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domingo, 31 de agosto de 2014
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
"Branda da Aveleira, herança de pastores" (Reportagem do Jornal PÚBLICO) - Parte II
Vista sobre a Branda da Aveleira
"(...) Caminhar é, aliás, o que melhor se pode fazer por aqui,
onde começa aliás o trilho dos brandeiros, um percurso de 14 quilómetros de
moderada dificuldade que, entre os vales do rio Vez e do rio Mouro, nos leva
pelas rotas e abrigos dos pastores de Gave. Bem mais acessível é o passeio
pelas ruelas estreitas da branda, nas quais é possível espreitar a passagem do
tempo na grossura centenária dos troncos dos castanheiros, nas construções em
ruína ou em recomposição, ou senti-lo no musgo que dá cor aos muros de granito
irregularmente sobreposto. No vale que se abre para as duas encostas por onde
se espalha o casario, o Aveleira, um afluente do Vez onde alguém teve a infeliz
ideia de criar uma zona seca atirando cimento para o leito, insinua a sua
presença, misturando-se com ruído do gado que lhe apara a margem e com uma ou
outra ave de rapina que fazem de todo o espaço que a vista alcança a sua
coutada de caça.
Não estamos longe de uma das mais belas entradas no
Parque Nacional da Peneda-Gerês. Lamas de Mouro, na sua planáltica brandura, é,
sombreada por carvalhos, bétulas e camacíperes, um fértil contraste com algumas
das encostas rochosas, esculpindo broas de pão, como descreveria Miguel Torga,
que nos balizam o caminho, por estrada, até lá. Estrada que, nos primeiros
quilómetros, até começa por nos oferecer um insólito contraste entre o
"relvado" verdejante do Lameiro da Porteira, onde é fácil encontrar
alguns garranos ou famílias de vacas em ameno piquenique, e o campo de futebol
pelado que nos implora, do outro lado da via, relva, uma bola e jogadores que
não há.
O que há é um cruzamento, no sítio do Batateiro, que
podemos tomar como ponto de partida para um percurso, vá lá, circular - pelo
menos capaz de pôr a cabeça de alguns passageiros a andar à roda, de tão
sinuoso o caminho. Lamas de Mouro está para nordeste - e de lá, Castro
Laboreiro, a sete quilómetros, pede um desvio que, desta vez, resistimos a
fazer. Seguimos de Lamas para sul, iremos ao encontro de um santuário singular
que, inspirado no Bom Jesus de Braga, espalha encosta abaixo o seu escadório,
erguendo-se o templo à sombra da montanha que lhe dá nome. A senhora da Peneda
é lugar a visitar em qualquer altura do ano, sendo que vale para alguns o aviso
de que, na primeira semana de Setembro, durante a romaria, o lugar e toda a
estrada desde Lamas de Mouro são expropriados por milhares de peregrinos e
respectivos carros e autocarros, tornando difícil, muito difícil mesmo, a
circulação.
Para Sul temos Rouças e, seguindo então de aqui para
Norte, de novo a caminho do cruzamento do Batateiro, entramos em terras da
Gavieira, onde, com alguns desvios a pedir força nas pernas, podemos perder o
sentido das horas em algumas das suas brandas, de entre as quais São Bento do
Cando, com a sua capela, é a mais famosa. Separados da Peneda por um vale e uma
coluna de granito do mais agreste e imponente que se vê por aqui, a estrada
leva-nos já para a casa dos últimos dias. O sol trocou-nos por um mergulho no
horizonte a oeste, mas o gado, esse, tomou as ruas e os quintais, fazendo pouco
do direito à propriedade privada e lembrando o tempo em que, na solidão da
serra, ninguém se lembraria sequer de o invocar. E aceitamos, então, a sua
ruminante companhia..."
FIM
Extraído de:
- "Branda da Aveleira, herança de pastores", reportagem da autoria de Abel Coentrão e Nelson Garrido. in edição do Jornal Público de 27/10/10.
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
"Branda da Aveleira, herança de pastores" (Reportagem do Jornal PÚBLICO) - Parte I
Na Branda da Aveleira
"Curvas incontáveis levam-nos de Melgaço a uma antiga
aldeia de Verão de pastores nas costas da serra da Peneda e às portas do único
parque nacional do país. É a Branda da Aveleira.
Um grito controlado rasga o inumano silêncio que acoberta
a mancha granítica. É, urbanamente, de madrugada, mas a urbanidade ficou a 25
curvosos quilómetros de distância, no hiper de Melgaço em que se garantiu a
sobrevivência para meia-dúzia de dias. Ah, ok!, temos o frigorífico, e a placa
de vitrocerâmica; o micro-ondas e o aquecimento; e temos um televisor que,
apesar das moscas, ainda nos põe dentro da casa o país, lá longe, e Espanha
aqui ao pé. Mas fora isto, ou fora disto, para lá da grossa porta de madeira, o
tal grito irrompe da noite dos dias, organizando o gado a caminho do alto desta
montanha como sempre se fez, desde que homens e vacas se tornaram inseparáveis
e encontraram refúgio neste lugar a que chamam Branda da Aveleira.
Continuam inseparáveis, por aqui, as duas espécies. Ainda
que sejam muito poucos os homens e mulheres para os animais que pastoreiam,
como souberam os urbanos mais distraídos pelo filme de Jorge Pelicano, é mesmo
verdade que, em Portugal, ainda há pastores. A diferença, no caso deste lugar
pertencente à freguesia de Gave, é que eles não precisam de passar as noites
com os seus animais, graças aos carros e motas que, há umas décadas, pela mesma
altura em que uma canção dizia que o vídeo matara a estrela da rádio, já
andavam também a "matar" esta e outras brandas da Peneda-Gerês.
Casario que, sem gente para o aconchegar, aceitou, na solidão dos dias, o afago
das silvas. E quase desapareceu debaixo delas.
Antes dessa revolução na mobilidade - a mesma que nos
trouxe aqui, que de outra maneira não haveria fôlego para tanta lonjura - estes
aglomerados de rudes construções de granito eram autênticas aldeias de Verão,
também chamadas por isso, e por alguns, Verandas. Erguidas mais perto do alto
das montanhas, nelas os pastores passavam os dias entre Maio e Setembro,
acompanhando o gado que, nas cumeadas da serra, encontrava, e encontra, pasto
fresco, no clima, esse sim, brando. Os primeiros raios do dia transportam essa
memória no indisfarçável diálogo entre uma mulher e a sua manada, que galgam os
caminhos indiferentes à inclinação da montanha. E esta, se não tem uma sineta
ao pescoço, intromete-se na conversa, haja vento para isso, com o som seco das
torres eólicas que, há alguns anos, fizeram ninho nos cumes à volta.
Há apenas um outro pastor na serra, mas há gente na
aldeia. Lá em baixo, mais perto do riacho que nos há-de refrescar, um casal
reconstrói, fim-de-semana após fim-de-semana, pedra após pedra, o seu refúgio
familiar. Mas no resto, em pelo menos nove habitações, são os turistas que
ajudam a reconstruir esse sentido de abrigo que durante séculos, escapava,
quente, das chaminés escondidas pelos castanheiros. Várias das antigas casas e
cortelhas foram recuperadas e, como se viu à chegada à branda e ao texto,
equipadas com os confortos que a cidade tem para dar, procurando assim os seus
donos que a cidade dê também o que tem de sobra: almas em transumância entre a
rotina do trabalho e a rotina da casa, que roubam minutos aos seus dias a
planear aquilo a que, sinal dos tempos, se designa hoje em dia por escapadas...
ou fugas.
Não somos diferentes. Animais fugindo ao rigor do estio e
à cidade onde, para muitos, já nada refreia a saudade de uma natureza que
afastamos para longe. E aqui, se o quisermos, se desligarmos a televisão,
deixando Espanha para lá dos montes a norte e nordeste e Portugal nas nossas
costas, separado de nós pelas serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês,
estamos, de facto, refugiados. Protegidos de quase tudo e, assim, permeáveis ao
negrume da terra humedecida pelo orvalho da manhã, aos cheiros, sons e à
solidão aparente da paisagem. E permeáveis até aos seus sabores, se viermos no
tempo das amoras que tingem os lábios e, quando caem, grande parte dos
caminhos."
----------------------------------- (CONTINUA) -----------------------------------
Extraído de:
- "Branda da Aveleira, herança de pastores", reportagem da autoria de Abel Coentrão e Nelson Garrido. in edição do Jornal Público de 27/10/10.
domingo, 17 de agosto de 2014
Nos primórdios do Convento de Fiães
Igreja do Convento de Santa Maria de Fiães em 1918
O convento de Fiães é antiquíssimo. Diz-se que já existia
no ano de 851, no tempo de D. Ramiro II de Leão e de sua mulher D. Paterna.
Esta indicação ainda hoje gera discussão já que há autores que colocam a sua
origem no século XII.
Consta que era o mosteiro mais rico das Hespanhas. Tinha
foros e rendas no Minho, Trás-os-Montes e Galiza. Na igreja deste convento
(como na de Alcobaça) havia Lausperene, no verdadeiro rigor da palavra, estando
o santíssimo sacramento em exposição permanente, de dia e de noite.
Tinha regularmente 80 religiosos fora os conversos,
minoristas, leigos, etc. Foram aqui sepultados alguns príncipes, três infantes
e muitos fidalgos, portugueses e galegos que doaram rendas e propriedades ao
convento. Também aqui foi sepultado Fernão Annes de Lima, pai do primeiro
visconde de Vila Nova de Cerveira.
Era um edifício magnifíco que existiu mais de três
séculos em grande prosperidade mas foi destruído por um pavoroso incêndio, onde
arderam todos os papéis do cartório, incluindo todos os títulos das suas rendas
reduzindo os frades à miséria, porque os foreiros subnegaram os seus títulos,
recusando-se a pagar.
Afonso Paes e seus dois irmãos reedificaram o mosteiro
dando-o aos religiosos de Alcobaça. Em 1154, mandaram pedir a Alcobaça um religioso
de S. Bernardo (ordem de S. Bento reformada) para instruir os frades daqui que
queriam adoptar o novo instituto. É por esta altura que o mosteiro adopta a regra de Cister.
Aqui perto, junto à raia fundaram uma aldeia a que
chamaram Alcobaça em honra da vila capital da Ordem. Pagava este convento 40
000 réis à Capela Real e 25 000 réis ao Convento do Desterro em Lisboa. Julga-se,
com fundamento, que este convento foi coutado do seu princípio pois já era
couto no tempo do nosso primeiro rei que lhe confirmou o coutamento, assim como
seu filho, D. Sancho I.
O abade de Fiães tinha jurisdição episcopal,
metropolitana, com recurso somente para o pontífice. O provisor, nomeado pelo
abade, recebia diretamente os breves apostólicos. O arcebispo de Braga não
podia aqui fazer visitas, nem na Orada de Melgaço nem o bispo de Tui as podia
fazer na Azoreira e em Lapela, por serem freguesias que, apesar de estarem
dentro do se bispado, estavam dependentes deste mosteiro. Sendo abade D. João,
deu a condessa D. Frouilla, em 1166, ao mosteiro de Fiães, as quintas da Orada
e de Cavaleiros.
Ainda no fim do século XVI tinha este convento a
apresentação de 20 abadias, entre as quais Lamas de Mouro, Cristoval, Chaviães,
Santa Maria da Porta e Vilela bem como a igreja de Paderne, na Galiza. Tinha
também na Galiza o couto de Freixomo, próximo de Allariz, que lhe doara Fernão
Perez de Sandias, falecido neste mosteiro em 1386, além de outros coutos,
fazendas, granjas e casas em diversos pontos da Galiza.
Como se pode depreender, Fiães foi um mosteiro bastante rico, poderoso e próspero
durante séculos especialmente na Idade Média.
Extraído de:
-
PINHO LEAL, Augusto Soares A. B. (1874) - Portugal Antigo e Moderno (Volume III).
Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa.
terça-feira, 12 de agosto de 2014
Vila de Melgaço no início do séc. XX em postal
Trata-se de um postal de época do início do século XX onde podemos ver uma panorâmica da vila de Melgaço nessa altura.
Entre esta fotografia e a atualidade, são mais de 100 anos de diferença. As diferenças são mais que muitas...
sábado, 9 de agosto de 2014
A fortaleza de Melgaço: Da construção da tenalha à Praça da República
Aspeto da fortaleza de Melgaço no século XVIII, com a tenalha que ocuparia o espaço da atual Praça da República
No século XVII, no contexto da Guerra da Restauração da independência portuguesa (1640-1668), as defesas da vila de Melgaço sofreram obras de adaptação aos avanços da artilharia, recebendo linhas abaluartadas que envolveram o recinto medieval, destacando-se a inutilização da porta meridional do túnel do fosso com a construção de uma nova linha de muralhas, a abertura de uma nova porta no recinto do castelo provido por uma barbacã de porta, o acréscimo de novos elementos como falsas bragas ao redor de todo o perímetro da cerca, seguindo o antigo traçado do fosso, três baluartes orientados para os principais pontos de defesa, e uma tenalha, exteriormente defendida com um través e com uma das portas defendida por uma barbacã poligonal.
Durante as escaramuças fronteiriças com os castelhanos em 1641 (quando daqui partiu a invasão da Galiza por forças sob o comando de D. Gastão de Sousa Coutinho), 1657 e 1666, a fortaleza de Melgaço cumpriu o seu papel de dissuasor de qualquer investida inimiga.
A praça ainda se revestia de interesse estratégico ao final do século, quando sofreu nova campanha de obras. Neste momento foram alteradas as paredes laterais da antiga couraça para uma planta sensivelmente triangular, mantendo a cabeceira semicircular, com porta orientada para a Porta do Campo da Feira, foi atulhado o fosso medieval, aberta uma nova porta na couraça, entre duas casas, na parede voltada a norte para dar acesso a um espaço adjacente à falsa braga.
Sob o reinado de João V de Portugal (1706-1750) uma planta de Manuel Pinto de Villalobos, datada de 6 de novembro de 1713, mostra a vila medieval envolvida por uma fortificação abaluartada. A nova fortificação tinha os baluartes orientados para os principais pontos de defesa: dois para o curso do rio Minho e o terceiro, cobria o flanco meridional, voltado ao rio do Porto e à única ponte que o atravessava. Dos três baluartes o mais importante era o virado a sul, constituído por dois meios baluartes geminados, no local onde hoje existe a praça fronteira à Câmara Municipal. A tenalha, imponente, tinha acesso ao interior por duas portas quase simétricas, uma no enfiamento do caminho que vinha da ponte sobre o rio do Porto (atual Rua Afonso Costa) e a outra na abertura da porta voltada à Rua do Castelo e à Igreja Matriz, defendida por uma barbacã poligonal, destruindo uma das torres da muralha do castelo, e, consequentemente, desmontando o antigo paiol, reconstruído noutro local. A tenalha e a muralha descobertas na Praça da República a fechar uma das passagens do fosso denotam ser uma construção apressada, que utilizou pedra de qualidade técnica aligeirada, de fraco aparelhamento e assentamento irregular.
Posteriormente, uma planta elaborada pelo sargento Gonçallo Luís da Sylva Brandão, com data de 1758, retrata ainda os três principais pontos de abastecimento de água à época: a cisterna, um poço no interior da povoação e a fonte da vila. No ano seguinte, a 8 de outubro de 1759, a praça foi inspecionada pelo Comissário da Vedoria Geral de Província, Estêvão Barbosa de Araújo, acompanhado pelos engenheiros Francisco de Barros e José Maria da Cruz.
Posteriormente, uma planta elaborada pelo sargento Gonçallo Luís da Sylva Brandão, com data de 1758, retrata ainda os três principais pontos de abastecimento de água à época: a cisterna, um poço no interior da povoação e a fonte da vila. No ano seguinte, a 8 de outubro de 1759, a praça foi inspecionada pelo Comissário da Vedoria Geral de Província, Estêvão Barbosa de Araújo, acompanhado pelos engenheiros Francisco de Barros e José Maria da Cruz.
Em 17 de dezembro de 1761 o relatório de inspeção, enviado a D. Luís da Cunha pelo Sargento-mor de Batalha, António Carlos de Castro, referiu a necessidade de duas tarimbas no quartel dos soldados, de se fazer as duas faces do cunhal sul, de se colocar uma porta nova na barbacã da porta, e de refazerem-se as portas de baixo, e serventia da Praça da parte da Galiza. Adicionalmente precisavam-se fazer portas novas para as entradas norte e sul da tenalha, repor cantaria no parapeito da praça na distância de 200 palmos e na altura de 5, mandar fazer as plataformas de madeira para a artilharia, consertar e retalhar os armazéns e o quartel de infantaria, visto estarem em "mizeravel estado", e recomendava-se ainda olear as portas novas e as janelas dos armazéns das armas e da praça, e fazer a porta interior do paiol, que tinha 6 palmos de altura e 4 de largura.
Em 1786, aquando do falecimento do alcaide-mor Sebastião de Castro Lemos, o castelo estava arruinado ou quase todo caído. Nesse ano procedeu-se a reparação do mesmo, em caráter de urgência, mandada executar pelo juiz de fora Dr. António José Pinto da Rocha, com a renda da alcaidaria, tendo-se, no entanto, reparado essencialmente a torre de menagem.
Entre 1789 e 1800 uma nova inspeção à praça de Melgaço descreve-a como obra antiga com uma torre e uma muralha simples, possuindo da parte de fora alguns baluartes "muito pequenos, de pouca consideração incapazes de poder jogar a Artilharia"; os armazéns e os quartéis estavam em grande ruína; declarava-se que a fortaleza não tinha préstimo militar. Nesse período, em 1792 o soberano proibiu a existência de edifício ou cultura dentro dos fossos ou sobre qualquer obra de fortificação das praças e fortalezas da Província do Minho.
Em fevereiro de 1797 teve lugar a inspeção pelo Sargento-mor de Engenharia, Maximiano José da Serra, que determinou a reparação de soalhos e telhados, e a construção de portas e janelas com ferragens adequadas. Nesse mesmo ano foi feitas a reparação do telhado do paiol e do edifício do corpo da Guarda, onde haviam abatido várias "porções" de paredes, construída lareira na Casa da Guarda nos quartéis e conclusão das tarimbas.
Em fevereiro de 1797 teve lugar a inspeção pelo Sargento-mor de Engenharia, Maximiano José da Serra, que determinou a reparação de soalhos e telhados, e a construção de portas e janelas com ferragens adequadas. Nesse mesmo ano foi feitas a reparação do telhado do paiol e do edifício do corpo da Guarda, onde haviam abatido várias "porções" de paredes, construída lareira na Casa da Guarda nos quartéis e conclusão das tarimbas.
Custódio José Gomes de Villasboas, em 1800 descreveu o castelo de Melgaço como “hum castello de construcção antiga, e muralhas altas, em que laboravão algumas peças de que ha pouco se desguarneceo; tem corpo da guarda, e pequenos quarteis, com huma espécie de obra coroa, dominando a estrada que por alli vai a Cristoval para a Galiza”.
No contexto da Guerra Peninsular (1808-1814) quando da primeira invasão do país pelas tropas napoleónicas (1807-1808), as muralhas de Melgaço encontravam-se arruinadas. Por volta de 1808, em uma nova avaliação do estado das fronteiras do rio Minho o engenheiro militar responsável considerou que seria mais vantajoso gastar o dinheiro na construção de pequenas baterias, que se poderiam estabelecer em tempo de guerra em locais oportunos, do que na reparação e conservação daquelas praças.
GUERRA (1926) informa que cabe a Melgaço a honra de ser a terra de Portugal que primeiro se levantou contra o domínio francês, erguendo a bandeira nacional a 9 de junho de 1808. Conservava, naquele momento, 7 peças de artilharia.
GUERRA (1926) informa que cabe a Melgaço a honra de ser a terra de Portugal que primeiro se levantou contra o domínio francês, erguendo a bandeira nacional a 9 de junho de 1808. Conservava, naquele momento, 7 peças de artilharia.
No mesmo momento, o Sargento-mor Engenheiro Custódio José Gomes Vilas Boas descreveu Melgaço como um pequeno recinto que encerrava parte da vila com muralhas altas, mas que tinha um terrapleno com parapeito tão escasso que mal se podia manobrar a artilharia; a única serventia era como ponto de reunião e de permanência temporária, de onde se podia partir para defender a Ponte das Várzeas (15 de junho de 1808).
Em 1810 para a defesa da praça de Melgaço, construíram-se baterias em pontos vitais para a entrada de um exército invasor pela Galiza: uma em São Gregório, outras na estrada entre a vila e a Ponte das Várzeas, outras ainda foram projetadas mas não construídas. Essas baterias de campanha eram feitas com parapeitos de terra, próprias para receber soldados com armas ligeiras, mas também onde se poderiam colocar peças de artilharia.
Em um documento de 23 de maio de 1840 a antiga torre de menagem encontra-se referida como “torre do relógio”, informando-se que o castelo era circundado por exteriormente por um "caminho de piquetes", tendo a leste um hornaveque, e a norte algumas obras baixas; a fortificação encerrava um quartel para uma campanha e um armazém convertido em quartel; o recinto magistral estava em bom estado, o castelo tinha uma parte da muralha arruinada, as portas e os quartéis precisavam de conserto; o hornaveque estava arruinado e cheio de casas particulares por dentro e por fora; ao longo do "ramal" sul tinha casas adossadas, algumas mais altas do que a muralha; as obras baixas estavam em bom estado.
Em um documento de 23 de maio de 1840 a antiga torre de menagem encontra-se referida como “torre do relógio”, informando-se que o castelo era circundado por exteriormente por um "caminho de piquetes", tendo a leste um hornaveque, e a norte algumas obras baixas; a fortificação encerrava um quartel para uma campanha e um armazém convertido em quartel; o recinto magistral estava em bom estado, o castelo tinha uma parte da muralha arruinada, as portas e os quartéis precisavam de conserto; o hornaveque estava arruinado e cheio de casas particulares por dentro e por fora; ao longo do "ramal" sul tinha casas adossadas, algumas mais altas do que a muralha; as obras baixas estavam em bom estado.
Neste momento, em meados do século XIX, registou-se a desativação da tenalha que, por Aviso do Ministério da Guerra de 13 de agosto de 1856 viria a ser demolida. Uma planta da época mostra a couraça com adarve, ao qual se acedia por escadas interiores. Outra planta, com data de 1857 mostra boa parte da área militar e sua envolvente aproveitada para a agricultura. Ainda à época, uma planta com data de 1859 mostra que ainda subsistia a "couraça nova" desenhada por Duarte de Armas no século XVI, embora agora tivesse adossada pelo lado de fora uma casa e, pelo lado de dentro, três prédios.
Entretanto, a vila ia crescendo fora de muros e, ao atingir-se o último quartel do século, Melgaço, como outras vilas e cidades muralhadas no país, acabou por ser alvo das ideias desenvolvimentistas que viam nas antigas fortificações um estorvo ao crescimento urbano.
Entretanto, a vila ia crescendo fora de muros e, ao atingir-se o último quartel do século, Melgaço, como outras vilas e cidades muralhadas no país, acabou por ser alvo das ideias desenvolvimentistas que viam nas antigas fortificações um estorvo ao crescimento urbano.
Da demolição da tenalha, surge a Praça do Comércio, mais tarde chamada de Praça da República. Tal é corroborado pelo Prof. Carlos A. Brochado de Almeida, que afirma “a Praça da República, na sua actual configuração, corresponde à área da antiga tenalha, obra defensiva projectada e erguida por causa das Guerras da Independência ou da Aclamação”, em meados do século XVII.
Esta praça, de forma triangular, cujo eixo longitudinal se orienta a nascente/poente, constitui um mostruário da casa urbana minhota de oitocentos, sendo alguns exemplares de referência.
É o caso do prédio, no extremo norte/este, com um corpo rectangular, de dois pisos em cantaria autoportante de granito aparente, de aparelho irregular com juntas provavelmente em cimento, e mansarda rebocada e pintada a branco excepto molduras, cunhais e frontão triangular de remate da mesma. A dita mansarda e a varanda central do piso inferior compõem e acentuam a centralidade e a simetria da frontaria, quebrando a sua horizontalidade sublinhada pelo correr das varandas do piso 1 (a central para três vãos e as laterais para um vão), pela cornija e pela platibanda. A fenestração, alinhada entre todos os pisos, no corpo principal consiste em cinco vãos em arco quebrado (por piso) e o corpo da mansarda apresenta-se com três janelas de padieira ligeiramente encurvada.
Pode-se também citar, o edifício da farmácia, de planta longitudinal, de dois pisos e cuja fachada, de frontaria marcadamente horizontal, rebocada e pintada a branco excepto molduras, cunhais, frisos, embasamento e cornija, apresenta uma sucessão de cinco janelas de balcão sobrepostas a outras tantas portas rectangulares no piso térreo. De notar as ‘pinhas’ em vidro das varandas gradeadas e as grinaldas lavradas no lintel encurvado das janelas de sacada. Sobre a linha do telhado implantou-se uma fila de mansardas revestidas a folha de zinco ondulada pintada a branco e com janela de guilhotina.
Do lado oposto da praça, a sul/oeste, destaca-se um outro edifício, de três pisos, rebocado e pintado a cinza excepto molduras, cunhais, embasamento e cornijas. No piso térreo as portas e janelas são rectangulares com vergas rectas e encurvada (na porta central) e possuem molduras ligadas ás varandas do piso intermédio detentor de janelas de sacada em arco ogival. Este piso é rematado por cornija sob varanda corrida gradeada e ladeada por urnas sobre os cunhais. A rematar a fachada e ao centro ergue-se o último piso, mais estreito, coberto com telhado de quatro águas e fenestrado por três janelas rectangulares. Destacam-se a cancela e os lavrados da porta central do piso térreo e o belo desenho das bandeiras das janelas ogivais.
Os espaços públicos desta praça já foram alvo de vários arranjos. Um desses é aquele que mostramos na foto com a praça jardinada e que data de meados do século passado.
Praça da República por volta de 1950
Extraído de:
- ALMEIDA, Pedro Miguel D. Brochado de e ALMEIDA, Carlos A. Brochado de (2006) - A intervenção arqueológica na casa n.º 92 da Rua Hermenegildo Solheiro, in ‘Boletim Cultural’, n.º 5, Ed. Câmara Municipal de Melgaço, Melgaço.
- MARTINS, Andreia et al (2008) – Melgaço – Defesa e morfologia urbana. HAP, FAUP, Porto.
- Revista Municipal, n.º 35, Ano 23, Ed. Câmara Municipal de Melgaço, Melgaço, Abril 2005.
- ACER (Antero Leite e Susana Ferraz, 2007).
- www.fortalezas.org.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
A terrível epidemia de tifo em Castro Laboreiro (1913 - 1914)
(PARTE II)
Em Castro Laboreiro, na época
Em finais de Janeiro de 1914, chegou a Castro Laboreiro
uma equipa da Cruz Vermelha para ajudar a erradicar uma epidemia de febre
tifóide que aí grassava. Depois de nos primeiros dias terem dado atenção aos casos mais graves,
aguardam a chegada, através do comboio, do equipamento para a instalação de um
hospital de campanha.
Depois de o equipamento ter chegado à vila de Melgaço,
começou a ser transportado até Castro Laboreiro em mulas, tarefa que parecia
nunca mais ter fim, dada a baixa carga que cada um dos animais transportava, já
que os carreiros, tão mal tratados que estavam, não permitiam um maior
sacrifício aos animais. Um lavrador castrejo, António Bento Domingues, do lugar
da Portelinha, sugeriu que o transporte deveria ser feito em carros puxados por
juntas de bois e que ele próprio cederia o seu, prontificando-se ainda a
sensibilizar o irmão a ceder o dele. Porém, o regedor da freguesia foi mais
longe e decretou que todos os carros de bois da povoação se apresentassem no
dia que se aprazasse para prestar este urgente serviço comunitário.
O hospital de campanha, no meio de tantas atribulações,
apesar da boa vontade dos populares, que não se pouparam a esforços para
conseguir materiais acessórios, apenas se conseguiu que ficasse funcional
praticamente um mês após a equipa médica ter chegado ao local. Dotado de
compartimentos para homens e mulheres, bem como para o pessoal de enfermagem e
auxiliar, passou a ser um precioso equipamento para o combate à epidemia, que
estava longe da sua definitiva erradicação.
Mas nem toda a população via com bons olhos o
internamento dos seus doentes no espaço hospitalar recém-criado. Não faltaram
manifestações de desagrado e agressivas oposições ao internamento de doentes.
Valeu na circunstância a presença de agentes da Guarda Fiscal, que devidamente
armados dissuadiram todos aqueles que preferiam ver os seus familiares em casa
a permitir o seu internamento num espaço que lhes era estranho. É bem
elucidativo o facto desta passagem do relatório que faz a história dos
acontecimentos: “No
lugar do Bico, em estado gravíssimo, foi encontrada Deolinda Afonso, casada, de
28 anos, que além de todos os sintomas caraterísticos de febre tifóide, estava
com princípio de uma infeção uterina em consequência de um aborto efetuado. O
sogro desta mulher, quando ouviu dizer ao médico que era necessário
hospitalizá-la, em tom autoritário protestou, garantindo que não o consentiria
e quis hostilizar-nos. Viu porém a carabina do guarda fiscal, que o ameaçou com
prisão, e o homem serenando um pouco, apresentou como condição que lhe fizessem
uma escritura garantindo que lhe salvavam a vida. Contudo, a mulher foi hospitalizada no dia
seguinte sem serem atendidas tais condições.”
Um
grande obstáculo no combate à doença foram as condições meteorológicas registadas
nessa altura em Castro Laboreiro. Com chuva intensa e permanentes nevões, não
era fácil fazer visitas às habitações para saber da existência de doentes e
tratá-los convenientemente, ou em casos extremos transportá-los para o hospital
em macas em cima de mulas, por trajetos acidentado de longos quilómetros.
Mas
outros contratempos surgiram. Os elementos da Cruz Vermelha citam o facto de os
habitantes de Castro Laboreiro não estarem nada habituados a ver gente sua a
internarem-se em hospitais. Tinham a convicção de que só morria quem tinha que
morrer e que a morte deveria acontecer na casa de cada um. Por isso, a Cruz
Vermelha notou que algumas pessoas tentaram ocultar casos de familiares enfermos
para não serem internados. Só a denúncia de outros vizinhos foi ajudando a
diagnosticar novos casos.
No
princípio do mês de Abril, com mais de sessenta dias de atividade intensa, o
corpo de voluntários da Cruz Vermelha constata que a epidemia começa a ficar
debelada. Não surgem novos casos e os doentes atacados pela febre apresentam
significativas melhoras. No dia 6 de Abril, foi dada alta ao último doente que
se encontrava hospitalizado. E como a ordem era para não fazer mais
hospitalizações, até porque nem havia ninguém para hospitalizar, debaixo de um
magnífico sol que tinha espontaneamente surgido, procedeu-se à desmontagem do
hospital de campanha, que tão preciosa tinha sido para o internamento e
tratamento dos doentes, resistindo firmemente à forte invernia que foi obrigado
a enfrentar.
A 9
de Abril do ano de 1914, acontece a partida da equipa da Cruz Vermelha,
emocionada de parte a parte como se depreende das considerações constantes do
relatório apresentado superiormente. O
dito relatório diz assim: “Ao despedirmo-nos deste povo rude mas muito
bondoso, vimos olhos marejados de lágrimas e abraços estreitadíssimos que nos tributavam, certamente por terem
reconhecido a dedicação com que foram tratados, através de tantos sacrifícios,
todo os enfermos, apesar do seu elevado número, conforme se pode ver no
seguinte resumo: epidémicos tratados em sua casa – 83; doentes hospitalizados –
12; doentes falecidos em casa – 12; doentes falecidos no hospital – 2; total de
doentes curados – 81.”
Infelizmente,
a este número de falecidos, há que somar cerca de 60 óbitos que ocorreram antes
da chegada da Cruz Vermelha. No total, neste surto epidémico faleceram 76 pessoas.
Informações
extraídas de:
- Ilustração Catholica, nº 47, de 23 de
Maio de 1914 Ano II, Braga;
- MARQUES, Ricardo (2013) - Portugal no ano da
Grande Guerra, Oficina do livro, Lisboa.
- MEIRA, Gonçalo Fagundes (2013) - A cruz vermelha de Viana e a epidemia de Castro Laboreiro em 1914 in: Cadernos Vianenses, Tomo 47, Câmara Muniicipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo;
- SEQUEIRA, José de Magalhães (1918) - Higiene e Profilaxia do Tifo Exantemático. tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Tipographia Mendonça, Porto.
NOTA: Para a Diana Carvalho, um enorme OBRIGADO pela partilha de informação que tornou possível isto!
- MEIRA, Gonçalo Fagundes (2013) - A cruz vermelha de Viana e a epidemia de Castro Laboreiro em 1914 in: Cadernos Vianenses, Tomo 47, Câmara Muniicipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo;
- SEQUEIRA, José de Magalhães (1918) - Higiene e Profilaxia do Tifo Exantemático. tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Tipographia Mendonça, Porto.
NOTA: Para a Diana Carvalho, um enorme OBRIGADO pela partilha de informação que tornou possível isto!