Na branda da Avelelira (Gave - Melgaço)
Estávamos a almoçar
na varanda quando vimos o Nissan Patrol verde serpentear o caminho de acesso à
Branda. Alguns minutos depois, convidamos os dois agentes a entrar em casa e
voltamos a repetir o acontecimento. Já começava a estar farto de tantas vezes contar
a mesma coisa. Mais valia ter usado o pequeno gravador que tinha no carro,
assim bastava-me carregar no botão e a estória repetia-se as vezes que fossem
precisas.
Pediram-nos para lhes
mostrar o achado e quando saíamos de casa, surgiu o Agostinho, proprietário da
casa que alugáramos, que tinha ido à aldeia levar um grupo de turistas
holandeses, que iriam ficar lá alojados alguns dias. Ao ver o Jipe da GNR
parado junto à nossa casa, para lá se dirigia a saber o porquê de tal presença.
Mais uma vez contei como tínhamos achado os ossos e logo ele se prontificou a
acompanhar-nos.
O Snoopy, qual herói
desprezado, ficara na varanda com ar aborrecido, preso à trela, com uma gamela
de água e outra de ração à disposição.
Fomos todos no jipe
das autoridades até ao início do carreiro, que partia da pequena ponte,
construída apenas com grossas pranchas de pedra xistosa, assentes em pilares do
mesmo material. Não me admiraria se a datassem da Idade Média.
O primeiro cuidado
que tiveram foi delimitar a área com fita plástica e fotografar, minuciosamente
o maxilar e os restantes ossos visíveis. Depois recolheram tudo para uns sacos
plásticos aos quais lhes colaram umas etiquetas numeradas. Um dos agentes usou
uma pequena espátula semelhante a uma colher de pedreiro e com ela retirou mais
terra do buraco iniciado pelo cachorro.
Em breves instantes
escavou o suficiente para pôr à vista à vista a caveira à qual certamente
pertencia o maxilar. O agente endireitou-se e disse para o colega:
- Liga para o
comandante e diz-lhe que temos aqui um cadáver com ossos à superfície e outros
enterrados. Diz-lhe também que encontramos o crânio.
O agente regressou ao
jipe, sentou-se ao volante e depois de vencer as resistências da estática
conseguiu ligação rádio, tendo contado as novidades ao superior, com uma
linguagem onde abundavam os termos técnicos e o habitual “escuto” de cada vez
que dava a palavra.
Aproximou-se do nosso
pequeno grupo que aguardava à sombra de um amieiro e informou-nos que viria uma
equipa técnica, provavelmente de Braga, para continuar as investigações. Até à
chegada desses técnicos, os dois agentes iriam manter-se de guarda ao local.
Pela cara deles via-se logo que estavam aborrecidos com a tarefa, mas não
tinham outro remédio senão obedecer.
Regressamos a pé, em
conversa com o Agostinho que nos contou a história daquelas paragens, como os
pastores levavam os rebanhos na primavera para a Branda e lá permaneciam
durante todo o Verão, regressando às aldeias apenas a meados de Setembro.
Durante a tarde
passeamos pelos montes, percorremos um sem número de caminhos e carreiros,
demos um mergulho retemperador na pequena presa à entrada da aldeia, onde já
estavam, alem dos holandeses, mais duas famílias com grande profusão de
crianças pequenas.
Ao final da tarde
bateu-nos à porta um indivíduo que se identificou como sendo da Polícia
Judiciária, o Inspector Peres, ao qual voltei a contar como se tinham
descoberto as ossadas.
Ao contrário dos
agentes da GNR que só tinham aceitado um café, este aceitou uma cerveja bem
fria, tomada confortavelmente na varanda, enquanto tomava notas num caderninho
de capa amarela.
Quando acabamos, já
estava o sol no ocaso, convidei-o para outra cerveja que recusou e retirou-se,
deixando-nos com a sensação de um fim-de-semana mais movimentado do que o
desejado. Pelo menos não poderíamos dizer que nos tínhamos entediado, sem nada
para fazer no meio do monte.
Quando a Paula me
perguntou o que queria jantar, encolhi os ombros e propus-lhe ir ao restaurante
de Valdepoldros a dois ou três quilómetros de distância.
Jantamos uma posta
barrosã deliciosa, bem regada com um tinto do Douro, tudo rematado com umas
rabanadas de ovos, um licor para a Paula e uma aguardente caseira para mim.
Regressados a casa, refastelei-me na cadeira de lona olhando a escuridão que
escondia o vale estendido à nossa frente. Que segredos esconderia aquele vale,
histórias com muitos anos, séculos até, de pastores, de contrabandistas, de caçadores,
gente que viveu e morreu sem conhecer o mar, sem conhecer a cidade, isolados no
cosmos que era e é, a serra. Abri uma cerveja, brindei aos grilos e cigarras
que cantarolavam por perto, senti o sono a invadir-me.
Desta vez dormi
tudo de um sono só, acordei já o sol ia alto e a Paula já preparava o café.
Tinha na boca um sabor amargo que procurei extirpar com um duche bem quente,
dois croissants e uma grande chávena de café.
- Ressonaste tanto
que parecias um comboio.
- Ora, daqui a nada
dizes que até apitava!
- Apitar, não. Mas
assobiavas. Devia ser nas descidas…
- Ah, ah, ah. Que
piada... – digo eu, interiormente divertido, mas apresentando cara feia.
- Os tipos da polícia
estão lá em baixo.
- Onde? Junto ao
regato?
- Claro, onde querias
que estivessem?
- Vamos lá para saber
as novidades? – propus eu.
- Vai lá tu, eu fico
aqui na varanda a ler.
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Fonte: Este interessante texto foi publicado no blogue "Vila Praia de Âncora" em http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt. Não resisti a partilhá-lo com vocês!
Autor do texto: Brito Ribeiro.
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