JORNAL "A CAPITAL" DE 20-9-1924
O CONTRABANDO, NA FRONTEIRA DO RIO MINHO,EXERCE-SE EM LARGA ESCALA DEIXANDO LUCROSMAGNÍFICOS E A GUARDA FISCAL, OU RECEBEGRATIFICAÇÕES, OU TEM NELE PARTICIPAÇÃO DIRECTA
"Como já tive ocasião de
dizer, a fronteira do Minho é porta aberta, para a saída de vários géneros para
Espanha, o que está causando grandes prejuízos ás classes menos abastadas, que
têem de os adquirir por preços iguais áqueles por que os pagam os
contrabandistas.
No
nosso regresso de Vigo o acaso deparou-nos o encontro com um desses contrabandistas,
com quem trocámos impressões.
Devido
ao adiantado da hora o nosso informador prometeu-nos várias informações assim
como ensinar-nos os locais mais próprios para a passagem do contrabando,
marcando-nos um encontro às Portas do Sol, em Monção para ontem.
À hora
combinada lá estávamos, dispostos a saber como era possível a sahida diária
para Espanha dos produtos que aparecem nos mercados.
O
nosso cicerone convida-nos a acompanhá-lo para a beira do rio, indicando-nos,
aqui e ali, os locais onde, pela calada da noite, atracam os barcos galegos que
vêem buscar o contrabando.
— E a
vigilância da Guarda Fiscal? – interrogamos.
— A
fronteira está muito mal guarnecida de guarda fiscal. Além disso muitos guardas
também trazem as mulheres e os filhos no negócio. Como vê, estão comprometidos
e têm receio de serem denunciados.
Imagine
que não são só os soldados os implicados na passagem do contrabando; são também
sargentos e oficiais. Mas estes não se dedicam ao contrabando baixo; andam mais
alto e recebem grossas luvas.
— ! ?
— Sim.
Porque, por aqui, não se passam só ovos, galinhas, carnes e outros géneros de
passagem fácil; passam-se também sacas de cacau, gado etc.
E
compreende que estas coisas não se fazem sem prévio acordo com quem está
encarregado de vigiar a fronteira.
Mas
isto por aqui ainda não é nada. Vá até Melgaço, onde o rio se atravessa a pé e
começa a raia seca, e então terá ocasião de ver o que é passar contrabando em
pleno dia e nas barbas da autoridade.
— Qual
é o negocio mais rentoso do contrabando?
— Tem
épocas. Nesta ocasião são os ovos e as carnes secas. Em Portugal, a dúzia de
ovos custa 5$50 a 6$00, e nós vendemos em Espanha cada duas dúzias por um duro,
que ao cambio do dia regula entre 24$00 a 25$00, deixando-nos assim um lucro de
12$00 a 13$00 em cada duas dúzias.
É
verdade que muitas vezes temos que gratificar os guardas, mas quando isso
acontece é nos dias de grande passagem. Depois, não há apalpadeiras para as
mulheres que se dedicam ao negócio, sendo-lhe assim fácil fazer a passagem.
—
Quando é o melhor dia para o contrabando?
— O
dia das feiras. Como sabe, nesse dia é que nós adquirimos maior quantidade de
géneros. A fronteira fica também completamente desguarnecida, porque a Guarda
Fiscal vai prestar serviços à Companhia dos Fósforos.
— À
Companhia dos Fósforos?
— Sim.
É nos dias de feira que os aldeões vêem às vilas fazer o seu negocio, e a
guarda fiscal, em vez de estar a vigiar a fronteira, vai para as estradas que
dão para as aldeias apalpar os tranzeuntes, a fim de lhes caçar a isca e os
isqueiros prendendo e autuando aqueles que os trazem, devido a terem metade da
multa.
— Mas
não têem eles também participação no contrabando apreendido?
— Têem,
mas como já lhe disse, falta-lhes autoridade para procederem, devido a viverem
do contrabando, alegando que o Estado não lhes paga o suficiente para se sustentarem
e sustentarem as famílias.
— E as
autoridades administrativas?
—
Ainda o ano passado a imprensa local e várias entidades fizeram ver ao
administrador do concelho as irregularidades que se davam na fronteira. Foi
então ordenado um inquérito que deu o resultado de todos os outros: negligência,
falta de capacidade, terminando com a transferência de alguns guardas.
Mas há
ainda outro contrabando, também importante, e com o qual a guarda fiscal nada
tem.
— Qual
é?
— A
emigração clandestina.
Quisemos
averiguar o que se passa com a emigração e os agentes encarregados de velarem
na fronteira para que ela não se faça. Mas o nosso informador marca-nos outro
encontro, em que nos explicará quem são os responsáveis pela saída diária
de centenas de emigrantes sem documentos, para a América, França e Brasil."ABREU VIEIRA
Artigo do jornal "A Capital", diário republicano da noite, edição de 24 de Setembro de 1924. Texto extraído de: http://comunidade.sol.pt/blogs/iasousa/archive/2010/10/23/A-CAPITAL-20_2D00_9_2D00_1924.aspx
Rio Minho, no Peso (Melgaço, por volta de 1930) - Local de passagem ilegal de pessoas e mercadorias
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