sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A história de um soldado de Chaviães nas trincheiras de França (1ª Grande Guerra)

Soldados portugueses nas trincheiras de França

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi provavelmente o mais duro conflito militar da História da humanidade, no que toca às condições de combate para os soldados. Em Agosto de 1914, começou o conflito que mudaria o mundo para sempre.
Em pouco tempo, Portugal prepara uma expedição para enviar para Angola e Moçambique com vista a defender estes territórios dos ataques frequentes dos alemães. Contudo, apenas a partir de Janeiro de 1917 é que o nosso país enviaria tropas para França na sequência da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, em resposta ao confisco de navios alemães por parte de Portugal. Em poucos meses, foi organizado o designado Corpo Expedicionário Português (CEP), tarefa coordenada pelo general Norton de Matos.
No contingente português que combateu em França, ficou célebre a chamada “Brigada do Minho”, 4ª Brigada de Infantaria do CEP. Esta brigada conquistou uma reputação de bravura na frente de batalha muito antes de lhe ser confiada, em Fevereiro de 1918, a defesa do sector de Fauquissart, em Laventie, na Flandres francesa, perto da fronteira com a Bélgica, onde ainda se encontrava nesse fatídico dia 9 de Abril de 1918, quando foi dizimada pelos alemães na batalha de La Lys.
Algumas dezenas de soldados que compunham esta Brigada do Minho eram melgacenses e que merecem a nossa mais sentida homenagem. Um deles era o soldado José Maria da Cunha, de Chaviães.
O José Maria nasceu no lugar da Portela, na dita freguesia de Chaviães em 11 de Março de 1893, pela quatro da manhã, conforme se pode ler no assento de batismo. Era filho de Aníbal dos Anjos da Cunha, lavrador, natural das Carvalhiças, e de Felizbella Cândida Alves, natural de Chaviães. Foi batizado em 19 de Março do mesmo ano na igreja paroquial da sua freguesia (figuras 1 e 2).
O José Maria casou com Zalminda Rosa Rodrigues, natural da freguesia da Vila de Melgaço, filha de pai incógnito e de Silvana Rodrigues, em 24 de Agosto de 1912.

                                                   (clique nas imagens para ampliar)
Fig.1 - Assento de batismo de José Maria da Cunha (pág. 1)

Fig. 2 - Assento de batismo de José Maria da Cunha (pág. 2)

Entretanto, no Verão de 1914, eclode a guerra. Inicialmente, pensou-se que seria um conflito breve que se resolveria antes da chegada do Inverno. Em vez disso, o conflito foi-se tornando cada vez mais global e sem fim à vista.  
Com as declarações de guerra  mútuas entre Alemanha e Portugal, em Março de 1916, a neutralidade portuguesa chega ao fim. É preparado o Corpo Expedicionário Português (C.E.P.) e os primeiros soldados portugueses partem para o norte de França em Janeiro de 1917. O soldado José Maria da Cunha é alistado no C.E.P. e integrado na 1.ª Companhia do Regimento de Infantaria n.º 3. Embarca em Lisboa e parte para a guerra em França a 15 de Abril de 1917, conforme se pode ler na sua Ficha Individual (Figuras 3 a 6), onde era portador da placa de identificação número 49 027.
Chegado ao teatro de guerra, sabemos que esteve hospitalizado desde o dia 21 de Abril e só receberia alta em 31 de Maio segundo informações que constam na sua Ficha Individual do soldado. Não se sabe se este período de internamento se deveu ao facto de ter ficado ferido ou então ter contraído alguma doença durante a viagem de barco onde as condições eram bastante precárias.
Sabe-se também que o José Maria foi ferido em combate no dia 23 de Setembro desse ano de 1917. Na sequência deste mesmo episódio, foi-lhe atribuído um louvor “pela coragem que mostrou na defesa do flanco direito do seu posto, não o abandonando, embora já ferido, senão por ordem do respetivo comandante depois do mesmo terminado”, tal como consta na Ficha Individual do soldado. Posteriormente, foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe, atribuição publicada em Decreto de 5 de Novembro de 1917, premiando a sua bravura.

(clique nas imagens para ampliar)
Fig. 3 - Ficha Individual do soldado José Maria da Cunha (pág. 1)

Fig. 4 - Ficha Individual do soldado José Maria da Cunha (pág. 2)

Fig. 5 - Ficha Individual do soldado José Maria da Cunha (pág. 3)

Fig. 6 - Ficha Individual do soldado José Maria da Cunha (pág. 4)
Em 22 de Novembro do mesmo ano, o soldado José Maria da Cunha de Chaviães encontrava-se na primeira linha de combate, onde viria a morrer. Na Ficha Individual do soldado, pode ler-se que “faleceu na 1ª linha, por ter sido ferido em combate, em 22 do mesmo mês (Novembro de 1917), sendo sepultado no cemitério de Le Touret, coval nº 100”.
Este cemitério militar, localizado em Pas de Calais, no norte de França, foi criado no final de 1914 para o exército Inglês. Seria utilizado pelos portugueses, reunindo aí cerca de 264 soldados portugueses sepultados. Contudo, posteriormente os restos mortais do soldado José Maria e dos outros combatentes portugueses aí enterrados foram  transladados para o Cemitério Militar Português de Richebourg (França) a cerca de 75 quilómetros a sudeste de Calais, perto da fronteira com a Bélgica.

Os restos  mortais do soldado José Maria repousam no dito cemitério militar, no Talhão A, Fila 13, Coval 3. (Foto 3)

Foto 2 - Entrada do Cemitério Militar Português de Richebourg l'Avoué


Foto 3 - Sepultura do soldado José Maria da Cunha, com o seu nome gravado na pedra
(Cemitério Militar Português de Richebourg l'Avoué, França)

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Visitando Castro Laboreiro há 130 anos (Parte II)

Ruínas do Castelo de Castro Laboreiro

Na viagem a terras de Castro Laboreiro contada por José Augusto Vieira no livro “O Minho Pitoresco”, há 130 anos, este sobe ao castelo e contempla os belíssimos pormenores deste cenário. O autor conta que “Chegados à base do gigantesco morro, o Almeida fez o esboço e nós enchemo-nos entretanto de coragem para fazer a ascensão dessa mole de granito, ameaçadora e bruta, que quase a prumo se erguia sobre as nossas cabeças.
Era pela chamada porta do Sapo, a do norte, mal distinta na nossa gravura, que teríamos de penetrar no castelo; para lá chegar porém, necessário era subir uns estreitíssimos degraus abertos na rocha viva, o que fizemos com a agilidade de que disporiam valentes animais trepadores, lutando ainda contra o frigidíssimo vento que nos açoitava,  ameaçando a cada momento desequilibrar-nos.
Chegados acima, uma sensação de terror nos gelou a medula. Entre nós e a porta, uma pequena rocha estreita, de poucos decímetros de largura, era a única passagem a transpor, e essa passagem dava sobre um abismo que media aproximadamente 500 metros de alto.
Bastava o escorregar dum pé, um ligeiro desequilíbrio, um nervosismo impertinente para nos fazer conhecer essa distância respeitosa, ao fim da qual a morte seria a consequência indubitável.
Retroceder seria, além de pouco praticável, uma verdadeira nódoa nos nossos brios de excursionistas! Avançámos, pois, e soltámos um  profundíssimo AH! de satisfação e alívio, quando transpozemos essa porta, que para nós representava a realização dum desejo e a certeza da salvação dum perigo tão próximo!
Os escritos, que temos lido sobre Castro, dizem que essa porta é estreita e fazem-a quase uma fresta que se torna necessário atravessar de rastos. Não é verdade isto. Um homem a pé passa por ela perfeitamente à vontade, e onde o rastejar é quase uma necessidade, é apenas na tal passagem a que nos referimos.
O castelo, que o povo atribui aos mouros, é evidentemente construção romana. Dentro encontram-se ainda vestígios de quartéis e há igualmente um poço, que os antigos dizem ter possuído agua nativa. Os muros atuais, arruinados bastante, são baixos e como que apenas coroam o castelo natural da penedia. Duas portas dão entrada para este recinto: a do norte por onde penetrámos, e a do sul, de acesso um pouco mais fácil, mas ainda assim perigoso.
O aspeto da paisagem é triste e árido. A penedia rendilha todas as montanhas e desponta por todas as encostas, tomando as formas mais variadas e mais caprichosas.
No inverno um lençol de neve cobre o seu dorso escuro e pardacento, no verão apenas destaca do desolado da rocha um ou outro talho de centeio verde-amarelado e os vidoeiros que se erguem no fundo do vale estreito, como sentinelas perdidas do grande exercito vegetal. Os carvalhos não passam de raquíticos arbustos e servem, assim como as
giestas, apenas para lenha. Nem uma única árvore de fruto, nem o mesmo pinheiro bravo se divisa num ponto único da serra. Apesar de ser verão, o céu era brumoso, com uma ou outra nódoa de azul esparsa na cúpula celeste. Renques de neblina corriam dos lados da Peneda, quebrando-se em vapor húmido contra as arestas das rochas e contra os muros do crasto. No fundo, o ribeiro Fraguedo serpenteia, como ondeante cobra, indo perder-se além, entre as serras de Lindoso, que deste ponto se avistam, para confluir no Lima. Foi sobre as margens deste regato que seguiu a pé D. Fr. Bartholomeu dos Martyres, quando visitou esta isolada freguesia da sua diocese.
A vol d'oiseau ficam-nos à esquerda as Inverneiras, escondidas numa profunda garganta, e à direita a vila de Castro Laboreiro, de lápis, penhasco, constituída pela aglomeração de choupanas cobertas de giestas e colmo, de entre as quais apenas a igreja e uma ou outra casa destacam os seus telhados negros e paredes esfumadas.
A igreja foi primitivamente vigararia da matriz de Ponte de Lima, depois abadia do bispo de Tuy, que João Fernandes Sotto Maior trocou em 1 308 com o nosso rei D. Dinis.
A vila tinha foral velho dado por Afonso III em Lisboa em 1271, e D. Manuel lhe deu outro em 1513, dando-lhe neste foral o nome de Castro Laboreiro.
Vários réis concederam aos castrejos muitos privilégios, que D. João V confirmou, e entre estes o de se não fazerem aqui soldados.
A fundação de Castro atribui-se a S. Rosendo, neto de Hermenegildo, a quem D. Affonso III doou estas terras de Lima, como prémio de ter vencido o conde Witiza, senhor destes lugares e que se revoltara contra ele. Hoje a vila está anexada à comarca e concelho de Melgaço e não haveria realmente fundamento para a considerar com os antigos privilégios, visto ser uma povoação decadente e miserável.
— Só por desgraça é que a gente vive aqui, meu senhor — dizia-me uma pobre mulher castreja, com quem conversávamos,— ainda se o governo nos fizesse a esmolinha de mandar para cá uma estrada!
A terra é fria e pouco fértil. As aguas duma deliciosa leveza e frígidas de neve. No inverno os castrejos, principalmente os de serra acima, abandonam as povoações do alto e recolhem às suas choças no fundo dos vales, as inverneiras, para as quais transportam o seu limitado trém de cozinha, os instrumentos do trabalho, as roupas e os gados. Chegada a Primavera deixam as suas casas de inverno e voltam para as do alto.
Nos fins de S. Miguel, os homens robustos e validos emigram para o Douro e Beiras, onde vão fazer paredes nos matos e campos. Chamam-lhes nessas províncias os tapisas ou tapúas. Ficam apenas as mulheres, os velhos e as crianças.
— Não há quem deite a mão a qualquer coisa, senhor.
— Se acontece de a neve entulhar as portas dos currais, mal nos avímos (havemos) para poder tirar o gadinho.
Qualquer homem que não siga o destino dos outros e que se deixe ficar na povoação, o que é raro, é considerado desprezado e as mulheres evitam-o sempre, não o atendendo as raparigas nos seus requestos, visto ser um calaceiro e não dar boas garantias de marido trabalhador.
No mês de Junho regressam aos seus lares e fazem os trabalhos agrícolas da colheita do centeio e batata, a apanha das lenhas e dos matos para as cortes dos gados, compram ou vendem nas feiras algum animal, concertam as choupanas, e, quando o inverno chega, depois de deixarem
feitas as sementeiras do centeio barrozo, emigram novamente. A cultura desta gramínea é feita roubando à serra pequenos canteiros de esteva por meio do incêndio; chamam a isto uma lavoura e é nesse rescaldo adubado pelas cinzas vegetais, que, depois de lavrado, se lança a semente. Nenhuma curiosidade oferecem os seus outros trabalhos agrícolas. Neles, como em quase todo o Minho, o auxilio mútuo é quase um princípio tradicional. Assim nas malhadas, por exemplo, os jornais não se pagam a dinheiro e são os vizinhos que reciprocamente se ajudam.”

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Para ler a PARTE I, CLIQUE AQUI

Extraído de: 
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da livraria de António Maria Pereira - Editor, Lisboa.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Visitando Castro Laboreiro há 130 anos (Parte I)

Castro Laboreiro (Melgaço), início do século XX

Há cerca de 130 anos, José Augusto Vieira, autor do livro "O Minho Pitoresco" percorreu alguns caminhos das terras de Melgaço. Subindo por Fiães e Alcobaça, foi conhecer Castro Laboreiro. Deixa-nos no livro as suas impressões e deixa-se impressionar com os usos e os costumes das gentes castrejas, deixando contudo transparecer algum choque com algumas particularidades. Ora leia: "Retrocendo pelo caminho andado eis-nos de novo junto de Alcobaça e desta vez em direcção seguida para Castro Laboreiro.
O rio Trancoso esgotou-se já e a raia seca principia, delimitada de distância em distância por uns marcos quadrilongos de granito. Que impressão fez em nós essa pedra humilde, colocada entre as estevas da serra, ao mesmo tempo espanhola e portuguesa!
A raia líquida parece ainda uma separação natural. A gente compreende a sua independência. O nosso pensamento como que vai formulando a frase: De cá nós! De lá vós!
Mas quando essa fronteira natural termina, e quando em plena serra se encontra apenas um ou outro marco colocado pela mão do homem, sem que a vegetação se diferencie, ou sem que a paisagem seja diversa, o espirito mal pode seguir essa linha ideal de separação, e como que desejaria que aquele curso de água, ainda há pouco tão humilde, tivesse continuado a acompanhar-nos para murmurar a cada passo, na voz ciciante da sua corrente, a palavra patriótica de Independência.
Além está Castro!— apontou-nos o guia— aquillo é o castelo!
Estávamos num alto. A vegetação luxuriosa do Minho era para nós um sonho já. Nem uma árvore de fruto, nem uma pequena mata de pinheiros. O cavallo era raquíitico, um metro apenas de altura, as urzes estendiam-se por toda a parte, onde as fragas lhe não impediam o desenvolvimento.
Penedos caprichosos, aglomerações graníticas de formas fantásticas à direita e à esquerda, em frente de nós e pela rectaguarda. Uma verdadeira garganta de granito. E lá ao fundo, como um vulto sombrio, o castelo de Castro, eriçado nas suas arestas agudas.
A paisagem melancólica, o céu brumoso, a pedra aflorando por toda a parte, um ou outro boisinho barrozão equilibrando-se por entre as
estevas! Nem o gorgeio duma ave, nem o cântico panteísta da água corrente.
Atravessamos a Portelinha, cujas casas são já como as de Castro cobertas pelo colmo e giesta e depois, num piso mais regular, em dois ou três quilómetros de vale, serpenteado por um riacho, em cuja margem apenas os vidoeiros vegetam, alcançamos as primeiras casas de CASTRO LABOREIRO, da vila, como nos indicou orgulhosamente o primeiro castrejo que encontrámos.
A nossa casa de refugio foi o posto fiscal. Graças à obsequiosidade desses humildes funcionários, ali desterrados, conseguimos alojar os animais e relacionarmo-nos com aquela pobre gente semi-selvagem e desconfiada, que nos olhava como a personagens raros e curiosos, e que se perguntava uma á outra— o que iríamos nós ali fazer — como se gente civilizada não visitara a sua terra, senão para atentar contra alguma imunidade local.
 O tempo urgia e enquanto João d'Almeida, o desenhador destas páginas, se curvava sobre o seu álbum para apanhar um grupo de crianças e duas ou três raparigas que se prestaram a poser rodeado pelos mirones que afluíam em volta do seu banco de trabalho e dos seus lápis coloridos, eu estudava o interior duma daquelas cubatas, onde o fumo quase me asfixiou a princípio e conversava com uma pobre mulher doente, coberta com o seu manto de burel, sentada ao lar, onde se aconchegava com fortes calafrios de febre.
Nada mais sórdido que um desses interiores de Castro e nada mais humilde também! Num ângulo da parede, quase sempre uma rocha viva, forma-se o leito, o mais económica e singelamente que é possível; dois barrotes de madeira unidos entre si em ângulo recto, formam com as paredes um quadrilátero, sobre que ele assenta. A um desses barrotes está apenso um banco, ao outro um quadrado que serve de guarda-roupa, formando tudo como que uma só peça inteiriça, de que a gravura dá uma ideia bem clara.
Nesses leitos não havia lençóis! É um luxo de civilização, que o castrejo ainda não conhece. As mantas grosseiras de burel constituem as únicas roupas, com que se cobre! A um dos lados, numa cova aberta na terra, está o lar, à volta do qual ficam os escabelos, em que a família se senta para conversar ou comer. Como os tectos são de colmo ou giesta e não há tiragem por meio de chaminés, usam, para evitar os incêndios, alguns ramos interpostos entre o fogo e o tecto, que recebem as primeiras faíscas de lume, onde ordinariamente se convertem em fuligem, e que rapidamente são retirados, se acontece de incendiarem-se.
Anexo a este interior, o que há de mais sórdido, de mais negro pelo fumo, e de mais anti-higiénico, ficam as cortes para os gados. A castreja, com quem conversávamos, assim como todas as que se relacionaram connosco, era de trato afável e simples, modesta e com uma fisionomia expressiva. Em todos encontrámos uma regularidade de traços, formando um conjunto agradável e simpático, repelente apenas pela porcaria, que era principio estabelecido e comum. O vestuário é grosseiro, burel oupicoto, segundo o termo local e tecido ali mesmo. As de Alcobaça são, como já vimos, as melhores tecedeiras, e nesta localidade usa-se por isso a roupa branca nas camas.
O nosso cromo dá uma ideia exacta do costume, cujas peças mais originaes são a monteia, espécie de lenço para a cabeça, o colete, o manteu largo deitado desde os hombros até aos joelhos, as piugas e os tamancos, que dão à castreja a pequenez do pé, como acontece na China com os borzeguins das altas damas. Chamam-lhe na linguagem local alabardeiros e deles dá uma ideia exata a nossa gravura de texto.
Perguntámos por industria local. Não havia senão a da cultura da terra nas proporções miseráveis que logo veremos.
— E manteiga não fabricam?
——Isso, sim senhor, mas só nas povoações do alto.
——Boa?
— Bonita e fresca, como olho de galo— respondeu-me em imagem  pitoresca e viva.
— E o pão, como fabricam vocês o pão?
— É com centeio e algum milho. As mulheres amassam em casa, fazem as bolas e levam-nas depois para casa do padeiro.
Pedimos para ver uma. Eram de forma mamilar, e grosseiro o seu fabrico. Depois de amassadas, colocam-as numa tábua e conduzem-as à cabeça para a casa do forno, que é comum à povoação, concorrendo todos para o seu concerto, quando disso ele necessita.
Além destas broas, fazem ainda no rescaldo do lar uns bolos, que servem enquanto não chega o pão do forno. Almeida tirara já os seus croquis e eu desejava mais tempo para os meus. Precisávamos, porém, dum esboceto do castello e roía-nos o desejo de visitar essa velha ruína da civilização romana, que tínhamos a uns 500 metros da povoação. A tarde avançava e o nosso estômago principiava a revelar umas certas impaciências pelo abandono a que o votávamos.
O grito geral era, porém, -Ao castelo! - e força foi que por esta vez o estômago condescendesse…"


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Extraído de: 
VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da livraria de António Maria Pereira - Editor, Lisboa.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Alvaredo (Melgaço, 1918) - Bomba destrói pesqueira

Rio Minho


A pesqueira Novas do Braço situa-se no rio Minho em Alvaredo (Melgaço). No início do século XX, pertencia a Manuel José Fernandes e outros. No dia 23 de Dezembro de 1917 foi alvo de um atentado com bomba de dinamite, acontecimento contado no Jornal de Melgaço, na edição de 5 de Janeiro de 1918. Leia a notícia:

Selvajaria
Alguém de sentimentos baixos e canalhas, cobarde de mais a mais, receando medir forças, frente a frente, com o respeitável cavalheiro de S. Martinho de Alvaredo, Sr. Manuel José Fernandes; que não podendo vingar-se na sua pessoa, o procura atingir pelas costas e feri-lo nas suas propriedades, no dia 21 de Dezembro findo, procurou destruir-lhe por meio de bombas de dinamite uma pesqueira Novas do Braço.
Felizmente, o criminoso não conseguiu atingir o seu fim pois além de cobarde é ignorante. 
Foi o que felizmente valeu aquele nosso respeitável amigo, porque a bomba colocada em largo buraco não encontrando resistência ao rebentar; e apenas abriu algumas fendas no peal das Novas do Braço.
Ataques destes, atentados assim dirigidos, provam apenas uma baixeza de sentimentos, verdadeiramente lastimável e exigem, por parte das autoridades, uma repressão séria e rápida. O caso, porém, foi entregue à Polícia Judiciária.”

Pesqueira Novas do Braço


Mais tarde, na edição de 5 de Outubro do mesmo ano, o jornal volta ao tema e atualiza a informação contando-nos que a pesqueira já se encontrava reconstruída:

“As «Novas», essas pesqueiras da costa de Alvaredo onde duas infâmias foram praticadas, uma a prisão de cinco homens que nelas trabalhavam havia por 3 dias, alcunhando-os de emigrantes e ao nosso amigo Fernandes denunciando-o como engajador; outra o bombardeamento a dinamite praticado nas mesmas a 23 de Dezembro último, as Novas, repetimos, já se encontram devidamente reconstruídas.
Ao nosso amigo Fernandes aconselhamos que em ocasiões das cheias do nosso Minho, mande lá postar duas sentinelas, munidas cada uma com um canhão de 42, ordenando que ao estampido do novo dinamite lançado pelos infames, façam ecoar os canhões, soltando as suas granadas.”


Enfim, estórias de Melgaço noutro tempo…