sexta-feira, 30 de março de 2018

As apreensões de contrabando em Melgaço nos jornais de há mais de 100 anos atrás


Antiga Ponte Internacional de S. Gregório sobre o rio Trancoso (1903)

Os estudos sobre o fenómeno do contrabando nas fronteiras de Melgaço são muito concentrados no período histórico respeitante ao Estado Novo. Contudo, o contrabando nesta região é tão antigo como a definição das fronteiras há muitos séculos atrás, apesar de as fronteiras melgacense estarem muito bem guardadas, sobretudo desde meados do século XIX.
Pela leitura dos jornais melgacenses de finais do século XIX e início do século XX, ficamos a saber que o fenómeno estava bem vivo e os periódicos locais, regularmente, publicavam notícias sobre as apreensões realizadas por cada posto da Guarda Fiscal. É curioso que as mercadorias apreendidas com mais frequência eram tecidos de lã e algodão, açucar, tabaco e azeite.
Partilho com vocês dois recortes de jornais melgacenses da época que nos relatam apreensões de contrabando pelas autoridades em vários pontos de Melgaço. O primeiro recorte foi extraído do jornal de Melgaço “A Espada do Norte”, da sua edição de 29 de Dezembro de 1892 e fala-nos de:
“Apprehensões
Eis aqui as apprehensões realisadas nos diferentes postos d’esta secção durante o mez corrente:
Pelas praças do posto de Pousafolles, foram apprehendidas diferentes fazendas de lã e algodão, no valor de 10 000 réis.
Pelas mesmas praças, 200 grama de tabaco em charutos, no valor de 900 réis.
Pelas praças do posto fiscal de S. Gregório, differentes géneros alimentícios  algumas fazendas de lã e algodão, no valor de 3130 réis.
Pelas praças da columna volante, azeite, assucar e algumas fazendas de algodão, no valor de 3000 réis.
Pelas praças do posto de Cevido, differentes fazendas de lã e algodão, azeite e assucar, tudo no valor de 5000 réis.
Pelas praças do posto de de S. Martinho, 2 chailes d’algodão, azeite, arroz, assucar e tabaco, tudo no valor de 10100 réis.
Pelos 2 polícias fiscaes, em serviço n’esta vila, foi apprehendido 1 kilo de tabaco, no valor de 4500 réis.”

extraído do jornal "A Espada do Norte", edição de 29 de Dezembro de 1892

Folheando o jornal “Correio de Melgaço”, na sua edição de 28 de Julho de 1912, podemos ler acerca de mais apreensões de contrabando feitas pela guarda fiscal e não só. A notíci diz o seguinte:
“No dia 23, os soldados da guarda fiscal, João Luiz Lourenço, José Albano Domingues, Manuel Esteves Pinto, Manoel de Faria e os agentes da Companhia dos Tabacos, apreenderam a Bento Domingues, do lugar das Bouças, de Alvaredo, um revolver espanhol, uma camisola e algum tabaco, pelo que teve que pagar 16$400 réis de multa.
No mesmo dia, pelas 21 horas, os empregados acima referidos, apreenderam a Manoel Martins e Manoel Inácio, do mesmo lugar e freguesia, diversos tecidos de lã e algodão, no valor de 6$060 réis, tendo de pagar 27$5755 réis de multa.
No dia 26, os guardas do posto fiscal de Alcobaça, apreenderam a Rosa Domingues, diversos retalos de tecidos de algodão, azeite e arroz, no valor de 2$500 réis, pelo que pagou 9$590 réis de direitos e multa”

extraído do jornal "Correio de Melgaço", edição de 28 de Julho de 1912

sexta-feira, 23 de março de 2018

A paróquia de Lamas de Mouro (Melgaço) descrita no século XVIII



A igreja paroquial de Lamas de Mouro terá pertencido, em tempos medievais, aos templários, e ainda hoje apresenta vestígios românicos tendo por função ser o baptistério das aldeias circundantes. Os detalhes do românico encontram-se tanto nas portas, especialmente a lateral de norte, como nas próprias paredes, cujas pedras estão pejadas de siglas.
Segundo uma confirmação de 21 de Abril de 1355 feita pelo pároco ao bispo João de Tui, a igreja de Lamas de Mouro tinha como padroeiros os cavaleiros de S. João do Hospital.
Pelo Censual de Dom Manuel de Sousa (1545-1549), a Igreja de S. João foi avaliada em 10.000 reis. No Censual de D. Frei Baltazar Limpo (1551-1581) aparece como pertencendo à “Terra de Melgaço” sendo da colação do Arcebispo. A comarca de Valença obtinha dela um benefício de 3.000 reis.
Chegados ao século XVIII, dispomos de duas importantes fontes históricas para traçarmos uma quadro realista sobre a realidade de Lamas de Mouro nesta centúria. Uma dessas fonte de informação é a obra “Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal”, do padre Carvalho da Costa, publicada em 1706, diz-nos que “S. João de Lamas de Mouro é Abbadia do Ordinario, rende quarenta mil réis, tem quarenta vizinhos, que são privilegiados de Malta pela Commenda de Távora, a que pagão muito foro, não sendo a terra por ruim capaz de tanto. Dizem que algum tempo foy esta Igreja de Templários e delles, quando se extinguiram, passou aos aos Maltezes. O como saiu deles para o Ordinário não alcançámos, que naquelles tempos os mais dos contratos eram verbaes. Aqui nasce o rio Mouro, nome que tomou daquelle poderoso, ou régulo , de que já falámos, e que neste monte tinha sua coutada de recreação para caçar. O rio ainda que pequeno, dá saborosas trutas, e se engrossa com o da Mendeira, que pouco abaixo lhe entra.”
Uma outra importante fonte que nos ajuda a conhecer esta terra são as Memórias Paroquiais de 1758, datadas de 22 de Maio desse ano. Nelas, o pároco de Lamas de Mouro à época, Constantino Dias, respondeu ao Inquérito afirmando que na freguesia viviam “dezoito vizinhos, carenta e cinco pessoas de sacramento, menores cinco, tem mais treze de sacramento…” Neste caso, o termo “vizinhos” não se refere ao número de pessoas mas sim ao número de fogos (agregados familiares).
É curioso a forma como o abade explica a origem do topónimo “Lamas de Mouro”. Segundo o mesmo, “chama-se a esta freguesia Lamas de Mouro e tomou o apelido “de Mouro” porque dezião os antigos que fora aqui mesquita de mouros”. Não se conhece documentação ou prova arqueológica que suporte esta anotação. Atualmente, aceita-se que o nome da freguesia e paróquia se deva ao facto de aí nascer o rio Mouro. A origem para o pequeno curso de água  se designar de “Mouro”, leva-nos, segundo Pinho Leal, ao tempo da presença dos mouros na Península Ibérica, que, nesta região, nunca foi significativa. No livro “Portugal Antigo e Moderno”, volume 4, publicado em 1874, o autor refere que por aqui um mouro chamado Jusão tinha uma coutada para caçar. Na memória paroquial, o pároco refere que “nasce na freguesia um rio chamado de Mouro que principia na Serra do Lagarto e corre no estreito desta freguesia, vagaroso, tem um pontilhão chamado a Ponte de Mouro, tem três moinhos (…). Nesta freguesia não tem senão hum pontilhão de pedra e no sítio chamado de Porta Trabaços tem humas passadiças de pedra.” 
O abade refere-se também àquilo que se cultivava na paróquia, mencionando que “Os frutos da terra hé centeio, não se recolhe outro fruto senão linho (…) As terras são poboadas de hurzes, carrameijas, carqueijas, tojo e penhascos, em algumas partes da serra se semea nellas chamados labores, não dá senão (centeio) … Cream-se nesta terra gados grandes, cabras e obelhas, lobos, jabalizes, veados, coelhos, perdizes, codornizes e rollas”. Claro que tais aspetos estavam relacionados com o ritmo climático ao longo do ano. A este respeito, o padre carateriza o tempo em Lamas da seguinte forma: “A qualidade do seu temperamento é no tempo do Verão quente e no Inverno (…) cair muita neve que nella permanece mais de oito dias, dez, doze e quinze.”
A paróquia de Lamas de Mouro seria, neste século XVIII, uma comunidade pequena vivendo da agro-pastorícia e alguma caça. Os seus rendimentos eram poucos e deles tinham de retirar o valor 35.000 réis de foro que pagavam aos religiosos da Ordem de Malta.
O pároco refere ainda que a igreja tem “três altares”, sendo “o principal de S. João Baptista, outro a Senhora dos Remédios e outro de S. Gonçalo” acrescentando que a paróquia “não tem irmandades”.
A paróquia “não tem correyo e serve-se do correyo de Monção que dista della coatro legoas”.


Fontes Consultadas:
- Memórias Paroquias de Lamas de Mouro, Valadares (1758);
- COSTA, Carvalho (1706) - Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal. Lisboa.
- LEAL, Augusto Pinho (1874) - Portugal Antigo e Moderno. Volume IV; Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Estórias antigas do contrabando do café em Melgaço


O contrabando do café e de outras mercadorias em que a Espanha franquista era deficitária mobilizou um número significativo de pessoas em Melgaço e noutros municípios raianos do Minho que fizeram da região uma complexa base logística de contrabando de algumas mercadorias que asseguravam uma alta rentabilidade. Esta prática minorou as dificuldades na subsistência de muitas famílias de ambos os lados da fronteira. Contudo, muitas das famílias dos contrabandistas ficaram marcadas pela repressão e a cadeia…
Em http://iasousa.blogs.sapo.pt/87445.html encontramos um extrato de testemunhos orais de quem vivenciou a atividade do contrabando do café: “O Sr. António Cândido Rodrigues, natural de Chaviães, morador na Vila, mais conhecido por “Toninho do Talho” diz que começou no contrabando quando tinha 12 anos (1947).
 As fronteiras estavam controladas através dos postos, cada qual com a sua área demarcada “…a minha área era entre o posto de “Portovivo”, em Chaviães e o de Paços, ambos junto ao rio…comprava o café na Loja Nova ao Manuel da Garagem e transportava-o na carroça do “Ronho” e tentava “filtrá-lo” pelos postos … passava o café numa batela pelo rio…ao chegar ao lado espanhol também tentávamos esquivar-nos aos carabineiros … depois da guerra era o café, o sabão, o azeite, o açúcar que iam para Espanha…”.
No tempo do café o Sr. António recorda “…tinha um sócio e no posto de “Portavigo” um guarda apanhou-me 10 embalagens de café Sical…ele queria uma importância para deixar a mercadoria … eu disse-lhe que essa mercadoria não era só minha e pedi-lhe para deixar passar essa que mais tarde passaria com outra e já lhe deixaria ficar alguma coisa…era o passares…eu sabia que no outro dia esse guarda iria ser transferido para o posto de Cevide…nós sabíamos de tudo…vigiávamos constantemente os guardas…
Frequentemente, sobretudo os pequenos contrabandistas, eram apanhados pelas autoridades, quer do lado português, quer do lado espanhol. Normalmente, o facto de uma pessoa ser apanhada não significava que deixasse de praticar o contrabando. Dando uma olhadela pelos jornal galegos de época, podemos observar noticiadas várias situações de prisão de melgacenses e apreensões de mercadorias de contrabando dos dois lados da fronteira.  Nas duas notícias que aqui apresento, podemos ver que um tal David Teixeira, melgacense que era taxista em 1971 e por isso circulava com frequência entre os dois lados da fronteira, foi apanhado nas malhas do contrabando do café pelo menos duas vezes, sempre do lado galego. Numa das apreensões, o volume da mercadoria ascendia a duas toneladas e meia. As notícias distam no tempo cerca de 19 anos sendo que a mais antiga refere-se a acontecimentos de 13 de Março de 1952:
“Pontevedra - Em la parroquia de Cequeliños, del Ayuntamento de Arbo, fueron sorprendidos los vecinos de la misma, Manuel Garcia Estévez y Valentin Gonzalez Fernandez, que com otros sujeitos, al parecer portugueses, que se dieron a la fuga, transportaban  558 kilogramas de café, que habian introducido procedente de Portugal por el rio Miño. De las gestiones practicadas por las autoridades parece deducirse era propriedad de David Teixeira, vecino de Melgazo (Portugal).”

(Jornal “La Noche”, edição de 13 de Março de 1952)

Dezanove anos mais tarde, mais concretamente em 1971, o mesmo Sr. David Teixeira é notícia pelo mesmo motivo, ou seja, por ter sido apanhado na Galiza com café de contrabando proveniente de Portugal:

“Café de contrabando
José Fernández Fernández, de 54 anos, vecino de San Cristóval - Monterrey, fue sorprendido por fuerzas de vigilancia fiscal del puesto de Cualedro, que cuando se disponia a trasladar a su domicilio 60 kilos de café tostado de procedência portuguesa que instantes antes habia comprado a un desconocido. La mercancia, valorada em 6000 pesetas quedó a disposición del Tribunal Provincial de Contrabando.
También fueron intervenidos otros 12 kilos de café tostado por fuerzas de la Guardia Civil de Cortegada, que David Teixeira, vecino de Melgazo - Portugal, taxista, transportaba debajo de los asientos de su vehiculo MO-53-73. La mercancia, valorada en 1200 pesetas quedó a disposicion de la autoridad competente.”

(Jornal “El Pueblo Gallego”, edição de 1 de Abril de 1971)


Fontes consultadas:
- Jornal “La Noche”, edição de 13 de Março de 1952;
- Jornal “El Pueblo Gallego”, edição de 1 de Abril de 1971.

sexta-feira, 9 de março de 2018

As Águas de Melgaço nos seus primórdios na imprensa




A descoberta das propriedades das águas do Peso (Melgaço) só foram identificadas em 1884, aquando de um caso da esposa de um médico de Vila Nova Cerveira, que sofria de uma doença de estômago e se conta que se curou. A fama das águas depressa se espalhou e em 1885 Bonhorst efectuou as primeiras análises, ano em que também foi construída uma primeira oficina de engarrafamento, em madeira, sobre a fonte Principal. Alfredo Luíz Lopes, em 1892, descreve essa construção e o projecto de uma nova exploração: Pensa-se, porém, em constituir uma companhia que lhe desenvolva a exploração. Hoje são em grande número as garrafas transportadas para diversas terras do Minho e principalmente para o Porto, onde existe um depósito especial, bastante afreguesado.
Contudo, já em data anterior, no jornal galego, “Crónica de Pontevedra”, na sua edição de 31 de Agosto de 1888, podemos ler que as Águas de Melgaço eram vendidas engarrafadas em várias farmácias ou drogarias galegas em Baiona, Vigo ou Gondomar. O engarrafamento era realizado pelo farmacêutico Domingos Ferreira de Araújo, proprietário da farmácia “Ferreira de Araújo”, que ficava na vila de Melgaço. Ele próprio as certificava e garantia a sua qualidade. Podemos ver tal informação neste recorte do jornal:

“De utilidad
Aguas ferruginosas-alcalino-litiníferas de Melgazo, Alto Minho (Portugal). Segun el análisis de estas aguas, reconocido por el Doctor D. Antonio Casares, distinguido quimico de Santiago, se vé claramente que son muy útiles en las dispepsias y otros padecimentos del estomago, en las afecciones del higado, vegiga, etc., sustituyendo por esto com ventaja á las de Mondariz.
Se venden embotelladas recientemente por el farmaceutico de Melgazo D. Domingos Ferreira de Araujo,  en las farmacias de los Srés. Espinosa, en Gondomar, y del Rio Gimenez, en Bayona, y en la Drogueria de los Sres. Bermejo Perez y Puente, en Vigo.
Estas botellas llevan el nombre impresso del farmaceutico de Melgazo, para evitar falsificaciones.”



Melgaço e as suas águas sempre tiveram o efeito benéfico  para o corpo e para a alma de quem nos visitava. Às vezes, a descontração na hora de partir até era demais. Se não atente nesta notícia extraída do periódico “La Correpondencia Gallega” que remonta a 3 de Julho de 1901:
“Buen hallago
Unos acaudalados portugueses que regresaban á Lisboa de las aguas de Melgazo, al tomar el tren correo en la estoción de Arbo, dejaron olvidada en la sala zaguán una bolsa de mano que contenía treinta mil pesetas en valores y albajas.
Recogida por el jefe de la estación D. Félix Blanco, telegrafió su hallago á Guillarey, desde cuyo subió á recogerla su dueño en el tren correo ascendente del mismo dia.
Digna de alabanza es la conducta de este empleado del ferrocarril.”




Fontes consultadas:
- Jornal “La Correpondencia Gallega”, edição de 3 de Julho de 1901.
- Jornal “Cronica de Pontevedra”, edição de 31 de Agosto de 1888.
- Lopes, A. L. (1892) - Águas Minero-medicinais de Portugal. Lisboa.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Reportagem RTP1 - Visita do Presidente Mário Soares a Melgaço (1992)



Recuamos 26 anos até ao dia em que Melgaço recebe a visita do então Presidente da República. Podemos ver aqui uma pequena reportagem da RTP1 emitida no Telejornal de 22 de Setembro de 1992, referente à visita de Mário Soares, presidente da República a Melgaço nesse mesmo dia. No vídeo, podemos ver pequenas entrevistas a habitantes que o aguardam sobre as necessidades mais prementes da região bem como a chegada de Mário Soares aos Paços do Concelho. De seguida podemos ouvir um excerto do discurso de Rui Solheiro, então Presidente da Câmara Municipal de Melgaço e de Mário Soares. Posteriormente, podemos ver imagens da inauguração do Mercado Municipal, seguida de uma visita às Termas do Peso e um passeio de helicóptero sobre as terras altas do concelho...