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domingo, 17 de março de 2013

Histórias da RODA de Melgaço - séc. XVIII e XIX (parte X)


Moralidade, Costumes e abandono de crianças

Numa região em que as actividades comunitárias e de interajuda eram frequentes, a presença e a estreita convivência entre os elementos de ambos os sexos não deixava de preocupar os moralistas e até aqueles que se manifestavam contrários à coexistência e complementaridade do trabalho com o convívio social e a produtividade. São exemplos disso as posições assumidas por Lima Bezerra, muito críticas em relação às “viciosas folgas” com que frequentemente se interrompia o trabalho rústico, além de se mostrar particularmente escandalizado com alguns costumes praticados nas desfolhadas tradicionais.
Depois de referir que cada freguesia tinha tantas desfolhadas quantas as eiras dos lavradores ou proprietários, onde apareciam os moços da lavoura mascarados para divertirem os presentes, este autor considerou tal costume como sendo altamente perturbador do normal desenvolvimento do trabalho. Além disso, não deixou de alertar para os perigos e males que poderiam advir do convívio nocturno entre as moças do campo e os rapazes mascarados.
Numa abordagem doutros costumes e tradições populares, Lima Bezerra também se insurgiu contra as romarias que proliferavam por toda esta região e que eram um pretexto para a folia e as diversões humanas. Considerava que os arraiais populares, os ajuntamentos de homens com mulheres, a que o vinho, a estação do ano, as cantigas e as danças davam tanto calor e furor, não deixariam de contribuir para a depravação dos costumes, sobretudo quando os romeiros se deslocavam juntos, de noite, pelos soutos e pelas devesas.
O resultado desta estreita convivência entre indivíduos de sexo diferente acabaria por se reflectir nos níveis de ilegitimidade que se registavam nesta região, cuja aceitação dependeria muito do contexto e das condições em que a mesma se gerava. Assim, enquanto a ilegitimidade que resultava de “fragilidades humanas” pontuais era socialmente aceite e protegida, o mesmo não se verificava nos casos de reincidência, muito menos se a mesma resultasse da prostituição, uma actividade proibida e socialmente condenada.
No primeiro caso, a sociedade e as instituições mostravam-se complacentes para com as mulheres solteiras pobres, protegendo, subsidiando e, se necessário, ocultando a criação dos seus filhos ilegítimos, com esse “pecado” a merecer uma oportunidade de reabilitação. O mesmo já não se verificava em relação às mulheres de “má vida”, interrompendo-se qualquer tolerância e compreensão social e institucional, sempre que se comprovasse a reincidência, embora as crianças acabassem por ser as principais vítimas desse sistema de filtragem social.
A câmara de Melgaço mostrou-se implacável para com a reprodução de comportamentos que deixavam de ser socialmente tolerados , como o prova o facto de, em 1872, ter admitido no Hospício uma filha de Felicidade Maria, «em virtude das suas circunstâncias». Tudo indica tratar-se de uma associação estreita entre a ilegitimidade e miséria, a partir do momento em que a autorizou a própria mãe a criar a criança, pagando-lhe um subsídio equivalente ao vencimento que era destinado às amas dos expostos. Porém, em 1878, a câmara suspendeu-lhe esses pagamentos, «em virtude dela continuar em caminho irregular, entregando-se ao deboxe, além de ter outro filho».
A mesma administração, um ano depois de ter concedido um subsídio para a criação de uma filha de Maria Luisa Puga, solteira, decidiu retirar-lhe esse vencimento e dar-lhe baixa «por continuar a mãe em mancebia, grávida e sem emenda». Na mesma altura, mandou «lançar fora do Hospício» um filho de Maria Rosa Lamas, solteira, de Paderne, «porque a mãe apareceu grávida, continuando a viver vida debochada e viciosa, não querendo a câmara concorrer para este procedimento». Numa situação bem mais complexa, registada no ano de 1888, a câmara não encontrou outra alternativa a não ser a atribuição de um subsídio para pagar a criação de uma criança a quem lhe havia falecido o pai e cuja mãe a desamparara. Esta, ainda em vida do marido, já esquecia os «deveres de fidelidade conjugal e o amor maternal».

Extraído de: 
- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.

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