sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A criação do jornal "A Neve" e do "Primavera Sport Club" em Castro Laboreiro há 100 anos atrás




A Família Carabel, de Castro Laboreiro, era mão para toda a obra. Fundaram há cerca de 100 anos uma fábrica de chocolate em terras castrejas. O fabrico de chocolates constituía uma das suas fontes de rendimento, mas, tinham ainda uma loja aberta, em Castro Laboreiro onde vendiam tamancos, miudezas e fazendas, e também tratavam de caixões e funerais. Mais tarde, em 1920, começaram a publicar a publicar um jornal, chamado “A Neve” e tiveram papel importante na criação da coletividade castreja “Primavera Sport Club”. No dito jornal, eram anunciados os seus esmerados chocolates. A publicidade era também deliciosa nos dizeres: “Quereis um bom casamento? – Tomai o chocolate da afamada fábrica “Caravelos” de Castro Laboreiro, que atrai a simpatia”.
O jornal e o “Primavera Sport Club” surgem já quando a fábrica estava sob a gerência dos irmãos Abílio e Germano Carabel. Ambos eram redatores do jornal, e tinham jeito para a escrita. Sobretudo, o Abílio Alves Carabel. O diretor era um tal Abílio Domingos, professor primário em Castro Laboreiro, que depois se radicou em Braga, onde morreu. Seriam os três que financiavam o jornal, mas que deixou de se publicar, quando Germano Carabel foi dirigir a filial em Melgaço da Fábrica de Chocolates “Carabel, Sucessores”, antes de ter viajado para o Brasil, com a mulher e filhos, onde permaneceu alguns anos para gerir os bens da esposa.
A criação do jornal “A Neve” teve como uma das principais finalidades chamar à atenção da Câmara Municipal de Melgaço e outras instituições para a necessidade de dar atenção a Castro Laboreiro, nomeadamente à imperativa construção de uma estrada que ligasse terras castrejas ao resto do país com vista a facilitar a circulação de pessoas e bens.
A criação do “Primavera Sport Club” visava fomentar um espaço de convívio entre os castrejos bem como discussão pela defesa dos interesse da terra.
Estes pormenores são-nos contados, na primeira pessoa, num artigo publicado no jornal “A Neve”, na sua edição de 18 de Novembro de 1920: “Foi durante a viagem de Melgaço para Castro Laboreiro que nasceu a ideia da fundação do “Primavera Sport Club” e da criação do jornal “A Neve”.
Éramos dois os viajantes ou por outra os caminhantes, pois a pé é que nós tivemos de transpor essas montanhas que separavam Melgaço de Castro Laboreiro. Saímos dos “Pereiras”, sito na Calçada, pelas 13 horas, em direção à nossa querida Montanha.
Até ao cimo da Costa da Rolha, a nossa conversação recaiu sobre assuntos vários, falando não raras vezes em Amor. A conversa foi recaindo sobre Castro Laboreiro, nossa terra e digo nossa terra porque me orgulho de ter nascido nesta terra onde à honradez ainda se presta subido culto. Já acima de Fiães, diz-me o companheiro: “Como me sentiria feliz se Castro Laboreiro possuísse um jornal para defender os seus interesses e um club e aonde todos os conterrâneos se reunissem divertindo-se e instruindo-se ao mesmo tempo, incutindo uns nos outros o sagrado dever de pugnar pelos interesses comuns que são os interesses desta terra que se despe de todos os objectos para nosso interesse, tratando-nos como mãe. Estava lançada a ideia. Como eu também ansiava pela prosperidade da terra que carinhosamente susteve os meus primeiros passos!
Para a realização dos nossos projectos, faltava-nos apenas realizar um programa e o apoio dos conterrâneos. A nossa vontade de ferro tudo conseguiu com muito diminuto espaço. Mas ainda não é tudo! A obra está em princípio.
Triunfou dos primeiros obstáculos e agora já não ameaça a morte: contudo é preciso fortificá-la e fortificá-la-emos, pois agora pois agora é esse o desejo geral de todos os castrejos sequiosos do Progresso.
Sinto-me feliz e como eu se sentem todos oso que participaram deste trabalho coroado de êxito.
Não adormeçamos, fortifiquemo-nos para nos fazer respeitar.”

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A excelência do Presunto de Melgaço ao longo dos tempos



Desde há vários séculos, variadíssimos documentos históricos atestam as virtudes do famoso Presunto de Melgaço. São destacados ao longo dos tempos aqueles que são feitos em Fiães e em Castro Laboreiro.
Há cerca de 500 anos, o presunto de Melgaço já fazia parte dos tributos a pagar ao rei D. Manuel I, conforme refere o foral manuelino de 3 de Novembro de 1513 o que comprova o seu elevado valor. Neste foral, diz-se que o rei e seus sucessores deviam receber por casais reguengos dispersos pelas freguesias de Rouças e Chaviães três presuntos por ano.
Já nesta altura, se faz referência ao facto de o presunto em Fiães não se conservar no sal mas sim curado e fumado. A comprovar o que se refere, basta aludir ao tal contrato de arrendamento das rendas do Mosteiro de Fiães, relativas ao ano económico iniciado no S. João de 1483 e a terminar na véspera da mesma festa do ano seguinte (1484), feito em 9 de Abril de 1483, pelo comendatário, D. Frei Justo Baldino, bispo de Ceuta, ao abade de Rouças, Álvaro Gonçalves, e ao padre Fernando Domingues, ambos moradores da vila de Melgaço, pelas quais deveriam pagar vinte e um mil reais brancos da moeda corrente “e mais uma dúzia de marrans (presuntos) secas e curadas e dezoito lampreas secas”.
No século XVIII, é a vez do Padre António Carvalho da Costa no seu livro “Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal”, publicado em 1706, fazer alusão ao nosso presunto destacando, quando se refere a Melgaço, que “tem boas e férteis terras, pela maior parte, mas em particular o vale da Folia [designação antiga para o atual território da freguesia de Remoães, concelho de Melgaço] com grandes vantagens: dá muito pão e vinho, frutas, feijão, hortaliças e cebolas muy celebradas por doces e as melhores desta província, excelentes presuntos sem sal...”
Temos ainda dizeres comprovativos da qualidade superior “É effectivamente a carne mais saborosa de Portugal e o fiambre feito d’estes presuntos, é óptimo” na A Gazeta de Lisboa, nº 1, de Janeiro de 1824. Aqui publicita-se a venda dos presuntos de Melgaço em Lisboa “(…) na rua dos Franqueiros, loja de Sola nº 116, há para venda presuntos de Lamego e Melgaço de superior qualidade (…)”
Lucas Rigaud, cozinheiro real no tempo da rainha D. Maria I, refere na sua obra maior “O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinhar”, publicada em 1826, “(…) os presuntos que nos vem de Lamego, Montalegre e Melgaço são excelentes (…)”. A monarca terá provado o Presunto de Fiães (freguesia de Melgaço), do qual terá dito que “… era um dos melhores manjares até aos dias d’ hoje…”
Na publicação lisboeta “O Panorama”, em 1841, no seu volume V, referindo-se à economia doméstica alude a uma “(…) receita para preparar os presuntos de maneira que sejam iguais aos melhores de Melgaço ou Lamego (…)”.
Se consultarmos outros jornais durante o século XIX, reparamos que o presunto de Melgaço também era vendido na cidade do Porto. Por exemplo, no “Jornal do Porto”, na sua edição de 25 de Dezembro de 1869 encontramos um anúncio com os seguintes dizeres: “Presuntos de Melgaço – Próprio para Fiambre. Vendem-se na Travessa da Picaria, nº 23”.
Desde tempos recuados que os afamados presuntos de Melgaço atravessavam o Atlântico rumo ao Brasil. Tal é comprovado no livro “Portugal Antigo e Moderno”, publicado em 1875, da autoria de Pinho Leal, quando este refere que “São justamente famosos os presuntos de Melgaço, e do seu concelho, e se exportam em grande quantidade, para todo o reino e para o Brasil.
A comprovar a fama do presunto de Melgaço no Brasil, encontramos, na publicação brasileira “Jornal do Agricultor”, em 1880, uma receita de presunto de fiambre. Diz-se na receita, que para obter o melhor resultado, devia-se utilizar presunto de Melgaço ou de origem galega acrescentando que ”devem-se preferir destas procedências porque não precisam ser demolhados, nem de temperos para ficarem gostosos”.
Ainda no século XIX, é o grande Ramalho Ortigão que faz alusão ao precioso manjar melgacense no seu livro “As Praias de Portugal”, publicado em 1876. Quando nos fala de um hotel em Vila do Conde, conta-nos que “o proprietário distrae a attenção dos forasteiros (…) servindo-lhe magnífico vinho verde, admiráveis presuntos de Melgaço, de primeira ordem,...”
O mesmo Ramalho Ortigão, no seu livro “As Farpas” (1882), escreve que “Todas as especialidades culinárias se anunciam em grandes doses: os paios de Castelo de Vide, os presuntos de Melgaço (…)”. Neste mesmo ano, um outro escritor, João Penha, na sua obra “Rimas” faz um canto aos presuntos de Melgaço. O mesmo autor em 1893, dedica novamente ao presunto melgacense um soneto no livro "Poetas Minhotos".
Em 1886, José Augusto Vieira na obra “O Minho Pitoresco” escreve “O Presunto de Melgaço! Que epopeia seria necessária para descrever-lhe o paladar fino e delicado, o aroma gratíssimo, a cor rosa escarlate, a frescura viçosa da fibra (...) o Presunto de Melgaço, conhecido em todo o país é por assim dizer a syntese da phisiologia local. Válido, robusto, ágil, com o sangue puro bem oxygenado a estalar-lhe nas bochechas rosadas, o melgacense genuíno destaca-se dos habitantes dos outros concelhos próximos, a ponto de ser entre estes vulgar a phrase de: - Ter a cara do Presunto de Melgaço - quando se falla de alguém com as boas cores de saúde (…) Apesar, porém, de todas as tuas deliciosas qualidades, ó apetitoso quadril suíno, força é esquecer-te, como a todas as cousas boas ou más d’este mundo(…)”.
No mesmo livro, o autor acrescenta “O presunto, aquele magnífico Presunto de Melgaço, cujas deliciosas qualidades te descrevi, leitor amigo, é especialmente curado em Fiães, onde o preparam sem sal, receita talvez d’algum monge epicurista...” De facto, o presunto fazia parte de um conjunto de produtos de fabrico doméstico que funcionavam como reserva alimentar e também como moeda de troca nas trocas comerciais. Já nos séculos passados, Melgaço mantinha uma relação muito estreita com a Galiza. José Augusto Vieira em 1886 dizia nas suas referências relativamente ao Presunto de Melgaço “(...) fazendo-se bastantes transacções com a Galiza, e exportando para todo o país os célebres presuntos e para os concelhos próximos algum vinho, lãs, cereais e castanha”.
Na viragem do século XIX para o século XX, a excelência do presunto de Melgaço mantém-se bem visível. Atentemos nesta notícia datada de 4 de Março de 1900 no jornal brasileiro “A Imprensa” onde se fala da presença do presunto de Melgaço na Exposição Universal de Paris. Na notícia, pode ler-se que ”O proprietário do Hotel Continental de Vigo e do Hotel Rio Minho, em Valença, pensa, de sociedade com um dos principais vinicultores e proprietários de Monsão, em instalarem restaurante durante a Exposição de Pariz, e no local onde já se encontra outras casas do género de differentes paízes, e onde serão servidas comidas minhotas, ou por outra, cosinhados minhotos, onde não faltará o presunto de Melgaço...”
Na década de 30 do século passado, a fama mantém-se como se atesta na referência no Anuário do Distrito de Viana do Castelo, Vol. I, em 1932 onde se pode ler relativamente ao concelho de Melgaço: “São afamados os presuntos, conhecidos no mercado sob a designação de Presunto de Melgaço”.
Em tempos menos recuados, continuamos a encontrar os merecidos elogios ao Presunto de Melgaço. Na publicação “Vida Mundial”, na sua edição de 20 de Maio de 1976, num artigo intitulado “Gastronomia Portuguesa” destaca de entre a gastronomia das várias regiões portuguesa, que “as carnes do Norte são magníficas, e por isso os enchidos são maravilhosas criações culinárias. O seu presunto de Melgaço, de Chaves e Montalegre, o seu salpicão e o seu fiambre, (...) são um prato digno dos deuses”.
Podíamos aqui colocar muitas mais referências que podemos encontrar em outros documentos em diversas épocas históricas. Os tempos mudaram ao longo dos séculos mas a sabedoria da saber produzir presuntos de excelência mantém-se intacta. Recentemente, estabelecimentos de restauração em Melgaço começaram a fazer constar nos seus menus a famosa e antiga receita dos “Bifes de Presunto de Melgaço”. Uma atitude inteligente, quanto a mim, já que, além de se contribuir para que não se perca esta receita ancestral, é um prato confecionado com um produto distintivo da nossa terra.






Fontes consultadas:
- “A Imprensa” , edição de 4 de Março de 1900;
- Anuário do Distrito de Viana do Castelo (1932), Vol. I, 1932, Empresa Gráfica do Notícias de Viana, Viana do Castelo;
- COSTA, Padre António Carvalho da (1706) - Corografia Portuguesa, tomo I, Valentim da Costa Deslandes, Lisboa;
- COSTA, Padre António Carvalho da (1868) - Corografia Portuguesa 2.ª Ed., tomo I, Typografia de Domingos Gonçalves Gouvea, offerecido A El Rey D. Pedro II;
- “Gazeta de Lisboa”, n.º 1, Janeiro de 1824, Lisboa;
- “Jornal do Agricultor”, edição de 3 de Março de 1880;
- “Jornal do Porto”, edição de 25 de Dezembro de 1869;
- LEAL, Augusto de Pinho (1875), Portugal Antigo e Moderno, Livraria Editora de Mattos & Companhia, Lisboa;
- MARQUES, José (1996) – Em torno do termo marrã. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - História, Porto.
- ORTIGÃO, Ramalho (1876) – As Praias em Portugal. Magalhães & Moniz Editores; Livraria Universal, Porto.
- ORTIGÃO, Ramalho (1882) - As Farpas – o país e a sociedade Portuguesa, Tomo V, Livraria Clássica Editora, Lisboa;
- “O Panorama” (1841), Vol. V, Typografia da Sociedade, Lisboa;
- PENHA, João (1882) - Rimas, Avelino Fernandes e Cª Editores, Lisboa;
- RIGAUD, Lucas (1826) - O Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de cozinhar. 5.ª edição, Typografia Lacerda, Lisboa;
- “Vida Mundial”, edição de 20 de Maio de 1976;
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, Tomo I, Livraria de António Maria Pereira-Editor, Lisboa.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Viagem à Capela da Senhora da Orada (Melgaço) em fotos de antigamente


A capela da Nossa Senhora da Orada é um importante marco da arquitetura religiosa medieval de Melgaço e de todo o Alto Minho. Trata-se de um templo outrora associado a lendas e romarias que remontam a vários séculos atrás aos tempos da peste. Acerca desta capela, José Saramago, Nobel da Literatura, escreveu no seu livro Viagem a Portugal: “Logo adiante de Melgaço está a Nossa Senhora da Orada. Fica à beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento, passa por ela, e ai minha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja está aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjetivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a Igreja da Nossa Senhor da Orada, pequena construção românica decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui pedem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo de luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpanos, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares de onde são os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e de todas as Oradas que por este país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir.”
Proponho-vos uma viagem à Nossa Senhora da Orada pelas fotografias dos últimos 120 anos e um raro desenho da capela com mais de 130 anos. Viaje no tempo!...


Capela da Orada em 1886 (desenho no livro "O Minho Pittoresco).


Capela da Orada em 1909 (foto que consta numa reportagem na revista Serões intitulada "A estrada de S. Gregório - A paisagem mais bonita de Portugal).

Capela da Orada em postal de início do século XX

Capela da Orada em postal de início do século XX

Capela da Orada em foto de 1903 (Foto de Aurélio da Paz dos Reis).
Capela da Orada em 1914 (cliché que Marque de Abreu)


Capela da Orada em postal de início do século XX


Capela da Orada em postal do primeiro quarto do século XX

Capela da Orada em postal da década de 30 do século passado


Pormenor da Capela da Orada fotografado em 1928 


Capela da Orada em meados do século XX


Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)


Pormenor do portal lateral da Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)



Pórtico Principal da Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)


Interior da Capela da Orada em 1954 (foto de Mário Novais)



Capela da Orada em 1971 (Foto de Severino Costa).

Portal de entrada da Capela da Orada em 1971 com a Senhora da Orada no exterior.
(Foto de Severino Costa).



Exterior junto à Capela da Orada em 1971 com a Senhora da Orada exposta (foto de Severino Costa)

Capela da Orada em postal dos anos 70 do século passado


Capela da Orada em postal dos anos 70 do século passado

Capela da Orada em postal dos anos 80 do século passado
Capela da Orada em postal dos anos 70 do século passado

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A imagem de S. Teotónio da Igreja de Paderne (Melgaço): algumas notas de interesse




O Mosteiro de Paderne foi extinto em 27 de Setembro de 1770. Aquando da extinção da sua comunidade monástica, foi elaborado um inventário onde se faz uma descrição sumária do convento na época: “O Mosteiro de S. Salvador de Paderne que consta de huma igreja que contem sinco altares, hum na capela mor, dois da capelas fundas, e dois a face debaixo de grade, e tem de huma casa de grades para a pixa (pia) do Baptismo e de huma sacristia junto do claustro para os religiozos. (…) Item uma casa de que serve de sacristia para os clérigos de fora paramentada pello Mosteiro para os dois altares”.
No dito inventário, é feita referência ao rico recheio da igreja e do convento, entre o qual constam várias imagens de santos, algumas das quais ainda hoje ocupam lugar de destaque da bonita igreja de S. Salvador de Paderne. No citado inventário de 1770, entre essas imagens, há uma singela mas linda imagem de S. Teotónio de origem bastante antiga, certamente anterior a meados do século XVIII. Sem se conhecer a data da sua feitura, sabemos que já existia em 1758. De facto, nas Memória Paroquiais redigidas nesse mesmo ano, o padre António Rodrigues de Morais escreve que a dita imagem se encontrava no altar-mor, e quando se refere a esta igreja, menciona que “O orago da freguezia é São Salvador e tem cinco altares: o altar-mor com o painel do Salvador, e duas imagens de Santo Agostinho e de São Teotónio. Contudo, sabemos que esta imagem de S. Teotónio, anos mais tarde, em 1770, permanecia no altar-mor em lugar de destaque. Assim, neste mesmo altar, além da mencionada imagem de S. Teotónio com resplendor de prata que pesava 30 oitavas, e segundo o inventário, encontrava-se ainda uma cruz em estanho prateada, com a imagem de Cristo, uma imagem grande de Santo Agostinho, estofada e uma campainha de bronze.
A presença da imagem de São Teotónio na igreja de S. Salvador de Paderne, além de uma outra que se encontra na capela Crastos, é de um enorme simbolismo. Porquê? Para responder a esta questão, temos que ter presente quem foi S. Teotónio.
Na verdade, S. Teotónio nasceu nesta região, mais particularmente em Ganfei, concelho de Valença. Corria o ano de 1082, sendo mais tarde confiado aos cuidados do seu tio-avô Crescónio, à época, bispo de Coimbra. Mais tarde, formou-se em Teologia e Filosofia, tendo-se tornado Prior da Sé de Viseu em 1112. No contexto da independência portuguesa, S. Teotónio tornou-se um dos importantes aliados do jovem infante Afonso Henriques, tendo-se tornado mais tarde seu conselheiro.
Em 1132, foi um dos fundadores, em Coimbra, do Mosteiro de Santa Cruz, adotando a regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, tendo-se tornado no seu prior. Ora, o Convento de Paderne, inicialmente beneditino, adotou, algures a partir do primeiro terço do século XIII igualmente a Regra dos Cónegos de Santo Agostinho. Assim sendo, é merecido o destaque que a imagem de São Teotónio, com as típicas vestes de Cónego Regrante, detinha no altar principal a par da imagem de Santo Agostinho. Neste sentido, o ilustre investigador melgacense José Marques, em MARQUES J. (1991), considera que “entre essa devoções, sobressaem a da Santa Cruz, presente em todas as cruzes dos altares, que, sendo comum a todos os fiéis, assume especial sentido num mosteiro de religiosos crúzios, sendo, igualmente expressiva a presença das imagens de Santo Agostinho, que ocupava lugar de honra no altar-mor, como padroeiro que era, tal como acontecia com a de São Teotónio, primeiro prior eleito de Santa Cruz de Coimbra, convindo apurar também até que ponto a presença de outras imagens corresponde a devoções comuns a outros mosteiros da mesma Congregação. Interpretação idêntica se poderá tomar em relação às imagens e respetivas devoções à Senhora das Dores e da Senhora da Soledade, cujas representações, por vezes, se identificam que não é fácil separar da espiritualidade crúzia, por certo imbuída do espírito com que S. Teotónio visitou e meditou na Paixão de Cristo, durante a segunda peregrinação à Terra Santa, de que o seu biógrafo nos deixou preciosos testemunhos.”
Há várias décadas que esta valiosa imagem tem as mãos partidas, conforme se pode ver na fotografia antes, e tem estado arredada do lugar que foi seu durante um largo tempo, no altar principal lado a lado com Santo Agostinho. Dizem-me que a dita imagem esteve, em tempos, na casa da fábrica, talvez esperando um pequeno restauro que devolva toda a sua excelência simbólica nesta igreja, estando atualmente na sacristia. Note-se que S. Teotónio é o santo português mais antigo, tendo sido o primeiro a ser canonizado, em 1163 pelo papa Alexandre III, um ano após a sua morte.
Talvez um dia esta importante imagem de S. Teotónio possa recuperar o seu merecido lugar na História desta igreja… Porque é parte inseparável do passado deste antigo convento.


Fontes consultadas:
- MARQUES, J. (1991) - O Mosteiro de Paderne em 1770. II Congresso Internacional do Barroco.
- Memórias Paroquiais de 1758 - Paderne.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Melgaço, 1937 - Tempos de fome e um Plano de Melhoramentos da Câmara Municipal para o concelho



Na década de 1930, Melgaço atravessava uma profunda crise onde o convívio com a fome e a miséria faziam parte do quotidiano. A Câmara Municipal, querendo minorar os efeitos desta crise, decide lançar um amplo conjunto de obras no concelho a nível das instalações escolares, estradas e fontanários bem como lavadouros públicos nas freguesias onde ainda ocorriam frequentes surtos de tifo.
Assim em 23 de Julho de 1937, a Câmara Municipal de Melgaço decide endereçar ao Ministério das Finanças um pedido de autorização para contrair um empréstimo de 500 contos para financiar estas obras bem como para amortizar dívidas antigas. No documento endereçado pela Câmara Municipal de Melgaço ao Ministério das Finanças pode ler-se “A Comissão Administrativa desta Câmara, em sessão de 15 do corrente Julho de 1937), deliberou contrair um empréstimo de 500 000$00 (quinhentos mil escudos), destinado a:
1º Pagar as quantias que ainda deve aos empréstimos anteriores contraídos com a mesma Caixa.
2º Pagar as dívidas do município ocasionadas pela execução da estrada à periferia da vila e pelo desfalque efetuado pelo tesoureiro da Câmara na importância correspondente à última medição efetuada (vinte e cinco mil escudos) pela Direção de Melhoramentos Rurais, importância que lhe foi entregue pelo Pagador das Obras Públicas em Viana do Castelo, mas que não foi entregue à Câmara pelo que se encontra entregue ao poder judicial o referido tesoureiro.
3º Pagar as dívidas ocasionadas pelo facto de as freguesias onde se efetuaram as reparações em edifícios escolares as não terem comparticipado com importância suficiente que diminuísse os encargos da Câmara, devido às ampliações de que as obras foram beneficiadas.
4º – Executar a construção de fontanários e lavadouros nas freguesias do concelho onde se verificam, periodicamente, epidemias de tifo.
5º – Comparticipar a construção dos caminhos rurais Pomares – Penso, Sá – Paços e Vila – Cabana.
6º – Desenvolver o plano de melhoramento das condições gerais do concelho.
Tendo a referida deliberação sido aprovada pelo Conselho Municipal, em sessão de 21 do corrente, vem (…) pedir a Vossa Excelência a necessária aprovação.
A Bem da Nação.”
Contudo, o pedido não recebeu aprovação imediata pelo Governo tendo o Ministério das Finanças pedido informações adicionais e o processo prolongou-se por muitos meses com trocas de missivas entre o Município e o Governo. Desta forma, o presidente da Câmara de Melgaço, João de Barros Durães, endereça uma carta ao Chefe de Gabinete do Ministro das Finanças onde expõe o seu impaciência para com a morosidade do processo e as suas consequências para a precária situação de Melgaço traçando um quadro negro da realidade melgacense na época. Na missiva datada de 2 de Março de 1938, pode ler-se:
Melgaço, 2 de Março de 1938.
Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de Sua Excelência e Sub-Secretário das Finanças
Permito-me vir expor e chamar à atenção de Vossa Excelência para os factos seguintes, ciente que a eles V. Ex.a se dignará dar o devido valor e providenciar no sentido de ser deferida a pretensão desta Câmara que venho de novo expor a V. Ex.a.
1º – Este concelho atravessa uma crise pavorosa de desemprego em todos os ramos de trabalho, devido a circunstâncias variadas, em especial à situação anormal de Espanha, à insuficiência de capitais particulares, à repatriação de emigrantes que no estrangeiro trabalhavam, principalmente na Espanha, França e Brasil, a anulação de remessas de rendimentos e produto de salários do estrangeiro.
2º – Esta crise possui a maior agudeza no concelho, pelo que há um grande número de famílias debatendo-se na mais contristadora miséria, não sendo raros os casos em que os seus elementos sofrem as torturas da fome.
3º – A fim de atenuar as graves proporções deste estado de calamitosa miséria do operariado de todas as categorias, a Câmara vem lutando pela execução de algumas obras que possam, dando-lhe trabalho, fornecer-lhe meios de honradamente viver: há alguns anos que a Câmara desenvolve notável ação no sentido de serem realizados os melhoramentos fundamentais – viação, higienização das águas, construção e reparação de edifícios escolares – para o que tem obtido o auxílio do Estado.
4º – Alguns factos anormais, já expostos a V. Ex.a e a necessidade de continuar a realização do plano de ação da Câmara, esta solicitou há meses autorização para contrair um empréstimo de 500 contos com a Caixa Geral de Depósitos.
5º – Apesar de todas as solicitações feitas, ainda lhe não foi concedida a autorização pedida embora os motivos justificativos sobejamente demonstrassem a necessidade daquela operação ser realizada com a maior urgência.
6º – Esta demora tem causado ao Concelho os maiores prejuízos: além de não terem sido integralmente pagos alguns encargos devido à reparação de edifícios escolares e ao roubo que o ex-tesoureiro efetuou, a Câmara vê-se obrigada a não realizar algumas obras de grande importância para as quais já lhe foram concedidas comparticipações pelo Estado, e a não desenvolver o projeto de melhoramento das condições gerais do concelho.
7º – Por este facto estão quasi completamente imobilizados 363.246$18 que representam os valores orçamentais de obras para que a Câmara possui projetos organizados e para quase todas as comparticipações concedidas, embora para a realização delas apenas despendesse 109 379$72; por estas razões não poderá realizar a construção de novos edifícios escolares, por cuja construção já se responsabilizou, cujo valor orçamental atinge 319 930$00, embora para a construção apenas necessite de 79 982$00.
8º – Em síntese: a Câmara vê-se obrigada não realizar obras em todo o concelho cujo valor orçamental atinge 683 176$00, embora para elas apenas necessite de 189 362$22.
9º – A realização destas obras viria a contribuir largamente para o melhoramento das condições de vida do operariado do concelho, que se encontra na maior miséria, e, concomitantemente, para dotar todo o concelho com uma série de melhoramentos que muito o beneficiariam.
Tomo a liberdade de chamar à atenção de V. Ex.a para os factos expostos e de solicitar que, com a máxima urgência, seja concedida autorização a esta Câmara para contrair o empréstimo projetado, visto que a demora muito prejudica o concelho e a ação social da Câmara.”
O empréstimo seria autorizado finalmente em Maio de 1938 em Portaria do Governo:
PORTARIA
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro das Finanças, ouvido o Conselho Municipal de Melgaço e tendo em atenção o fim de elevado interesse da obra a realizar, autorizar esta Câmara Municipal, a contratar na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, um empréstimo até ao montante de 417 499$37, amortizável em 15 anos, destinando 245 409$86 para pagamento do saldo do empréstimo em débito à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e o restante, em comparticipação com o Estado com as obras de construções escolares e de um fontanário, reconstrução do caminho do Lugar de Sá e reparações no caminho de Pomares e da estrada da vila.
Ministério das Finanças, em 19 de Maio de 1938.”

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

A Bandeira Real da Misericórdia de Melgaço: algumas notas históricas



No passado domingo, dia 11 de Novembro, voltou à sua casa, a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, a sua Bandeira Real, um dos símbolo máximos da iconografia desta instituição. Trata-se de um pequeno tesouro histórico com mais de 300 anos de antiguidade e que foi alvo de um importante processo de restauro e agora está de volta ao seu lugar.
Temos perante nós um pequeno tesouro do património melgacenses do qual não temos forma de datar com exatidão ainda que seja certo que terá três a quatro séculos de existência. Depois de uma pesquisa ao espólio documental desta instituição, fomos encontrar o registo mais antigo de um ajuste para feitura de uma Bandeira Real da Misericórdia de Melgaço, como esta. De facto, a 2 Fevereiro de 1591, é feito um contrato entre a Misericórdia, sendo provedor Gil Gonçalves Leitão, e António de Figueiroa, para este pintar o retábulo da Igreja, fazer umas grades e fazer a Bandeira Real, pelo preço de 56.5000 reais. Recebeu apenas 43.520 reais em dinheiro, dada a falta de recursos da Misericórdia, pelo que se decidiu "dar-lhe em satisfação do remate de pagua huma cruz que a Casa tinha a qual foi pesada nesta vila na feira por hos hourives de Salvaterra que a ela costumão vir e pesava (rendeu) doze mil novecentos e oitenta reais", segundo anotação documental.
Na Bandeira Real desta confraria, encontramos dois painéis pintados em tela que assenta sobre a estrutura de madeira, um na parte frontal e outro no verso. Na parte frontal, encontra-se representada a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia, com um vasto manto azul celeste, aberto por mãos de anjos, sob o qual se abrigam representantes de vários poderes terrenos e grupos sociais.
Sob o manto, encontramos representados do lado direito, em primeiro plano, o papa com a tiara papal pousada ao seu lado como autoridade máxima da Igreja Católica na Terra. Imediatamente nas suas costas, podemos ver um cardeal como a mais alta autoridade religiosa no Reino. Num plano secundário, podemos ver vários clérigos e uma discreta personagem masculina de vestes de cor cinzenta da qual não conseguimos descortinar o seu significado com certeza. Poderá representar o povo ou então um mendigo.
Na Bandeira Real da Misericórdia de Melgaço, ao contrário da generalidade das bandeiras de outras confrarias, não aparece representado o rei. Uma possível explicação para tal seria o facto de a bandeira ter sido feita e pintada durante o período filipino, não querendo a confraria perpetuar a figura de um rei espanhol numa das peças com maior significado na confraria melgacense.
Curiosamente, enquanto que as personagens masculinas aparecem do lado esquerdo, nesta bandeira, do lado direito, aparecem apenas figuras femininas. Em primeiro plano, aparecem duas mulheres, que pelas vestes, seriam de uma elevada posição social, provavelmente nobres. Em plano secundário, podemos ver uma freira e diversas figuras femininas com menor definição.
Nas margens da parte frontal aparecem inscrições em latim que apresentam algumas incorreções: MISERICORDIA DOMINI PLENA EST // TERRA VIRGO ESUNCULARIS INTER UMVES. MITES. ES // SUB TUUM PRESIDIUM CUMFIGIMUS // MON S. TRA AE S. T. MOTREM SUMAT PORTE PRECES. Tais inscrições significam: “A Terra está cheia da misericórdia do Senhor (margem superior); Virgem única, de entre todas a mais gentil (margem direita); Sob a tua proteção nos recolhemos (margem inferior); Mostra que és mãe fazendo chegar-lhe as preces (margem inferior).
No verso da bandeira, existia uma outra pintura onde aparece representada a Senhora da Piedade na cena “Lamentação sobre Cristo deposto da Cruz”. No lado esquerdo, vemos S, João que secunda a Virgem Maria e ampara o corpo do Filho morto, com o braço pendente paralelo ao da Mãe. Junto a Cristo, Maria Madalena, de manto amarelo, é secundado por duas outras mulheres que fazem gestos de lamentação. Por trás da cruz, que pontifica ao centro e em cujos braços se vê pendurado o lençol usado na deposição, vê-se o céu preenchido por nuvens escuras.
A Bandeira Real era em tempos antigos o maior símbolo da confraria nas maiores celebrações que a Santa Casa promovia: A Festa da Visitação e a Procissão da Quinta Feira Santa, também chamada dos Penitentes ou dos Fogaréus, com muita tradição em Melgaço nos séculos XVI, XVII e XVIII. Em relação a esta última, temos registos documentais que descrevem a forma como tudo decorria. Assim, na Quinta Feira Santa, às oito horas da noite, saía da igreja a procissão com todos os irmãos da Misericórdia, uns de opa preta, outros de fato preto em símbolo de luto. À frente ia o escrivão com a Bandeira Real da Confraria, ladeado por dois mesários, cada um com tocha acesa ou com pinhas a arder, daí chamar-se Procissão dos Fogaréus. Atrás vinha o provedor do ano findo com o crucifixo (quando estava ausente ou não podia comparecer, era o provedor em exercício), ladeado por dois irmãos com tochas acesas. Depois seguia o andor do "Ecce Homo" acompanhado por duas ou quatro lanternas acesas. Os penitentes entrecortavam as insígnias da Paixão do Senhor, que eram conduzidas por irmãos da Misericórdia entre a bandeira e o crucifixo. Os irmãos envergando opas e portando tochas acesas, contornavam o centro da vila, onde se juntavam encapuçados, depois de andarem pelas ruas do percurso e muito à frente da procissão cantando, em voz de falsete, os mexericos e segredos da terra de um ano inteiro. Caminhavam a seguir os capelães da Misericórdia, de sobrepeliz e atrás, de fato preto, os irmãos que não tinham capa e os homens estranhos à confraria, segurando todos eles velas na mão direita. Os padres rezavam a ladainha de todos os santos e o grupo ia respondendo.
Agora esta valiosa peça do património da Misericórdia melgacense está de volta mas impecavelmente restaurada.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Livro "Melgacenses na I Grande Guerra (e outras guerras do século XX)"



Domingo, dia 11 de Novembro de 2018, assinala-se um século sobre a assinatura do Armistício que punha fim à Primeira Grande Guerra, um conflito onde combateram dezenas de melgacenses e onde alguns deles tombaram em combate.
Da investigação de Joaquim A. Rocha e Valter Alves, nascerá, muito em breve, um livro onde os autores pretendem perpetuar a memória destes valentes combatentes filhos desta nossa terra. No prefácio desta obra, pode ler-se: “Foi há pouco mais de 100 anos que os primeiros soldados do contingente que Portugal enviou para combater em França na I Guerra Mundial chegaram à Flandres. Em África, já combatiam os alemães desde 1914.
Com base nos dados de que dispomos, de Melgaço, partiram para a Flandres, 73 homens, oriundos das diversas freguesias. Estes homens foram autenticamente “roubados” às suas vidas e obrigados a ir para uma guerra para a qual não estavam preparados. Paderne, com 14 homens, Penso, com 12 homens e Vila, com 14 homens são as freguesias melgacenses que mais contribuíram em termos de número de efetivos. Estes homens da nossa terra, feitos soldados, tinham todos à data do embarque, idades entre 22 e 27 anos completos (nascidos entre 1891 e 1895), à exceção dos oficiais que eram um pouco mais velhos.
Assim, entre Janeiro e Novembro de 1917, partiram estes homens do Cais de Alcântara, rumo ao porto de Brest (França) numa viagem de navio de vários dias. Daí seguiram de comboio até à zona sul da Flandres francesa perto de Armentières, nos vales dos rios Lys e Aire.
Depois de uma curta estadia em Brest, porto de desembarque das tropas portuguesas, seguia-se o transporte, de comboio, até à região de “Aire”, zona destinada às tropas do Corpo Expedicionário Português.
E foi num clima agreste, de neve, chuva e frio, língua e costumes tão diferentes dos seus, que estes homens da nossa terra e as tropas portuguesas tiveram de suportar mais de um mês de treino complementar, junto do exército britânico, para se poderem “familiarizar” com as armas inglesas com que iam combater e com as novas formas da guerra que iam conhecer de perto.
Na frente europeia, dos 73 homens naturais de Melgaço que partiram, 10 morreram caídos em combate ou devido a outras causas como doenças. O primeiro melgacense a morrer em combate foi o soldado António Alberto Dias, natural do lugar da Verdelha (Paderne) que faleceu a 9 de Outubro de 1917 na Flandres (França).
Quatro dos caídos em combate, faleceram durante a Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). Foram eles os soldados José Cerqueira Afonso, de Paços (Melgaço); José Narciso Pinto, de Chaviães; João José Pires, de Paços e o segundo sargento António José da Cunha, natural da freguesia da Santa Maria da Porta (Vila de Melgaço). O último pertencia ao 6.º Grupo de Baterias de Metralhadoras e os três primeiros eram soldados que pertenciam à 4ª Brigada de Infantaria do CEP, Regimento de Infantaria n.º 3 (Viana do Castelo). Esta era conhecida como a Brigada do Minho, a que pertenciam a grande maioria dos soldados melgacenses, e já tinha conquistado uma reputação de bravura na frente de batalha muito antes de lhe ser confiada, em Fevereiro de 1918, a defesa do sector de Fauquissart, em Laventie, na Flandres francesa, perto da fronteira com a Bélgica, onde ainda se encontrava nesse fatídico dia 9 de Abril de 1918, quando foi dizimada pelos alemães na dita batalha de La Lys.
Os soldados da Brigada do Minho tinham passado a noite de 8 para 9 de Abril a arrumar armamento, munições e outros equipamentos e seus pertences. Iam ser rendidos por batalhões ingleses no dia 9 e hoje em dia acredita-se que os alemães sabiam disso. Sabiam também que a infantaria portuguesa não estava preparada para aquela guerra e que tinham sido treinados à pressa numa falácia vendida pelo regime republicano que apelidaram de “Milagre de Tancos”. Os soldados de Melgaço e de outras regiões eram lavradores, pedreiros e de outros ofícios. Muitos deles nunca tinham saído da sua terra. A grande maioria nem sabia ler e escrever. Um soldado não se faz num par de meses. Esta batalha foi, por essas e outras razões, um dos maiores desastres de toda a História Militar portuguesa. No dia seguinte, chegara a hora de contabilizar as baixas: 398 mortos (369 praças e 29 oficiais) e uma esmagadora maioria de prisioneiros (6585, dos quais 6315 eram praças e 270 oficiais). Na 4ª Brigada de Infantaria, à qual pertenciam maioria dos melgacenses, as baixas situam-se em cerca de 60% entre mortos, feridos e prisioneiros. No Regimento de Infantaria 3 (Viana do Castelo), as baixas cifram-se em 570, de um total de 700 homens que estavam em posição naquela noite. Deste total de baixas, houve registos de 91 mortos (4 de Melgaço), 155 feridos, 7 desaparecidos e 317 soldados feitos prisioneiros. Deste total de prisioneiros de guerra, nove soldados eram melgacenses. Inicialmente, estes homens foram dados como “desaparecidos em combate” e esse facto foi comunicado às famílias. Vários meses mais tarde, após o fim da guerra, em Novembro de 1918, a Comissão dos Prisioneiros de Guerra, comunicou que estes homens se encontravam em campos de prisioneiros na Alemanha, pondo fim a meses de sofrimento dos soldados e das suas famílias que os julgavam mortos. Na realidade, estes melgacenses foram todos capturados durante a Batalha e levados para campos de prisioneiros na Alemanha. Eram eles os soldados Mário Afonso, de Santa Maria da Porta; António Fernandes, de Penso; Abílio Alves de Araújo, da Gave; Avelino Fernandes, de Alvaredo; António José Rodrigues, de Paderne; Inocêncio Augusto Carpinteiro, de S. Paio; Justino Pereira, de Cubalhão; António dos Reis, da Rua Direita (Santa Maria da Porta) e António Pires, de Rouças, tendo ficado dispersos por vários campos de prisioneiros na Alemanha.
Depois de La Lys, o C.E.P. não mais participou em operações militares relevantes ficando na dependência dos ingleses e relegado para tarefas secundárias.
Os que tombaram, repousam para sempre no Cemitério Militar Português de Richebourg l`Avoué (França). Os que regressaram, muitos deles voltaram com os traumas próprios de um conflito que a humanidade nunca tinha conhecido ou com os problemas de saúde que os acompanharam durante o resto das suas vidas.
Por tudo isto, estes homens foram heróis e merecem a nossa homenagem. Para que nunca sejam esquecidos!"