Peguei na máquina fotográfica e nos
binóculos, meti-os na mochila e com ela às costas atravessei a Branda em
direcção ao regato. O Snoppy trotava à minha frente, nariz rente ao chão com
mil odores por descobrir.
A manhã estava linda, não soprava uma
aragem, as folhas das árvores brilhavam em mil reflexos, nas alturas alguns
milhafres vigiavam.
Parei junto à fita colorida que os
Guardas tinham estendido no dia anterior, vários técnicos trabalhavam no local.
O Inspector Peres da Judiciária viu-me e fez sinal para me aproximar dele.
Prendi o cachorro com a trela, baixei-me, ultrapassei a fita e pude observar
que estavam a escavar utilizando umas ferramentas minúsculas, como as que são
usadas na arqueologia.
- Então já descobriram alguma coisa? –
Perguntei
eu.
- Para já descobrimos que há dois
esqueletos, um humano e outro que pertence a um cavalo ou mula.
- Um cavalo?
- Sim, precisamente em cima do cadáver
humano.
- Quer dizer que essa pessoa morreu por
o cavalo ter caído em cima dele?
- Bem, isso não sei, ainda é muito cedo
para se tirarem conclusões. Só depois da autópsia.
- E os cadáveres estão aí há muito
tempo?
- Seguramente há muitos anos. Pelo menos
vinte ou trinta anos, mas durante a autópsia somos capazes de estabelecer uma
data mais aproximada.
- Nós podemos ir embora?
- Claro, não precisamos de vocês para
já. No decurso do inquérito é natural que tenham de prestar declarações, mas
serão convocados nessa altura.
Mais uma vez a enfadonha tarefa de
contar como as coisas aconteceram, tudo dito aos soluços, vagarosamente, para
dar tempo à funcionária escrever no computador. Finalmente assinamos as
declarações e quando saímos, meio-dia estava passado.
Cruzamo-nos no corredor com o inspector
Peres da Judiciária, o mesmo que tinha iniciado o inquérito e que conhecêramos
na Branda. Após nos cumprimentar, disse-nos que nada de especial tinham
descoberto a respeito da identidade e a causa da morte terá sido eventualmente
um traumatismo craniano.
Apenas podia confirmar sem margem para
dúvidas que eram dois esqueletos, de um homem e de um cavalo ou mula. Percebi
pelo seu encolher de ombros que também não deveriam ter perdido muito tempo com
as investigações, a polícia tem sempre novos casos, muito mais mediáticos e os
meios para a investigação são cada vez mais escassos.
Quando nos dirigíamos para o parque de
estacionamento onde tínhamos deixado o carro um homem que já tínhamos visto no
átrio do tribunal quando entráramos, perguntou-me:
- Foram os senhores que encontraram o
cadáver na Aveleira?
- Sim, fomos. Porquê?
O homem hesitou, percebia-se que estava
acanhado e não sabia onde pousar os olhos, acabou por nos dizer que era por
causa da avó, que desde que soubera que tinham encontrado um cadáver na
Aveleira se tinha mostrado muito interessada e não lhe dera mais descanso,
pedindo-lhe para ir procurar as pessoas que tinham feito a descoberta.
Enquanto ele falava aproveitei para
apreciar o nosso interlocutor. Teria uns quarenta anos, não mais, usava uma
roupa rústica, mas asseada. As mãos, com dedos grossos e musculosos,
denunciavam o trabalho no campo. Finalmente pediu-nos para visitarmos a
velhota, seria um grande favor que lhe faríamos. Ainda argumentamos que não
tínhamos comido, mas ele logo atalhou, dizendo que tinha muito gosto em que
almoçássemos na sua casa.
- Onde é que mora o senhor...? –
Perguntou a Paula.
- Domingos Esteves, minha senhora.
Moramos à entrada da Gave. Sabem onde é?
- Mais ou menos, fica perto da Aveleira.
Já lá passamos uma ou duas vezes. Vamos lá ver a sua avó, mas não podemos
demorar...
Seguimos a carrinha do Esteves e no
início da Freguesia de Gave viramos à direita por um caminho calcetado, ladeado
de vivendas tipicamente construídas por emigrantes. Aquele estilo
espalhafatoso, com marcas e modelos estranhos à região, os telhados negros, as
persianas douradas, os barbecues e os repuxos no jardim, chancelas indeléveis
de culturas transportadas e mal assimiladas.
A vivenda de dois pisos frente à qual
paramos era mais sóbria, folha de pedra à vista, balaustradas em madeira, uma
casa de campo com tractor e alfaias à vista, vacaria ao fundo do terreno,
galinhas e perus à solta, esgravatando aqui e ali.
- Tem de falar um bocado alto que a avó
ouve mal, de resto está muito bem, exceptuando as artroses.
- Quantos anos têm?
- Quase noventa, mas não parece. Entrem,
entrem…
..................................(CONTINUA).................................(CONTINUA).................................
Para ler a parte I, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-i.html
Para ler a parte II, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-ii.html
Para ler a parte III, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-iii.html
Para ler a parte IV, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-iv.html
Para ler a parte V, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-v.html
Fonte: Este interessante texto foi publicado no blogue "Vila Praia de Âncora" em http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt. Não resisti a partilhá-lo com vocês!
Autor do texto: Brito Ribeiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário