sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A Lenda da Inês Negra contada num jornal brasileiro (1927)


A Inês Negra é a heroína lendária da nossa terra, Melgaço. Não se conhece quase nada acerca desta personagem. Sabe-se que durante o cerco a Melgaço em 1388, houve um confronto entre duas mulheres. Isso é descrito nas Crónica do Rei D. João I de Fernão Lopes ou de Duarte Nunes de Leão que referem mais ou menos o mesmo. Na do segundo autor, podemos ler que “Nesse dia, houve uma escaramuça mais para ver que as até ali eram passadas. Porque duas mulheres bravas, uma do arraial e outra da vila se desafiaram e vieram aos cabelos e por fim venceu a do arraial, como mais costumada a andar na guerra”. Em termos de relatos históricos, são as únicas citações que existem. Nem o nome das mulheres é referido…
Não sabemos ao certo como é que foi construída a narrativa da lenda nem a origem do nome "Inês Negra". As descrições mais antigas documentadas da mais popular lenda melgacense datam da segunda metade do século XIX (conferir em Portugal Antigo e Moderno do professor Pinho Leal) e desde então já lemos a lenda contada de diferentes maneiras e com mais ou menos pormenores.
Uma dessas versões da lenda pode ser lida num texto de Júlio Dantas, publicado num jornal brasileiro (Correio da Manhã), na sua edição de 18 de Outubro de 1927:  

“IGNEZ NEGRA

As mulheres também tem o seu lugar no friso da História guerreira de Portugal. Folheando as páginas das crónicas encontram-se, com frequência, mulheres que se bateram, que realizaram atos heróicos em defesa da Pátria, que estimularam, com ânimo varonil, a coragem dos combatentes, que sacrificaram, pela honra e pela independência, da terra que lhes foi berço, o que tinham de mais caro para o seu coração: o seus filhos. (…)
Mas os mais rico de todos os nossos ciclos guerreiros em figuras femeninas é, sem dúvida, o de D. João I. Deu-la-Deu Martins notabilizou-se na defesa de Monção; Brites de Almeida faz lampejar a pá do seu forno ao sol de Aljubarrota; Maria de Sousa, atravessando o peito de um castelhano, defende a vida do próprio rei; Inês Negra - um dos mais interessantes da História das campanhas do Mestre de Aviz - que eu venho constr-lhes hoje. Vale a pena. Porque em toda a vasta tapeçaria das batalhas que é vida de D. João I, não há talvz nenhum caso tão pitoresco como este.
 Todas as praças da fronteiras norte de Portugal se haviam já entregado aos portugueses. Viana fora liberta pelo povo, conduzido pela bravura do escudeiro Frisos. Ponte de Lima, resgatada pelos habitantes, cujos bustos o Mestre de Aviz mandou colocar no lintel de granito das portal.Monção, Vila Nova de Cerveira, Caminha tinham-nos caído nas mãos. Faltava apenas Melgaço, que levantava ainda a voz por Castela,e cujo alcaíde-mor, o castelhano Álvaro Paez Sottomayor,com trezentos homens de armas e outros tantos a pé, mantinha na pequena vila minhota m perigoso foco de resistência
D. João I, que havia pouco desposara a loura princesa de Lencastre, trouxe-a até Monção. Mandou-a depois para o convento de Fiães, com as suas donas e o chanceler João das Regras e foi assim em pessoa, por cerco ao castelo de Melgaço.
Estavamos em Janeiro de 1388. Recortando-se no céu nevoento dos invernos do Minho, a vila rebelde erguia, numa ligeira ondulação de terreno, os seus cubelos baixos, os panos babados de mugre das suas quadrelas, e a sua esbelta torre albarrã fenestrada de ajimezes e coroada de ballhesteiras. Durante dez dias, o pequeno exército do Mestre de Aviz foi apertando o cerco e construindo as obras de engenharia - a já complicada engenharia medieval dos assédios - necessárias para facilitar a entrada na praça. Enquanto os carpinteiros levantavam a grande bastida, alta torre de madeira montada sobre carros enormes, cheia de escadas e de bailéus, que, na hora do assalto, havia de caminhar até à muralhas, puxada por muitas juntas de bois, - os homens de armas, coruscantes de lanças e de bacinetes ponteagudos, vinham junto da barbacã escaramuçar. No arraial português, em volta de fogueiras, as mulheres dos arredores bailavam com os soldados, ao som de gaitas e de adufes.
Ora, entre as mulheres atraídas pela presença do rei e do exército (algumas houve, sobretudo castrejas, que, com os seus cães e os seus capeiretes negros, desceram da serra para o ver) tornara-se notada uma, a quem chamavam Inês Negra, vinte anos robustos, pequena de corpo, roliça de braços, pele trigueira acobreada do sol, olhos negros e pestanudos, que tinha, mesmo entre os homens, fama de atrevida e de valente e que segurava pelos chavelhos uma vaca barrosã - era boieira, ali perto em Valadares -  com a mesma graça com que se meneava e desnalgava dançando ao som do pandeiro. Todos gostavam dela, o próprio rei, amigo do povo, falava-lhe paternalmente, quando a via. Chegou a correr na vila que Inês Negra, vestida de armas como um homem, acompanharia as hostes de D. João I no assalto à praça. Quando a notícia foi conhecida da parte do povo de melgaço que pactuava com os castelhanos, uma mulher, também portuguesa e também decidida que, com outras da vila, acarretava pedras para as obras de defesa ordenadas pelo alcaide-mor, remangou-se irada, fincou os punhos na cinta e, com os olhos chispando lume, gritou que era mulher para outra mulher. Que para três como a Inês Negra, bastava ela: Que se o alcaíde-mor a deixasse, mandaria desafia-la para combate singular fora das barbacans e que havia de ver-se então quem vivia ali, se Castel, se Portugal. Não deixaram as crónicas o nome dessa heroína. Sabe-se apenas que lhe chamavam a Renegada e que, sendo moça espadaúda e alta, de pé miúdo a dançar nas socas e cabelos fulvos mal cobertos pelo manto de estamenha.
A alcaíde-mor, Álvaro Paes, consentiu no desafio. Inês Negra ao uivos e aos pinchos de alegria, aceitou-o logo. E, sem demora, os de um e outro campo assentaram que o combate se realizaria no dia seguinte, a meia distância entre o arraial e o castelo, saindo as duas mulheres armadas, como escudeiros, de cotas de malha de ferro de Milão, com sua espada e broquel, abrindo-se uma trégua entre sitiante e sitiados para que todos pudessem assitir ao imprevisto espetáculo.
A manhã despontou radioda. Havia muitos dias que as nuvens, mais dessas para as bandas da serra de S. Fins, não deixavam ver um tão belo sol de inverno. A torre de menagem de Melgaço, que se erguia, dourada, na claridade fresca da manhã. Todos os adarves das muralhas e dos cubelos, as próprias barbacans do lado norte, estava tudo coalhado de gente. Povo, homens de armas, besteiros cujos cascos de guerra cintilavam, mulheres com carpeiretes e manteus de cores vivas, assomando, espeitorando-se, risonhas, em ar de festa. Do lado do arraial, o mulherio dos arredores, os homens de armas da hoste, os cavaleiros das Ordens, os besteiros ingleses com os seus jaques e as suas brigandinas bordadas de licornes de ouro, o próprio rei, trigueiro, os braços cruzados, as guedelhas ao vento, esperavam, num vozear confuso, a hora do desafio. Finalmente, ouviu-se o sino da torre albarrã, e as duas mulheres, uma saindo da porta oeste do castelo, outra destacando-se da multidão do arraial, marchavam a pé, com os seus “segundos” - dois cavaleiros velhos sem armas - a caminha da pequena clareira, roçada no mato da charneca, em que devia realizar-se o encontro. De ambos os lados, soararm as trmbetas, como para um torneio real. Os gritos, as aclamações - por Portugal, por Castela! - atroavam os ares. Desfraldaram-se flamulas, bandeiras, pendões, gonfalões de cores nas lanças lampejantes. Duma parte e de outra, todas as atenções convergiram para as duas mulheres que avançavam sorrindo, firmes, vestidas de cotas e loudéis, mas sem manoplas e sem camalhas, as mãos nuas, a cara descoberta, a cabeça apenas defendida por um leve capelo de ferro. Inês Negra meã e forte, trazia no loudel a cruz vermelha de S. Jorge. A Renegada, alta, esbelta, figura de escudeiro mancebo, com os cabelos fulvos escorrendo do casco de ferro ponteagudo, vestia uma sobre-cota, com o falcão de prata de Castela em campo verde. Chagadas ao campo, embraçaram os escudos, receberam os estoques. As trmbetas, dum lado e de outro clangoraram. Ia começar o combate. Quem venceria, - Castela ou Portugal?
Uma das mentiras cenvencionais espalhadas pelo mundo é a da doçura e da fraqueza das mulheres. A mulher, quando luta, é vinte vezes mais agressiva, mais impetuosa e mais cruel do que o homem. A sua aparente graça tímida esconde um poder de combatividade que devia ter sido aproveitado nas guerras modernas. Prova-o - entre tantos outros este divertido episódio do duelo de Melgaço. A primeira a tirar-se, com vigor e com ímpeto, foi a Renegada. Mais alta  do que a outra, dominando-a pela estatura, descarregada golpes sobre golpes, que Inês Negra, ágil, a dançar-lhe na frente, aparava no largo escudo de couro de boi abrochado de cobre. Nenhuma delas conhecia o manejo de armas, atacavam-se e defendiam-se por instinto, com a fereza de duas lobas. Era tal a violência com que a Renegada fuzilava cutiladas sobre a inimiga, que o capelo de ferro voou-lhe da cabeça, e a espada das mãos. Todos suposeram que Inês Negra, vendo desarmada a outra, faria sobre ela a justiça dos vencedores. Mas não. Generosa, lançou fora a espada de que mal sabia servir-se, aeemessou por desprezo o escudo aos pés da adversária, e, rápida, como um podengo que aferra um porco bravo, atirou-se dum salto para ela, aos socos, às dentadas, às unhadas, aos pontapés. Dali a pouco, rolavam as duas abraçadas na arena, qual de baixo qual de cima, resfolegando, uivando, travando-se dos cabelos, ensanguentando-se, cuspindo-se.
À medida que a Renegada fraquejava, a outra parecia crescer em força. Subjugada um momento, dominava logo a inimiga, ferrava-lha os joelhos na arca do peito, varejava-a de punhadas, como quem amssa pão. No arraial, levantava-se um alarido de entusiamo. Mãos crispadas erguiam-se no ar, agitando bandeiras, incitando a Negra quase vencedora. Ainda, por instante, a Renegada, cobrando alento, pôde colher-se d epé, mas sofrendo de novo o embate da outra, vacilou, cambaleou, rodopiou, e mortalmente pálida, a grenha ruiva empapada de sangue, golfando sangue das narinas, caiu como um farrapo, os braços estendidos, de borco na terra. Tinha vencido Portugal. Como um só homem, todo o arraial português, em gritos bárbaros, se ergueu a aclamar a vencedora. As trombetas estrugiram os ares. Batiam, em festa, pandeiros e adufes. Até os besteiros ingleses, sapateando com os seus grossos borzequins de ferro, dançavam de contentamento. Enquanto a vencida, transportada em braços para o castelo, acordava do seu desmaio, - Inês Negra, os olhos brilhantes, os cabelos ao vento, as mãos tintas de sangue, era levada em triumfo para o arraial, sentada sobre os seu próprio escudo, aos ombros de quatro besteiros, e gritava para o rei, que viera recebê-la, á frente de todo o povo:
- A eles, senhor rei, que o castelo é de vossa mercê amanhã!
Com efeito, no dia seguinte, depois de um simulacro de assalto, o castelo de Melgaço entregava-se, sem resistência, aos portugueses”.



Texto de Júlio Dantas, publicado no jornal brasileiro “Correio da Manhã” de 28 de Agosto de 1927.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Os anos de ouro das Águas de Melgaço em artigos publicitários



Vamos recuar ao tempo em que as Águas de Melgaço eram procuradas por gente dos quatro cantos do país. Eram várias as indicações mas eram sobretudo publicitadas como sendo eficazes no tratamento da diabetes. Não havia em Portugal, mais nenhuma nascente termal com estas caraterísticas. Pelas suas termas e paisagens, Melgaço era falado em todo o Portugal e no estrangeiro. 
Venha conhecer melhor as Águas de Melgaço nesse tempo pelos anúncios publicitados de época, produzidos entre o início do século XX e a década de 80 do século passado...































































sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A fundação da Confraria da Misericórdia de Melgaço - 500 anos de História


Neste ano de 2017, a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço celebra cinco séculos de existência. Esta secular instituição regeu-se nos seus primórdios pelo Compromisso impresso em 1516, cujo alvará de confirmação foi redigido a 12 de Julho de 1517. Isto faz da Misericórdia de Melgaço, uma das mais antigas de todo o país, conservando ainda hoje esse primitivo documento estatutário, um verdadeiro  e raro tesouro histórico.
As origens da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço tem que ser estudadas no contexto da sequência do surgimento da SCM de Lisboa. A fundação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa remonta a 1498, obra da rainha D. Leonor, viúva do rei D. João II.
Terá sido em 1500 que, muito provavelmente, se terá redigido o primeiro compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Tratava-se de um documento manuscrito que terá desaparecido durante o Sismo de 1755.
A Misericórdia lisboeta conserva ainda hoje no seu cartório um exemplar do Compromisso de 1502, feito em pergaminho, da autoria de Gomes Peixoto. Continua, contudo, por esclarecer se se trata de uma cópia do anterior ou de uma nova ordenação da lei.
Se a fundação da SCM de Lisboa é obra inegável da rainha Leonor, a expansão das Misericórdias para todo o país tem de ser atribuída ao rei D. Manuel I que incentivou o surgimento de Confrarias da Misericórdia um pouco por todo o país com o claro objetivo de replicar um pouco por todo o reino a experiência e forma de atuação da instituição lisboeta no que toca à assistência aos mais necessitados.
Este movimento de criação foi estimulado através de cartas enviadas pelo rei às vereações locais ou então pelo envio de emissários. A atestar este impulso, podemos citar uma carta do monarca dirigida à Câmara do Porto em 14 de Março de 1499, da qual se trancreve este trecho: “…e porque as obras de Misericórdia que pelos officiaes d’esta confraria cada dia se fazem, redundada em muito louvor de Deus de que nós tomamos muito contentamento, por se em nossos dias fazer, folgamos muito, que em todas as cidades, villas, logares principaes do nosso reino se fizesse a dita confraria, na forma e maneira que no dito regimento se contem”.
É preciso compreender que o contexto no qual este esforço fundacional de misericórdias se deu é o de um reino que dava os seus primeiros passos no caminho da construção de um Estado territorial centralizado e que, naturalmente, estava ainda longe de possuir uma rede burocrático-institucional homogénea que lhe permitisse dominar e submeter o espaço e os múltiplos poderes que nele se exerciam (PAIVA, et al, 2002).
Desta forma, surge o primeiro compromisso impresso e publicado pela Misericórdia de Lisboa, que data de 1516, que retoma, segundo alguns autores, de forma mais ordenada e elaborada, o conteúdo  do compromisso original manuscrito. Foi redigido por André Pires e aprovado pelo rei D. Manuel I, em 15 de Novembro de 1516. A sua impressão foi confiada pelo rei a dois tipógrafos de renome, Valentim Fernandes e Harman de Campos. O resultado deste trabalho é considerado atualmente como uma rariadade documental, um verdadeiro tesouro da História. Foi impresso um número desconhecido mas limitado de réplicas do qual faz parte este peimeiro Compromisso da Confraria da Misericórdia de Melgaço.
Convém contudo alertar o leitor que são conhecidas duas edições do Compromisso da Misericórdia, ambas com data de 20 de Dezembro de 1516. Segundo ANNINGER, A. (1983), prontamente secundada por LEÃO, F. (1995), esta mostra, sem margem para dúvidas, que uma dessas edições (a que ostenta na portada uma cercadura com elementos fitomórficos e zoomórficos), repetindo embora o texto da primeira – inclusive no respectivo colofone –, é uma edição contrafeita da impressão original. Na versão autêntica, “a decoração da cercadura do rosto é constituída por elementos malacolóficos (conchas) em céu estrelado sobre fundo negativo” (http://microsite.scml.pt/).
As caraterísticas do primeiro Compromisso da Confraria da Misericórdia de Melgaço não oferecem dúvidas. A decoração da capa, caraterísticas e conteúdo da impressão correspondem inteiramente à versão original.
O exemplar que existe no Arquivo da SCM de Melgaço é, como se disse, parte de um restrito número de exemplares que chegaram ao nosso tempo em bom estado de conservação. Segundo, CUNHA, A. (1925), da edição original de 1516, existiriam à época apenas dez preciosos exemplares, não indicando a quem pertenciam bem como a sua localização. Na verdade, atualmente, existem onze exemplares conhecidos, sendo que dez desses compromissos se encontram em Portugal e um outro se encontra na Biblioteca da Universidade de Harvard (Estados Unidos da América).
No espaço das últimas páginas deste Compromisso da Misericórdia de Melgaço, surge um pormenor muito valioso que é o alvará de confirmação dos estatutos lavrado no dia 12 de Julho de 1517, pelo punho de Luíz Fernandes, escrivão da Misericórdia lisboeta, que aqui mostramos:
Apoiando-nos em ESTEVES, A. (1957), neste alvará de confirmação, pode ler-se:
“O provedor e ofecyaes da Santa Cofraria da Mysycordea desta mui nobre e semprre leall çydade de Lixboa fazemos saber a quatos este copmysso vyre q esta santa cofrarya se rege e adminystra pello copmyso atras espto e per elle concedemos pvylegeos aos maposteiros que (…1) com ho trelado do pvylegeo q el rey nosso sor pa ella daa e sse lhe guardaão p into segdo forma do dio copmyso. E el Rey nosso sor ho ha asy pa serviço de Ds e seu e favorece e todo a dita cofraria e copmyso. E ora Po Nogra proveador da cofraria da mysycordea da villa de Barcellos e seu nome e dos ofecyaaes da dita cofraria nos pedyo q lhe mandassemos dar ho trelado do dto copmyso autorysado pa p’ elle se rregerem e menystrarem a dta cofraria. E visto p nos sseu dezer e pedyr ser sservyço de Ds lhe madamos dar ho trelado do dto copmyso impmydo do propreo modo e manra  q he ho nosso p honde nos regemos e menystramos a dta cofraria pa q lhe sseja guaardado asy como nelle se cotem e asynamos aquy esta certydão  sselada co ho sello da dta cofraria e fta p Luys Frz escvão della aos XIJ dias do mês de julho de myll e quinhetos e dezasete anos.”

(Lugar do Selo, que se perdeu, e assinaturas)

(1) Segue-se uma linha que se perdeu ao serem aparadas as páginas quando se encadernou o volume em meadoss do século XVII.

Mas quem foi este Pedro Nogueira que é responsável pelo pedido do primeiro Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço? Ele é apontado como o primeiro provedor da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos. No livro  Barcelos Histórico Monumental e Artístico, Eugénio de Cunha e Freitas refere que a instituição da Misericórdia barcelence terá tido como primeiro provedor o referido Dr. Pedro Nogueira que era Capitão do Terço de serviço de D. Fernando I, 9º Conde de Barcelos.
Terá sido, provavelmente, neste forte desejo do rei D. Manuel I de levar as Misericórdias a todo o país que terá nascido a Confraria de Melgaço. À exceção deste valioso Compromisso, que inclui o alvará de confirmação manuscrito atrás citado, no espólio documental da instituição são raros os suportes que nos contem os primeiros tempos de vida da instiuição, especialmente durante o século XVI. De facto, apenas temos notícias de 1531, relativas a um alvará pelo qual se houve por bem anexar à Confraria da Misericórdia o Hospital de S. Gião da vila de Melgaço, alvará cuja cópia se encontrava no arquivo da Santa Casa e foi transcrito no seu Tombo. Contudo, no tal documento datado de 1 de Dezembro de 1531, não consta o nome do provedor ou algum irmão da Mesa. Desde a sua fundação até 1589, a não ser a notícia de Martim Lopes ter sido escrivão da Mesa da Santa Casa e por vezes outros cargos ter exercido, nada mais se conhece da sua vida interna ou da sua atividade religiosa.
Neste contexto de excassez documental, podemos considerar legítimas as dúvidas levantadas por ESTEVES, A. (1957) quanto à data da fundação da Confraria da Misercórdia de Melgaço. O dito autor salienta também que não é certo que o Compromisso, religiosamente guardado há séculos no Arquivo da Misericórdia de Melgaço, seja de facto o documento normativo maior da Misercórdia melgacense. Todavia, o mesmo autor reconhece também que a tradição oral local reconhece este documento estatutário como o autêntico primeiro Compromisso da Confraria da Misericórdia de Melgaço. Além disto, existe uma inscrição manuscrita posterior, possivelmente de finais do século XVII ou XVIII, onde se identifica claramente o documento com os dizeres: “Estatutos e Compromisso desta Sta. Caza da Sta. Misericórdia da Villa de Melgaço”.
Desconhece-se qual terá sido a primeira casa que terá acolhido a sede desta Confraria da Misericórdia nos tempos da sua fundação por falta de suporte documental. Contudo, ESTEVES, A. (1957) levanta a hipótese de a Confraria da Misercórdia melgacense ter funcionado nos seus primórdios na primitiva igreja paroquial de Santa Maria do Campo. No seu livro, sugere a sua localização referindo que onde hoje se encontra a igreja da Misericórdia, levantava-se outrora outra igreja mais pequena e mais modesta. Para termos noção da dimensão do templo primitivo, o autor sugere que se derrube à atual igreja a sacristia e o consistório; apeie-se a varanda do sino e o corpo que desta vai até às escadas do consistório. Fechem-se a porta travessa e obstruam-lhe todas as frestas e o óculo frontal. Coloquem o sino, no cimo, no meio da frontaria e  o altar-mor, retirados os laterais, um ou dois metros à frente e por último estreitem e abaixem a porta de entrada e armem-lhe um alpendre, de pedra e madeira, na frente, com uma oliveira ao lado e teremos assim, a fábrica dessa outra pequena igreja, antiga, primitiva, tal qual devia existir na Idade Média com o Orago de Santa Maria do Campo, invocação que o rodar do tempo e o carinho desde o princípio consagrado pelo povo à Santa Casa cedo apagaram da memória dos homens. (ESTEVES, A., 1957)
É muito provável que a Confraria da Misericórdia de Melgaço tenha aí nascido há 500 anos atrás…


Fontes consultadas:

- ANNINGER, Anne (1983) - «Un oiseau rare: le Compromisso de 1516 de Hermão de Campos.» Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, vol.3, n.o 1-2, Jan.-Dez., pp. 205-213.
- CUNHA, Alfredo da (1925) – A Santa Casa da Misericórdia do Fundão. Oficinas de O Comércio do Porto, Porto.
- ESTEVES, Augusto C. (1957) – Santa Casa da Misercórdia de Melgaço. Tipografia Melgacense, Melgaço.
- LEÃO, Francisco G. Cunha (1995) - «As edições quinhentistas dos Compromissos da Misericórdia de Lisboa», in Mater Misericordiae, Lisboa, Museu de S. Roque e Livros Horizonte, pp. 52-67.

- PAIVA, José Pedro et al (2011) - Portugaliae Monumenta Misericordiarum - Misericórdias e Secularização num século turbulento (1910 - 2000). Volume 9, Tomo II; Centro de Estudos de História Religiosa; Universidade Católica Portuguesa. Edição da União das Misericórdias Portuguesas.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Um empréstimo para construir o edifico da Câmara Municipal de Melgaço (1928)


Em finais da década de 20 do século passado, a Câmara Municipal de Melgaço ainda se situava no chamado Edifício dos Três Arcos, que hoje alberga o Solar do Alvarinho.
Na época, o edifício apresentava um mau estado de conservação e tornava-se impróprio para albergar os serviços municipais e a própria sede da Câmara Municipal. Assim, a edilidade melgacense pede autorização ao governo para contrair um empréstimo no valor de 250 contos à Caixa Geral de Depósitos para a construção da nova Câmara Municipal. Para tal é dirigida uma missiva, datada de 15 de Novembro de 1928, ao Ministro do Interior para que interceda junto do Ministro das Finanças à época, António de Oliveira Salazar para obter aprovação para o mesmo:
“Melgaço, 15 de Novembro de 1928
Ex.mo Sr. Ministro do Interior,
Com o maior empenho, venho rogar a V. Excelência se digne conseguir que Sua Excelência, o ministro das Finanças permita o empréstimo de 250 contos que pretendemos da Caixa geral de Depósitos se realize o mais breve possível, atendendo a que já foi autorizado por despacho de V. Excelência de 20 de Abril do corrente ano e a que o fim a que é destinado é de absoluta necessidade.
Confiando na valiosa proteção de V. Excelência, subscrevo-me - Saúde e Fraternidade.
O Presidente da Comissão Administrativa,
Henrique Delfim”




Nesse sentido, como a resposta tardava, o próprio Governador Civil de Viana do Castelo também enviou uma outra missiva, datada de 5 de Julho desse mesmo ano de 1928 dirigida a Oliveira Salazar, então ministro das Finanças com vista a obter aprovação do dito empréstimo:
“Junto de V. Excelência venho patrocinar o empréstimo que a Câmara de Melgaço deseja contrair na Caixa Geral de Depósito na totalidade de 250 contos para a construção do edifício destinado a repartições públicas daquele concelho, pois de facto em Melgaço, estão elas pessimamente instaladas num edifício velho, imundo e pequeno, prejudicando-se assim todos os ramos da administração pública e desprestiginado as autoridades que dentro dele têm de exercer as suas funções.
Este empréstimo tem o parecer favorável da repartição competente do Ministério do Interior bem como a autorização do mesmo Ex.mo Ministro, tendo transitado para o Ministério das Finanças onde aguarda despacho.
Porque é integralmente justo assim o recomendo com todo o interesse a V. Excelência desejando - Saúde e Fraternidade.
Governo Civil de Viana do Castelo, 5/07/1928
O governador
(assinatura)”



Na realidade, o despacho de aprovação já tinha sido emitido em 28 de Abril de 1928, conforme documento, não tendo o processo tido andamento. O despacho tem os seguintes dizeres:
“Para os devidos efeitos, tenho a honra de remeter a V. Excelência o adjunto processo respeitante a um empréstimo respeitante a um empréstimo da quantia de Esc. 250.000$00 que a Comissão Administrativa da Câmara Municipa do Concelho de Melgaço pretende contrair na Caixa geral de Depósitos, cumprindo-me ao mesmo tempo informar V. Excelência de que o referido empréstimo, por despacho de hoje, foi autorizado por S. Excelência o Ministro do Interior, nos termos do decreto nº 12.327, de 15 de Setembro de 1926.
Direção Geral da Administração Política e Civil, em 28 de Abril de 1928”


O edifício da nova Câmara Municipal de Melgaço começou a ser construído em 30 de Abril de 1930, tendo sido inaugurado em 1931.