No livro "Viagem a Portugal", editado em 1981, Saramago, à chegada a Castro Laboreiro, escreve...
“Castro Laboreiro chega sem avisar, numa
volta da estrada. Há ali umas casas novas, e depois a vila com o seu trajo
escuro de pedra velha. Bons de ver são os botaréus que amparam as paredes da
igreja, restos românicos da antiga construção, e o castelo, nesta sua grande
altura, com a única porta que lhe ficou, a do Sapo, alguma coisa daria o
viajante para saber a origem deste nome. Não requer grandes demoras a vila, ou
requere-as enormes a quem tiver ambições de descoberta, ir, por exemplo,
àquelas pedras altas, gigantes em ajuntamento que ao longe se levantam. No céu,
de puríssimo azul, atravessa um rasto branco de avião, recto e delgado: nada se
ouve, apenas os olhos vão acompanhando o lento passar, enquanto,
obstinadamente, as pedras se apertam mais umas contra as outras.
Está quase a despedir-se. Veio por causa
do caminho, da grande serrania, destes altos pitões, e correndo agora em redor
dos olhos, já distraídos, dá com duas meninas que o miram, com sério rosto,
suspendendo as atenções que davam a uma boneca de comprido vestido branco. São
duas meninas como nunca se viram: estão em Castro Laboreiro e brincam à sombra
duma árvore, a mais nova tem o cabelo comprido e solto, a outra usa tranças com
uns lacinhos vermelhos, e ambas fitam gravemente. Não sorriem quando olham a
máquina fotográfica, quando assim se mostra o rosto, tão aberto, não é preciso
sorrir. O viajante louva, em pensamento, as maravilhas da técnica: a memoria,
infiel, poderá renovar-se neste rectângulo colorido, reconstituir o momento,
saber que era de tecido escocês a saia, crespas as tranças, e as meias de lã, e
o risco do cabelo ao meio, e, descoberta inesperada, que uma outra bonequita
havia, caída lá para trás, acenando com a mão, com pena de não ficar de corpo
inteiro na fotografia”.
As meninas de Castro Laboreiro (foto retirada do livro "Viagem a Portugal" (1981)
Extraído de: SARAMAGO, José (1981), Viagem a Portugal. Caminho, Lisboa.
Sem comentários:
Enviar um comentário