sexta-feira, 26 de maio de 2017

O Mosteiro de S. Paio (Melgaço) terá existido mesmo?


Há  muito tempo que nos habituamos a ouvir falar de um mosteiro que terá existido em S. Paio em tempos anteriores à própria independência da nação portuguesa. Fala-se que já estaria em decadência no século XI mas… Será que realmente terá existido mesmo?
No seu artigo “Paderne Militar”, o investigador José Domingues coloca sérias dúvidas ao facto de ter existido alguma vez um mosteiro em S. Paio. No texto, o autor escreve que “As raízes inveteradas do mosteiro de Paderne afundam-se em eras perdidas na cronologia do tempo e, desde sempre, que o espaço territorial do seu couto ocupou uma posição privilegiada na vetusta terra de Valadares. Das suas obscuras origens se ocupou, particularmente, o infatigável Padre Bernardo Pintor, que coligiu uma referência documental para o século XI (1071) e quatro para o século XII (1118, 1125, 1141 e 1156).  Apesar de estar fora dos propósitos deste trabalho sacudir o pó aos primórdios do mosteiro de Paderne, aqui fica citado outro documento do século XI (1043), que recua quase trinta anos a sua existência documentada, passando a ser a sua mais vetusta referência escrita. Em definitivo, são estes os parcos subsídios documentais, anteriores ao século XIII, com que hoje podemos contar para perscrutar as origens deste cenóbio.
Ao certo, a partir dos limites territoriais aí consignados, pode-se outorgar, sem hesitação, o documento do ano de 1141 ao que chegou a nós do actual mosteiro de S. Salvador de Paderne, extinto por breve de Clemente XIV, de 4 Julho de 1770. Mas a laconicidade das outras menções não autoriza tanta certeza, dando ensejo a sérias dúvidas e alentadas incertezas na identificação das instituições religiosas em causa. Perante esta penúria e, ainda por cima, alguma incongruência documental, ao Padre Bernardo Pintor não sobrou outra alternativa senão o enveredar pelo trilho ingrato das plausibilidades, optando pela solução dos dois oragos. Ou seja, para este emérito investigador a existência de dois oragos diferentes (que originaram duas freguesias diferentes) implicaria, consequentemente, a existência de dois mosteiros distintos – o de S. Paio e o de S. Salvador de Paderne. Conjecturando o aparecimento deste último rentes ao diploma de couto de 1141, condiciona a conversão imediata do outro a igreja paroquial – actual igreja de S. Paio de Paderne. Ao mesmo tempo, sem qualquer argumento, refuta a seguinte tese: “Pode haver quem julgue ser o mosteiro de S. Salvador de Paderne o mesmo que o antigo de S. Paio de Paderne, tendo havido transferência do mosteiro ou mudança do titular, mas tal não sucedeu. Eram dois mosteiros completamente distintos na mesma terra de Paderne, que coexistiram e a cujos territórios correspondem duas freguesias completamente independentes uma da outra através de todos os tempos.
Recapitulando, primeiro existia apenas o mosteiro de S. Paio de Paderne. No início do século XII, funda-se, muito próximo, o de S. Salvador de Paderne, acabando o primeiro por desaparecer, ainda nesse século (a última referência é de 1156), ao passar a igreja paroquial. Na opinião de  Amélia Aguiar Andrade, o mosteiro de S. Salvador de Paderne surge da astúcia de oposição de Afonso Henriques ao prelado tudense, “podendo dizer-se que S. Salvador de Paderne concorria com S. Paio de Paderne e Refojos de Lima com o mosteiro de Labruja”.
A teoria dos dois mosteiros arreigou-se, tornando-se voz comum, e enquanto se mantiver a esterilidade documental hodierna, o único trilho palmilhável continua a ser o das plausibilidades, por isso, também a ideia que proponho não passa de outra probabilidade e não, propriamente, contestação da antecedente. Para mim, o facto de uns documentos referirem a igreja e outros o mosteiro de S. Paio, não é totalmente acidental e permite, pelo menos, conjecturar a existência de duas instituições diferentes, dedicadas ao mesmo orago. Estou convicto que existia uma igreja – a de S. Paio de Paderne – e um único mosteiro, que, entretanto, mudou de orago. Ou seja, S. Paio de Paderne e S. Salvador de Paderne são um só e o mesmo mosteiro, havendo apenas uma mudança de orago (e não necessariamente alteração da localização), no decurso do século XII. Os argumentos patrocinadores da tese de um único mosteiro são, antes de mais, a falta de dados escritos categóricos para um convento de S. Paio de Paderne apartado são a excessiva proximidade para os dois mosteiros (menos de 1 quilómetro), a infirmação da origem recente do mosteiro de S. Salvador, a partir da fórmula de invocação patente na carta de doação do couto e a quase coincidência entre o advento de um e o desaparecimento do outro mosteiro. Por outro lado, se lermos com atenção os limites do couto, fixados em 1141 – “ deinde quomodo vadit pera aperta inter Sanctum Pelagium et monasterium” – a linha limítrofe passava entre [a igreja de] S. Paio e o mosteiro [de Paderne]. O documento parece-me expressivo ao referir apenas o mosteiro, se fossem dois mosteiros o documento deveria referir ambos ou, pelo menos, identificar um. Se o escriba se escusa de identificar o mosteiro, então é porque, em 1141, só existia um e S. Paio era igreja paroquial. Como explicar, então, que, em 1156, em documento leonês, venha referido o mosteiro de S. Paio de Paderne? Pode ser que o documento (confirmação de um convénio antecedente) se refira ao único mosteiro que existia em Paderne, com reminiscências do seu anterior orago – S. Paio. Para o âmbito desta pendência, seria inestimável apurar os padroeiros do mosteiro de Paderne, para o século XII. Não será surpresa, para mim, se um dia se concluir que esse apanágio pertencia ao bispo de Tui, confirmando assim que o documento de 1156 se refere ao único mosteiro de Paderne. Mas ao certo sabemos que em 1258, quando por aqui passaram os inquiridores de Afonso III, o rei não era padroeiro do mosteiro – “elRey non é padrom” – mas da igreja de S. Paio de Paderne registaram que “a quarta desta davandita ecclesia é regaenga”.
O registo das igrejas do bispado de Tui, no território de Entre Lima-e Minho, pode dar mais alguma consistência à minha ideia. Esse registo não está datado, mas pode ser recuado, pelo menos, até ao ano de 1238. Segundo esse registo, o padroádigo do “Monasterium de Paderni” pertence todo ao bispo de Tui, enquanto que “Sanctus Pelagius de Padirni est quarta regis”, sobrando as outras três partes. Estes registos parecem estar de acordo com o documento de 1118, que refere o padroado de S. Paio dividido em quatro partes, transmitindo-se uma dessas partes para o bispo de Tui, e com o de 1156, que adjudica todo o ius patronatus do mosteiro de Paderne ao bispo de Tui. De qualquer forma, trata-se de um espaço temporal de cerca de um século para o qual ainda não temos qualquer referência documental. Por outro lado, a confirmação da doação do rei Teodomiro, por D. Teresa em 1125, também se não coaduna com esta dedução; e falta-nos saber como é que o bispo de Tui adquire a outra metade da igreja de S. Paio. Ou seja, à falta de outras informações documentais concretas, nomeadamente para o recuado século XII, parece que o padroado da igreja de S. Paio andava dividido em quatro partes, enquanto que o padroado do mosteiro pertence apenas ao episcopado de Tui. Por isso, estou convicto que existiu apenas um mosteiro em Paderne, que, por qualquer motivo, mudou de orago.


Extraído de:

- DOMINGUES, José (2006) – Paderne Militar. In: Boletim Cultural de Melgaço 5, pp. 79-122.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A nogueira de Paderne (Melgaço) que encantou o escritor Júlio Dantas


Na revista brasileira "Fon-Fon" (!), na sua edição de 2 de Janeiro de 1926, encontramos uma crónica da autoria do célebre escritor Júlio Dantas, que nos fala de uma antiga nogueira em Paderne que encantou o autor numa viagem que ele fez a Melgaço na época. A dita nogueira terá captado a atenção do escritor ao ponto de o mesmo ter escrito um texto acerca dela e da terra. A dita crónica mereceu um comentário de um escritor brasileiro que aqui partilho:
"Acabo de ler uma bela crónica de Júlio Dantas: “A nogueira de Paderne”. É uma página magnífica, cintilante, viva, onde se reflete, espontânea e naturalmente, a alma sentimental do insigne artista da frase, cheia de encantos que comovem, emocionalmente mesmo, bordada de tópicos interessantíssimos sobre as velhas coisas do velho Portugal.
Foi em Melgaço, lá entre as montanhas verdes e gazeadas de neve do Alto Minho, que ele a esboçou no pensamento, ou talvez a tivesse escrito sentado a uma mesa colonial, naqueles terraços sombrios do solar de Penso, numa dessas manhãs luminosas de Junho, em que os campos da pátria lusitana se revestem de gala, a atmosfera refulge e os pássaros cantam, para receber a parcela quente de vida que o sol espalha, doirando as messes e pulverizando de luz as terras, os céus, os horizontes…
A Maldonado d'Anha, o velho fidalgo minhoto, deve Júlio Dantas a excursão aos contrafortes das serras de Pernidelo e da Tenreira, e consequentemente, a Paderne, onde ele viu, com os olhos marejados de lágrimas, a nogueira centenária, isolada na horta dum convento em ruínas, que os frades crúzios habitaram no século XIII: a árvore venerável. “Árvore de um bosque sagrado, cujo tronco gigantesco, harmonioso, lnçado com a nobreza duma coluna, rebentava ao alto em braçadas fortes, atiradas em atitudes humanas de súplica e de imprecação…”
O que ele descreve, ante à magestade daquele símbolo verde, quando só, no páteo do casarão antigo das monjas de D. Paterna, admirando-lhe o perfil estranho e austero, ouvindo-lhe o sussurro macio das folhas, olhando penalizado o cortex carcomido dos anos, como rugas de face humana, invocando, quem sabe, a tradição santa dos bosques orientais – o que ele discorda, é, como diria Wilde, admiravelmente belo!
O cronista, através da ramagens venerandas da nogueira de Paderne, teve a visão do culto religioso dos seus ancestrais, imaginou o ritual pagão com que os crentes medievos celebravam a adoração às árvores sagradas, sentindo, também, ímpetos de orgulho da velha raça ao contemplar o tronco patriarcal, irmão dos que formaram as quilhas singradoras “dos mares nunca dantes navegados”. Único descendente, talvez daquelas galeras de asas brancas pandas ao vento, que, como albatrozes da Civilização, rumavam os horizontes desconhecidos, levando às Índias e à América o padrão glorioso da gente lusa.
No entanto, a nogeira de Paderne estava condenada a morrer! Não sugerisse Maldonado d’Anha a ideia daquela excursão ao antigo solar dos castro Menezes, onde ela vivia serenamente desafiando a implacabilidade dos séculos, sorvendo com os derradeiros alentes o humus da terra avoenga que lhe dava o viço à galhardia pujante – ninho murmuroso das avezinhas de Paderne – da velha nogueira, agora, restaria apenas alguns destroços que o machado devastador do homem deixaria como vestígios de sua selvagem destruição. Mas, antevendo o mal, a bolsa do fidalgo abriu-se generosa, comprando ao “mendigo de Goya” a árvore-suplice, livrando-a, portanto, da sentença bárbara, cuja ação ele glorificou com um amplexo, estreitando nos braços o tronco ruguento da grande nogueira – num “abraço pantheísta de dois velhos”, no qual Júlio Danta admirou “o perfeito símbolo da união milenar da árvore e do homem”.
Essa página brilhante do ilustre cronista imortalizou o gesto de Maldonado d’Anha, que prolongou a existência da relíquia de Paderne, cuja árvore continuará vivendo com os séculos ramalhando frondosa e bela como um espectro venerável do passado, recordando a vida conventual dos ascetas crúzios…"




Extraído de: Revista FON-FON, edição de 2 de Janeiro de 1926, Rio de Janeiro.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

O Tremor de Terra de 1761 em Melgaço e o temor a Deus


No ano de 1671, sentiu-se em Melgaço um tremor de terra que aterrorizou os da terra, não tanto pelos estragos, mas pela larga duração, oito longos minutos, segundo informação dos frades do convento no lugar das Carvalhiças, nas proximidades da vila de Melgaço. Estamos numa época em que as grandes catástrofes naturais como os tremores de terra eram visto como avisos ou castigos de Deus para as populações.
Desta forma se compreende que, apesar de o sismo não ser de grande intensidade nem ter provocado mortos, a população ficou aterrorizada. No Convento das Carvalhiças, os frades logo se puseram a fazer penitência e no fim cantaram um Te Deum em ação de graças por todos saírem ilesos daquela provação.
A Misericórdia, essa parece ter ficado indiferente perante tal terror, pois tarde acordou para resolver e ordenar uma procissão de penitência, acossando-a para tanto apenas o espírito de emulação e o receio da crítica.
É o que parece e isso o conta ela assim como abaixo vai transcrito, mas os mesários andaram nesta ocasião tão atabalhoadamente que até escreveram
“Aos 15 de Fevereiro de 1761,” quando já corria o mês de Abril, mas o registo continua:
“sendo proposto a fúnebre procissão de penitência dia 31 do mês passado de Março deste presente ano com o Tremor de Terra que por todo o universo se experimentou, e ficaram ilesos todos os povos deste contorno, por notícias certas se têm alcançadas que em todas as terras desta província se tem feito em demonstração de graças muitas penitências e procissões, e por não ser esta terras de muitas possibilidades, as outras de semelhantes possibilidades, acordaram que em memória do dito dia, se fizesse nesta igreja da Santa Casa (da Misericórdia) uma novena de preces continuadamente que principiaria no dia de Sábado, 18  do corrente mês (Abril), e findaria com uma fúnebre procissão de penitência com o Senhor dos Passos e a Senhora da Soledade e dedicada à mesma Senhora para livrar esta miserável terra, e iria à Senhora da Orada e na volta se faria sermão no Terreiro, e tudo pago desta Casa e para que conste mandaram fazer este acórdão…”

Informações extraídas de:

- ESTEVES, Augusto César (1957) – A Santa Casa da Misercórdia de Melgaço. Tipografia Melgacense, Melgaço.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Estórias da Senhora da Graça (Melgaço): Um fantasma, uma capela e um enforcado que não morreu


No livro "Santuário Mariano" publicado há cerca de 300 anos, o autor conta-nos uma história de um fantasma que apareceu ao abade de Roussas quando este vinha da vila de Melgaço no local onde se encontra esta capela. O abade ficou tão aterrorizado que prometeu construir uma capela caso Nossa Senhora o livrasse de tamanho aperto. E cumpriu...
Ora leia: "Em um eminente monte sobranceiro à Praça de Melgaço, na freguesia de Santa Marinha de Roussas, sítio, ainda que alto, é muito agradável e delicioso, não só pela variedade de horizontes. Dele se descobre muita parte do reino da Galiza, pela corrente do rio Minho acima e todas as terras do termo de Melgaço, Valadares, Monção e das mais que correm em frente do mesmo caudaloso Minho. Mas pela frescura dos arvoredos e pomares, se vê o santuário da Nossa Senhora da Graça.
Teve princípios este santuário no ano de 1594 e lhos deu um abade da mesma freguesia de Roussas a quem chamavam Tristão de Castro, obrigado de um voto que havia feito a Maria Santíssima, mãe de Divina Graça, em ação de agradecimento de um singular favor, que recebeu da sua piedosa clemência, no qual lhe prometeu de lhe erigir naquele sítio uma Casa, em que ela fosse perpetuamente louvada. E o grande perigo de que a Senhora o livrou, não foi só para ele favor, mas é benefício singular para todos aqueles povos, pois por este meio dispôs a Divian Providência, que tudo encaminha misericordiamente para bens dos homens, que tivessem tão grande Tutelar e Protetora. Foi o favor que a Senhora fez ao Abade o seguinte.
Vindo o Abade Tristão de Castro da Vila de Melgaço sendo já alta noite para sua casa, pela estrada, eu da mesma vila vai para a Igreja, em o mesmo lugar onde hoje se vê o Santuário da Senhora, o qual estava cercado de uma e outra parte de matas, arvoredos e bosques muito fechados. Neste sítio saiu-lhe ao encontro um fantasma de muito estranha grandeza, que não só o atemorizou muito, mas ao cavalo em que ia, o qual andava pelos ares à roda dando saltos. Vendo-se o Abade neste grande perigo, e em termos de perder a vida e de ser despedaçado, chamou por Nossa Senhora, de quem era muito devoto, pedindo-lhe que lhe valesse e o livrasse daquela grande aflição e evidente perigo em que se via. Porque ele Lhe prometia de lhe erigir naquele lugar uma Ermida em que perpetuamente fosse louvada. De repente, se desfez o fantasma e ficou tudo bem em sossego e o abade se recolheu a sua casa em paz porque a Senhora o sustentou para não cair em terra e se despenhar.
Obrigado de tão grande favor, o abade e da promessa que havia feito à Senhora, sem alguma demora, deu princípio à Ermida, que dedicou a Nossa Senhora da Graça sem dúvida pela grande que lhe havia feito de o livrar da morte que viu diante dos olhos. Também se denominou esta Senhora com o título da Carvalheira, dando-se-lhe o título do sítio em que se lhe edificou a Casa. Mas este título se extinguiu pelo decurso do tempo, preservando sempre o da Graça pela grande que o abade havia feito. É esta Santíssima Imagem de escultura de madeira, mas excelentemente obrada. A sua estatura são quatro palmos, é estofada e tem ao doce fruto do ventre encostado ao peito direito e pegando nele com tal graça com ambas as mãos, que causa grande devoção.
Não só edificou o abade a Ermida, mas para que sempre aquela Casa da Senhora tivesse renda com que se consertasse, lhe deixou aplicadas algumas fazendas e instituiu uma capela, para que o capelão dela fosse obrigado a dizer missa ao altar da Senhora em todos os dias das sua festividades, que se guardam naquele arcebispado. Desde os princípios que a Senhora foi colocada naquele santuário, começou a obrar infinitas maravilhas, como ainda ao presente obra, e assim são também muitas as romagens que se fazem à Senhora, não só pelos moradores da vila de Melgaço, mas de todas as freguesias do seu termo, principalmente em todos os domingos e dias santos do ano. E todos acedem aos poderes daquela grande Senhora, que como é Mãe amorosa, a todos ampara e favorece.

Muitos e notáveis são os prodígios que esta Senhora tem obrado a favor dos seus devotos quando em suas aflições e trabalhos se valem da sua clemência . Nas guerras passadas, que sucederam depois da feliz aclamação del Rei Dom João o Quarto de saudosa memória, entre este reino e o de Castela indo cinco soldados de valor a reconhecer o movimento do exército inimigo, que se achava na Campanha dos Arcos. Caindo estes nas mãos do inimigo, três deles foram prisioneiros, (porque escaparam os dois) e foram levados à vila de Pontevedra, onde foram sentenciados à forca e como um deles fosse natural da freguesia de Santa Marinha de Roussas a quem chamavam Gregório Vaz. Tendo particular devoção à Senhora da Graça, disse aos dois companheiros, que se oferecessem à Senhora, para que ela os livrasse da morte, ao que responderam que ali já não havia outro remédio que morrer. O terceiro, que era Gregório, se encomendou com mais fé à Senhora, crendo ser poderosa para o livrar da forca, fazendo-lhe votos de a servir toda a sua vida, se lha conservasse. Sendo enforcados os dois e mortos, seguia-se Gregório, a quem fizeram o mesmo. A este se lhe quebrou a corda uma primeira e em seguida uma segunda vez, dobrando-lha na última e nesta caiu em terra com a garganta toda ferida e julgado como os demais morto, vindo ao outro dia os Religiosos de S. Francisco para os enterrarem, acharam Gregório sentado e encostado em uma mão e com as contas na outra. A vista desta maravilha, que era digna de estimar por milagrosa, não teve o algoz compaixão dele. Antes lhe deu todo raivoso duas lançadas, uma pela teta esquerda e outra mais acima e ambas passaram às costas. Tal é o antigo ódio que os castelhanos têm aos portugueses que ainda à vista de um espetáculo tão digno de compaixão o não fizeram dissimular. Assim o levaram com os outros, como mortos e segunda vez o acharam com milagrosa vida. E se estendeu por todos ser obra milagrosa e favor muito particular de Deus e de sua Santíssima Mãe a quem Gregório se havia encomendado. Remeteram-no depois à Corunha, cabeça daquele Reino da Galiza, mas preso. E deram conta do sucesso à Majestade de Filipe IV, rei de Espanha, com a narração do sucedido. Ao que respondeu como Príncipe Católico (em quem não podia entrar o ódio daqueles vis e malévolos corações, que ainda tinham em prisões e perseguiam com mortal ódio ao português Gregório) mais pio e misericordioso que os seus vassalos, que o remetessem a Portugal. Porque a quem a Virgem Maria concedera a vida, não era bem que lha tirassem os homens. E enfim veio Gregório Vaz a portugal e foi cumprir os seu voto e viver junto à ermida da Senhora da Graça, tomando o sobrenome da mesma Senhora, o qual, até ao presente vive servindo a Senhora e se chama Gregório da senhora da Graça, pela que a Senhora lha fez de o livrar da morte e de lhe conservar a vida em tanta crueldade. Ainda hoje conserva os sinais e cicatrizes das feridas, afistuladas, para maior final de maravilha. Tudo isto consta de papeis autênticos, que se conservam na Secretaria das Mercês e de um alvará assinado pela mão real, em que El-Rei lhe mandou dar um tostão cada dia para seu sustento. Da Senhora da Graça de Roussas escreve o Abade Brás de Andrade da Gama."


Extraído de:
Extraído de: SANTA MARIA, Frei Agostinho de (1712) – Santuário Mariano e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo IV; Oficinas de António Pedrozo Galram; Lisboa.