sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O cerco à Praça Militar de Melgaço e a captura das filhas do comandante (1846)


Estávamos em meados do século XIX. Em Melgaço e no Alto Minho, o clima social estava a ferro e fogo. No jornal espanhol “El Católico”, na sua edição de 13 de Maio de 1846, fala-nos de uma onda de revoltas contra as autoridades na região. Este clima em que estava mergulhado a região minhota, já vinha das lutas liberais e tinha tendência a agudizar-se com as medidas tomadas pelo governo de Costa Cabral e a revolta da Maria da Fonte. A elevada carga de impostos e a proibição dos enterros nas igrejas são algumas das razões que justificam este ambiente de revolta contra o Estado na região.
Nos dias 27 e 28 de Abril desse ano, a Praça Militar melgacense esteve cercada por um grupo de revoltosos que tentaram entrar na fortaleza e expulsar os militares. Os revoltosos conseguiram inclusivamente capturar as filhas do comandante da praça e ameaçaram matar as mesmas se aquele não ordenasse aos soldados que abandonassem a Praça melgacense. Terá o comandante cedido à chantagem dos revoltosos?
Através da leitura do referido periódico, podemos ter uma ideia de como era o estado de coisas na região. Este conta-nos que “Em Monzao, un gran número de paisanos armados se dirigieron á la administracíon del concejo, de donde estrajeron los impresos de cuntribucion y de las leyes sanitarias, quemandolos en seguida en la plaza pública. Después se dirigieron a Valladares, en cuyo punto quemaron la casa de la administración: los capitaneaban el abad de Cabreiros, el alférez de la 3.ª sección y Joaquín Pereira de Pias.
En el concejo de Coura, se han repetido iguales escenas, nombrando asimismo autoridades los revoltosos, que se preparaban para atacar la plaza de Melgazo.”
Esse ataque concretizou-se nos dias 27 e 28 de Abril desse ano de 1846. Desse episódio fala-nos o mesmo jornal onde podemos ler que “La fuerza de Valenza batió y dispersó completamente en el dia 25 á los sublevados que se haban reunido en la freguesia de Sopo, concejo de Vila Nova de Cerveira, resultando gran número de muertos y tres prisioneros. Igualmente se sabe que de la plaza de Valenza debió salir el 28 una fuerza mandada por el teniente del rey, con objeto de hacer levantar el sitio (cerco) de Melgazo, y recorrer después los concejos de Valladares y Monzao, restituyendo á las autoridades el libre ejercicio de sus funciones.”
As tropas da Praça Militar de Melgaço conseguiram resistir ao cerco e disso dá-nos conta este periódico onde podemos ler que “Las guerrillas que infestaban los concejos de Monzao, Melgazo y Valladares han sido batidas completamente junto a Melgazo que se habían atrevido á sitiar.”
Conforme se diz atrás, durante este cerco, os revoltosos capturaram as duas filhas do comandante da Praça Militar de Melgaço e ameaçaram matar as raparigas ali à frente do pai caso este não ordenasse à guarnição que se rendesse e entregassem a fortaleza. No jornal “El Católico”, na edição de 22 de Maio desse ano de 1846, conta-nos, ainda acerca deste episódio, que “El comandante de la cuarta división militar y el gobernador de la plaza de Valenza comunican oficialmente un hecho digno de mencionarse por su singularidad.
Hallándose el gobernador de la Plaza de Melgazo con una corta guarnición, se acercó á ella una partida de sublevados siendo en balde cuantos intimaciones le hicieron para que los rindiese la plaza. Entonces los revoltosos recurrieron á un espediente propio de tales combatientes para decidir á la plaza rendirse. Presentaron ante el gobernador á sus dos hijas qué tenian prisioneras, amenazándole con que le quitarían la vida en su presencia. Pero el valor del antiguo y esforzado militar no vaciló con la amenaza. Su respuesta fue noble, y en lodo digna del grande alcaide de Faria: "Esta plaza, confiada á mi defensa por el gobierno de la reina, no se entrega sino después de yo muerto. Antes que todo, son mis deberes de soldado. Lo demas podrá partirme el corazón como padre; pero no consentiré que empañe la menor mancha mi espada de soldado."
No sabemos si el valiente oficial, observando que se aproximaba un fuerte destacamento de cazadores núm. 7, mandado de Valenza en socorro de la plaza, saldría con su guarnición contra los revoltosos, y si conseguiria derrotarlos completamente.
O jornal "El Tiempo", na sua edição de 23 de Maio desse ano, dá-nos conta da resistência do comandante face à chantagem dos revoltosos. Podemos ler que "Entre los últimos accidentes de la guerra, merece llamar la atencion la conducta del gobernador de Melgazo, que ha resistido com corta gueranicion á los levantados, á pesar de amenazarle con la muerte de dos hijas suyasde que se habian apoderado. Por fortuna los sitiadores de melgazo no imitaron la conducta de los de Tarifa." As raparigas foram libertadas e a praça não se rendeu.
Após este episódio, o Duque da Terceira, à data Ministro da Guerra, tendo conhecimento dos factos, escreve um ofício ao Comandante da Praça Militar de Melgaço onde lhe transmite que a rainha D. Maria II o quer condecorar pela sua ação na defesa da Praça melgacense. Nesse ofício, podemos ler que “Sua Majestade A Rainha, a Quem foi presente o ofício do Comandante da 4ª Divisão Militar, incluindo o relatório da infrutífera tentativa feita pelos revoltosos contra a Praça de Melgaço nos dias 27 e 28 de Abril último.
Manda pela Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra significar ao Governador da referida Praça que é digna do maior louvor, zelo, coragem verdadeiramente portuguesa com que soube repelir e castigar tão louco como criminoso arrojo, aguardando A Mesma Augusta Senhora tão somente que a tranquilidade pública se restabeleça (o que não tardará) para galardoar por outra maneira os distintos serviços por ele prestados em defesa da Carta Constitucional. Sua Majestade viu com a maior satisfação a briosa e nobre comportamento dos oficiais e praças de que se compõe a guarnição daquela fortaleza e quer que o referido governador em Seu Real Nome lhes transmita os louvores de que se fizeram merecedores por sua coragem e patriotismo. O que tudo se comunica  ao comandante da 4ª Divisão Militar para seu conhecimento e efeitos convenientes.
Paço de Belém, 23 de Maio de 1846.

Duque da Terceira”. (Documento abaixo)


Fontes consultadas:
- Jornal "El Católico", edição de 12 de maio de 1846;
- Jornal "El Católico", edição de 22 de maio de 1846;
- Jornal "El Tiempo", edição de 23 de maio de 1846; 
- Ofício do Duque da Terceira datado de 23 de maio de 1846.


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