sábado, 18 de maio de 2024

Usos e costumes em Paderne (Melgaço) há cerca de 300 anos



Entre o espólio documental do velhinho convento de Paderne, existe um documento chamado de “Costumeiro” e data de 1720, onde podemos ler um pouco acerca dos usos e costumes desta freguesia naquela época.  

Antes de mais, temos que contextualizar o aparecimento deste livro de usos e costumes que regulavam a relação entre o convento e os fregueses de Paderne na época. Assim, em 15 de Dezembro de 1720 houve a intervenção de um ‘examinador sinodal’ do Arcebispado de Braga chamado a Paderne para resolver uma disputa entre o Mosteiro e os habitantes da freguesia. Decidiu então elaborar um ‘costumeiro’, onde se fixou um conjunto de direitos e obrigações sem pôr em causa o poder do D. Prior (ou Reverendo Pároco). 

A leitura desse documento permite-nos uma viagem até aos usos e costumes na freguesia por essa altura. Por exemplo, em Paderne, nessa altura, em termos de festividades, fazia-se a Festa do Corpo de Deus, no seu dia com assistência de todos os religiosos do mosteiro e todos os sacerdotes da freguesia. Constava de missa cantada de três padres, sermão e procissão ao cruzeiro. Na época, já se fazia a festa da Nossa Senhora do Rosário no seu dia e da mesma forma da do Corpo de Deus. Em iguais modos se faziam as festas do Menino Deus no dia de Ano Novo, a de São Sebastião no dia 20 de Janeiro e a de Santo António a 13 de Junho, podendo qualquer delas ser mudada com consentimento do Pároco e do Prior, caso houvesse conveniência. 

Na festa de Santo António recebia o Pároco nos tempos passados um folar de várias ofertas, ficando assente nesta reforma que receberia um cruzado em sua substituição. Nas outras, quer nas enumeradas, quer em outras que se fizessem, voluntariamente, receberia a quantia de um tostão, além de receber em todas um vintém da missa cantada. Estes direitos eram satisfeitos também em todas as missas cantadas tanto na igreja como nas capelas da freguesia, tanto públicas como particulares. Além deles, havia a esmola da missa. 

É importante esclarecer que o cargo de Pároco era desempenhado por um religioso diferente do Prior e até às vezes por um sacerdote secular, que neste caso residia fora do convento em casa própria para tal fim. 

No primeiro domingo de cada mês, havia uma missa cantada à Nossa Senhora do Rosário com assistência de todos os religiosos e sacerdotes da freguesia, e no fim fazia-se a procissão pelo adro da igreja, pegando às varas do palio, as pessoas principais da terra que se encontrassem na igreja. 

No terceiro domingo de cada mês, havia, nas mesmas condições, missa do Santíssimo Sacramento, com a diferença de ser o palio levado por sacerdotes e só os leigos pegarem às varas quando não chegassem os sacerdotes presentes. 

As despesas da igreja como a cera, azeite de lâmpada, paramentos, etc., eram em geral custeadas a meio pelo mosteiro e pelo povo. A cera para a administração dos sacramentos, para as festas da freguesia e para as funções dos domingos primeiros e terceiros era toda à custa da freguesia. De sermões, a freguesia apenas gratificava os pregadores de suas festas, para o que combinaria com o religioso que mais barato lhe fizesse o serviço, sendo preferido em primeiro lugar o D. Prior e em segundo lugar, o vigário do povo sendo religioso, se eles quisessem, os quais não poderiam cobrar mais do que estivesse em uso geral nesta freguesia e nas vizinhas. Os outros sermões eram a cargo do mosteiro, a saber: os da Quaresma, Paixão e Ressurreição, e o do orago da freguesia, que é o dia do Divino Salvador. Para estes. A freguesia não contribuiu com coisa alguma.  

A freguesia devia consertar as campas da igreja, conservar a pia baptismal, os bancos precisos na igreja e as lâmpadas. 

O mosteiro tinha a seu cargo dois altares no corpo da igreja para os sacerdotes dizerem missa, o altar de Nossa Senhora e do Santo Cristo, e as demais coisas dependentes do mosteiro. Para isto, nada pagava a freguesia. 

O chamado mordomo do Senhor deveria armar a sua cruz na igreja para todas as festas da freguesia e procissões solenes. Esta cruz ia também esperar no cruzeiro os defuntos e assistia até ao fim de um funeral. Para os acompanhamentos, administração de sacramentos e demais funções, servia a cruz de S. Sebastião. 

Nos domingos em que não houvesse missa cantada, eram cantadas as ladainhas ante da missa conventual em procissão pelo adro. 

Varrer a igreja aos sábados, limpar o adro e levar água para se benzer, era encargo da freguesia. O moço que tocava o sino para os funerais recebia um tostão. 

As confrarias davam contas no fim do ano e nessa altura satisfaziam ao pároco de direitos de todo o ano pelos seus serviços. Nessa altura, recebia o pároco dinheiro para dizer, ou mandar dizer, quatro missas por cada pessoa que falecesse durante o ano nesta freguesia ou nas anexas de Cubalhão e Cousso, cuja esmola era de 70 réis. 

Por tradição na época, o povo de Paderne ia com uma procissão a São Miguel de Virtamil (?), na Galiza, e o pároco recebia 480 réis para as suas despesas e para cantar ou rezar lá a missa. Por esta reforma ficou o pároco a receber apenas um cruzado velho pela procissão à Galiza. Quando as confrarias não tivessem dinheiro para subsidiar essas despesas a que eram obrigadas, esperava-se que o tivessem. 

Em relação ao pagamento dos dízimos, o dito documento diz o seguinte: “De todo o pão, ou seja milho grande ou pequeno, trigo ou centeio, se costuma pagar de dez alqueires um, a saber: nove para o lavrador ou senhor e um para o Mosteiro ou rendeiro que arrenda pela mesma medida e da mesma sorte que medem os que lhe ficam se há de medir e mede o dízimo. De cada dez cabaços de vinho dão um de dízimo na forma sobredita. De dez castanhas se paga também dízimo nesta mesma forma. De feijões, não pagam o dízimo pelos haveres nesta freguesia há pouco tempo, e até ao presente não serem compelidos a isso ou o dissimularem. De frangos pagam um de dízimo quer tenham muitos quer poucos cada ano e um só que tenham o darão de dízimo. E que de cada vaca que tiverem parida pagarão dois vinténs de dízimo, e de animais de casa e horta oito réis, e de porco, de cada um que lhes nascerem, ainda que seja de uma só, lhes dá de dízimo de cada um bácoro, quinze réis não querendo dar de dez um, porque é à escolha do senhor deles” . Os fregueses, ‘sendo casados’ eram ainda obrigados a pagar “meio alqueire de pão, cada ano, de obrada e sendo viúvo ou solteiro pagará um quarto de pão e na mesma forma todos os mais sem diversidade de estado ou pessoa sendo morador na freguesia”; “falecendo algum casado ou viúvo, sendo rico pagará ao Reverendo Pároco de obradação três alqueires de pão, três cabaços de vinho, duas broas ou alqueire de pão, duzentos réis de carne, um carneiro ou quatrocentos réis, duzentos réis de esmola, um vintém de missa cantada, quatro palmos de fieira ou trinta réis, uma obrada no primeiro domingo que valha cinquenta réis ou o dinheiro; isto acima se entende pelo dia de corpo presente e primeiro o ofício, e pelo segundo e terceiro ofício tem o Reverendo Pároco em cada um deles duzentos réis de esmola, duzentos réis de carne e um vintém de missa cantada, quatro palmos de fieira ou trinta réis”. Se o falecido não fosse rico, tinha o Reverendo Pároco “de obradação no corpo presente dois alqueires de pão, dois cabaços de vinho e tudo o mais pelo modo acima, tanto em o primeiro e segundo e terceiro ofício” . No ‘costumeiro’ considerava-se “que os ricos são os que não compram pão, e os pobres são os que o compram”. Tal entendimento fazia com que a base social da tributação fosse muito alargada, pois, é crível que, na época, quase todos os agregados produzissem pão nos fornos a lenha existentes nas suas cozinhas. Havia ainda uma série de outros pagamentos: na morte de filhos, nos “nocturnos por defuntos mandados fazer voluntariamente”, nos baptizados, para os sermões das festas e missas cantadas, para a iluminação da lâmpada do Senhor, etc.”.

Sem comentários:

Enviar um comentário