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domingo, 28 de julho de 2024

O foral manuelino de Castro Laboreiro (1513) e o privilégio de fronteira livre


 

O mais antigo foral a Castro Laboreiro data de 1271 e foi passado pelo rei D. Afonso III.  

Em 20 de Novembro de 1513, o monarca D. Manuel I concedeu cartas de foral a Melgaço e a Castro Laboreiro. Em relação a este último, entre muitos outros aspetos de extremo interesse, o rei confirma um privilégio antigo de fronteira livre entre as terras raianas, entre as quais Castro Laboreiro, e que permitia que os castrejos e os galegos de localidades como Milmanda ou Celanova pudessem cruzar a fronteira com os gados e fazer comércio entre si.  

Não conhecemos com exatidão a origem no tempo deste velho privilégio, mas segundo DOMINGUES (2007), “desde o tempo dos reis D. João I e D. Duarte, pelo menos, que o concelho e homens bons de Castro Laboreiro tinham por costume vizinhar bem com os galegos, nomeadamente trocando pão e vinho e apascentando pacificamente os seus gados na Galiza, tal como os galegos em território do reino de Portugal. Queixando-se a D. Afonso V que os guardas dos portos os importunavam neste privilégio, o monarca “vendo o que nos asi rrequeriam e querendo lhes fazer graça e merçee a nos praz de elles vizinharem com os da dicta comarca asi como senpre fezeram atee ora”.

D. Afonso V foi sensível ao pedido e à situação de penúria da população castreja, e outorgou, em Monção, a 4 de Julho de 1462, uma carta em que lhes concedeu a manutenção do velho privilégio de fronteira livre, nomeadamente, com as terras galegas de Milmanda e Araúxo, além da regalia de “hirem paçer com seus gados (...) e assi meesmo y o faziam os dictos lugares que vinham ca a nossos rregnos ssem lhe sobre ello ser posto embarguo (...) porquanto a dicta terra era muito fragosa e sse a assi nom fezessem se nam poderiam manter nem soportar, ouvemos por bem de ellos vizinharem e trautarem com os sobredictos assy como sempre teveram de custume. Conforme referimos atrás o rei D. Manuel I, ao mandar redigir o foral, volta a confirmar este privilégio, que é visto como uma forma de compensar estas populações pelo isolamento e de reconhecimento das suas velhas relações estreitas com as comunidades galegas vizinhas.

Pode agora o caro leitor conferir o transcrição integral do foral manuelino a Castro Laboreiro no já referido ano de 1513: 

Dom Manuel etc. 

Mostra-sse pollo dito foral na dita terra seer posto por foro e dereito real que os que fossem da terra pagassem dous quarteiros e de cada casa dous paaes e talleiga de çevada. As quaes cousas foram emtendidas e emterpetadas pagaremsse´desta maneira, a saber, qual quaer vezinho 

da terra que se vay della per sua vontade paga tres buzios que faz cada buzio quatro alqueires que sam ao todo doze alqueires desta medida e sam de çenteo. E este foro se anm paga senam quando perar morar fora assy se vaao per sua vontade por que se se vaão ou forem per omyzio ou per degredo nam pagam nada. E os paaes çenteo e taleyga sobre ditas comtheudos no dito foram se nam pagaram ate ora por quanto ysto se nam avya nem ha de pagar senã quando ElRey hy fosse em pessoa e quando formos ou forem os Reys nossoos soçessores pagar-sse-a o dito foro e nam doutra maneyra e per conseguynte nam se pagaram na dita terra outros nynhuns dereitos da mesma terra nem tributos e por esta rezam se nam levaram nella os carneiros que levava o alcayde agora nem em nynhum tempo por que nam se achou foral nem scriptura nem tal posse que desse titollo pera se poderem levar. 

  [À margem:] Gaado do vento. 

E levar-sse-am porem na dita terra outros dereitos que cha[ma]mos pessoais, a saber, o gaado do vento he dereito real quando se perder segundo nossas ordenaçoões comtanto que ande huum anno e dia em pregam decrarando sempre de que coor ou synaaes sam as anymalias e com decraraçam etc. assi como em Guymaraaes ut supra. 

 [À margem:] Pena d’arma 

E a pena dárma sera ysso mesmo do alcayde da qual levara soomente duzentos reaaes e as armas com decraraçam etc. segundo Guymarães 

ut supra. ₡ E nam levara mais os mil e oytenta reaaes que atee ora levava dos ousos e ferida de sobrolhos. E levara somente as penas sobreditas por quanto nam se achou fundamento pera se poderem levar os ditos mil e oytenta reaaes.  

 [À margem:] Manynhos 

E dos manynhos se nam levara nynhum dereito por que toda a terra he isentamente dos moradores della pagando soomente do que nella hã o dizimo a Deos. ₡ E dos gaados que vem paçer deste regno se nam levara nynhum dereito de montado e paçeram livremente segundo sempre paçeram. ₡ E quanto aos de Castella ou Galiza decraramos que naquelles lugares de Çella Nova ou Mylmanda omde os portugueses paçiam de graça por paçerem assi de graça na dita terra os galegos della. ₡ Mandamos que estes taaes se quyserem tornar aa vizinhamça em que dantes estavam nam paguem nada qua fazendo-sse sem maliçia e doutra maneira pagaram o que agora pagam, a saber, de huum carneiro atee dous pollo gado muyto ou pouco que cada pessoa particularmente meter assy gaado grande como pequeno ou segundo em Galiza levarm dos montados aos portugueses. ₡ E a portajem em todollos capitollos jeralmente atee o fym da pena do foral em tudo he tal como Guymaraaes tirando o capitollo da emtrada e sayda pera Castella que este Crasto Leboreiro leva assy como Melgaço que Guymaraaes tem por no ser estremo. 

Dada em a nossa muy nobre e sempre leal çydade de Lixboa a vinte dias do mes de novembro anno do naçimento de Nosso Senhor Jhesu Christo de mil e quinhentos e treze. E vay scripto ho original em dez folhas sobscripto e assynado pollo dito Fernam de Pina.


Fonte consultada: DOMINGUES, J. (2007) - A Pastorícia e a "passagem" do gado na serra do Laboreiro. In: Boletim Cultural de Melgaço. Câmara Municipal de Melgaço.


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