus princípios, da Ordem dos Eremitas do Padre Santo Agostinho. Depois correndo os tempos, arruinando-se este convento, sem dúvida porque os mouros o roubaram e assolaram. Reparado, depois, o dotaram com muitas rendas Afonso Paes e dois irmãos seus, que nele movidos por Deus se recolheram para ali servirem ao mesmo Senhor. Era o primeiro título deste convento S. Cristóvão de Fiães. E pelos anos de 1150, havia entrado em Portugal a Reformação da Ordem de Cister, da qual se haviam já levantado sete conventos, em que entrava o de S. Cristóvão de Lafões e o de Santa Maria de Bouro, ambos de Eremitas de Santo Agostinho, cujos filhos deixando o hábiro preto, vestiram a branca cogula de S. Bernardo no ano de 1159. Este de S. Cristóvão de Fiães levado também da fama da grande virtude e santidade dos novos filhos de S. Bernanrdo que haviam vindo de França (que foi a melhor coisa que de lá veio) se passaram à sua Ordem.
Com o exemplo, que é muito poderoso, dos Eremitas, assim os de S. Cristóvão de Lafões, aonde era prelado o nosso Santo Frei João Cerita, como o de Santa Maria de Bouro, mandou o Prior do Convento de Fiães, dois religiosos a pedir aos filhos de S. Bernardo a relação dos seus estatuto e modo de vida, e a dar obediência ao seu abade. É de crer que, ficando-lhe o Convento de Bouro tão vizinho, a eles recorreram e que dele se lhe mandaria algum religioso, para lhe praticar o modo da sua vida e Santa Reformação. E desde então até ao presente, ficou esta Casa de Fiães sujeita à Ordem de Cister.
 Tanto que os nossos Eremitas receberam a reforma Cisterciente, tomaram logo por sua padroeira a Virgem Maria Nossa Senhora, pela grande devoção que S. Bernardo lhe tinha, e deixando o antigo título de S. Cristóvão, se começou a denominar aquela Casa de Santa Maria de Fiães. E é de tradição antiga, que os mesmos eremitas, quando voltaram monges, levarão consigo a santíssima imagem da Senhora de Fiães, a qual era de pedra branca com algumas guarnições de ouro e tinha sobre o braço esquerdo ao Infante Jesus. A sua estatura era de quatro palmos, e que tanto que foi colocada na igreja daquele convento, começara logo a obrar muitas maravilhas nos que com viva fé imploravam o seu favor e interseção. Esta Santa Imagem já hoje não existe, que a devia acabar o tempo e foi muito grande a incúria daqueles monges, não a mandarem reparar, por que a cabeça e mãos, que eram encarnadas, não se podiam desfazer, e o corpo podia-se concertar com algum betume, ou de gesso ou pé de pedra com cera. Depois mandaram fazer outra imagem, que colocaram em seu lugar.
 Havia ali um banho, que por milagre de Nossa Senhora apareceu junto ao Mosteiro, cuja água era de tanta virtude (particularmente, dizem, no dia de S. João Batista) que todos os doentes de várias enfermidades e contrações incuráveis, que nele se iam banhar e voltavam sãos. Este tanque, ou banho se mandou entupir há já anos, por mortes, e feridos que havia entre os que haviam de entrar primeiro. Ainda hoje vão muitos a buscar aquela água que dela emana e a levam a enfermos, que bebendo-a com fé, obra Deus com ela pelos merecimentos de Sua Santíssima Mãe, muitas maravilhas e milagres.


Extraído de: SANTA MARIA, Frei Agostinho de (1712) – Santuário Mariano e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo IV; Oficinas de António Pedrozo Galram; Lisboa.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A lenda da Nossa Senhora da Natividade de Cubalhão (Melgaço)

Igreja Paroquial de Cubalhão (Melgaço)
Um livro publicado há 300 anos, conta-nos uma lenda que nos fala no misterioso aparecimento da imagem da Nossa Senhora da Natividade em Cubalhão, quando um menino pastor andava com o gado num pasto. Ora leia esta estória: “Uma légua distante para a parte do sul do Mosteiro de S. Salvador de Paderne, e quase duas léguas e meia da Praça de Melgaço, no termo de Valadares, e a algumas doze da cidade de Braga, se vê o Santuário e Casa de Nossa Senhora da Natividade de Cubalhão, nome do lugar, ou aldeia que deu também à Senhora o título. É esta Igreja Curata e Paróquia do mesmo lugar, cujos dízimos pertencem ao Convento de Paderne, que é dos Cónegos Regulares que guardam a regra de Santo Agostinho e é anexa ao seu Convento. Chama-se Paderne por memória da sua fundadora, a Condessa Dona Paterna.
 Neste Santuário de Cubalhão, que fica dentro do mesmo Couto de Paderne, se vê colocada no seu altar-mor, a milagrosa imagem de Nossa Senhora que é formada em pedra e de perfeitíssima escultura, mas para maior veneração a adornaram com vestidos. A sua estatura são quatro palmos. Antigamente, obrava muitos milagres e prodígios o omnipotente Senhor pela invocação por intercessão de sua Santíssima Mãe. Mas já hoje a devoção para com esta Senhora é muito fria, por se haverem suspendido de algum modo as suas maravilhas, de que seria, sem dúvida a causa, a ingratidão daqueles mesmos, por quem a Senhora as obrava.
Quanto à sua origem e princípios, são todos prodigiosos. É tradição constante, contínua e muito antiga naquela freguesia, que em tempos antigos, no lugar onde se vê edificada a sua igreja, eram campos e pastos dos gados de um lavrador do mesmo Couto de Paderne que, andando naqueles campos pastoreando o gado um seu filho pequeno, dissera este ao seu pai que lhe aparecera uma Senhora muito fermosa. Com esta notícia, foram ao mesmo lugar examinar o que o rapaz pastorinho referia e que nele acharam uma imagem de Nossa Senhora de pedra, com o Menino Deus encostado ao peito esquerdo e que a imagem da Senhora não tinha braços. E que no mesmo lugar se lhe edificara Casa. Bem poderá ser que a levaram daquele lugar para a igreja principal da paróquia e que a Senhora voltasse a repetir o primeiro lugar da sua manifestação e que teimando (digamos assim) em a levar, quebrando-se por desatento dos que procuravam a mudança, os braços. Com estes finais de que era vontade sua e venerada naquele lugar de Cubalhão, se lhe daria princípio à sua Casa. Alguns crêem que no tempo dos Godos, fugindo os Cristãos à fúria dos Mouros, para que estes não fizessem à Senhora alguma injúria ou irreverência, a esconderam ali em alguma lapa e que nesta diligência com o temor de poder cair a imagem das mãos dos que a traziam, por ser muito pesada, e então terá sucedido que a terão maltratado, quebrando-lhe os braços. Deste lugar onde estava oculta a tiraram os anjos e a terão posto em parte onde fosse vista, louvada e venerada por todos. Não faz dúvida que a manifestação seria prodigiosa e que logo a Senhora começaria a obrar muitas maravilhas e seriam naquele tempo muitos os prodígios e a sua Casa muito frequentada.
Pelos tempos adiante, indo visitar aquelas igrejas o Venerável Arcebispo de Braga Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, visitando a Ermida da Senhora, a erigiu em paróquia, compadecido do trabalho que tinham aqueles moradores em ir ouvir missa ao Mosteiro de Paderne. Porque com a manifestação da Senhora se havia povoado muito aquele lugar e sítio de Cubalhão. Também nomeou o mesmo arcebispo a Senhora Padroeira do lugar, com o título de Nossa Senhora da Natividade e mandou que aos 8 de Setembro se lhe fizesse a sua festividade, e neste dia é muito grande o concurso (a afluência de pessoas) .
Mandaram os devotos da Senhora, concertar-lhe muito bem aquela falta e por-lhe uns braços de madeira. Logo, começaram a compor com roupas e vestidos que nunca se lhes ajustaram bem, visto ter o Menino Jesus encostado ao peito. É advogada das mulheres que padecem de falta de leite para  haverem de criar os seus caros filhinhos, as quais a vão visitar ou lhe mandam alguma oferta, que será alguma bilha de leite pedindo-lhe que se compadeça dos inocentes filhos. Com esta diligência, logo têm leite em abundância para os criar. Esta devoção se estendeu tanto, que de muitos lugares de Castela e Galiza, vinham a implorar a favor de Nossa Senhora da Natividade de Cubalhão, e com tanta fé o fazem ainda hoje, que conseguem logo o que pretendem.”


Extraído de: SANTA MARIA, Frei Agostinho de (1712) – Santuário Mariano e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo IV; Oficinas de António Pedrozo Galram; Lisboa.