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terça-feira, 14 de maio de 2013

1948 - Um qualquer dia no Hotel Ranhada nos seus anos de ouro (parte III)


D. Amélia Moutinho, dona do Porto Meia, é há muito hóspede do Hotel Ranhada, está cá todos os anos, traz motorista e dama de companhia, já tem reserva para os primeiros vinte dias deste Setembro que vem, prefere sempre o Setembro, e faz bem em não escolher o Agosto, ao menos escapa ao irritadiço marido da senhora Condessa de Feijó. É uma criatura insuportável aquele homem assim baixinho e gordinho, oh! se não é. Em Setembro que vem teremos aqui no Hotel Ranhada os Teixeira, eles são donos de uma cadeia de talhos. Trazem a família toda, são para aí umas trinta pessoas. Vêm os avós, os netos, as noras, as sogras, a prole é de banzar. São dos mais antigos hóspedes do Hotel Ranhada. Esta família já cá vem a águas desde finais do século XIX, os mais velhos ainda privaram com o fundador, o senhor António Maria Ranhada. Hóspedes tão antigos como eles só os da família Linhares. Um dia antes de se instalarem, já cá está uma carrinha para despejar as malas todas. Menos canseiras dão os lavradores ricos que chegam por finais de Setembro e que por aqui ficam até 10 de Outubro, se tanto. O senhor Mário Ranhada chama-lhes os “hóspedes das castanhas”. Nesta última leva chegam os Sousa Lopes, que, não contentes com o que ganham na lavoura, ainda se metem a fabricar botões. Pelo fim desta manhã de Agosto, há-de comentar-se à mesa, com pilhéria, estas e outras bugiarias.

Equipa do pessoal do Hotel Ranhada em 1956


Boas maneiras
Os empregados de mesa do Hotel Ranhada nunca iam vestidos “às três pancadas” para a sala de jantar. Faziam sempre duas mudas diárias. Ao almoço envergavam casaquinho branco, com botões dourados, e calça preta. Ao jantar, iam de trajo escuro, tipo smoking, com os colarinhos de camisa branca virados e laçarote preto. Mas José Meleiro de Castro, que lá trabalhou ainda no período áureo, já não é do tempo dos colarinhos virados e do “fato à grilo”. Embora vestisse à noite fato escuro, a gola do casaco já levava cetim preto. Ao almoço era a farda do costume. Os hóspedes não se aprontavam por aí além para a refeição do meio-dia. Mas à noite já iam para a mesa mais aperaltados. Os cavalheiros caprichavam com “bom fato de fazenda lisa, de tons azuis ou castanhos, e gravata a condizer”, tanto quanto se recorda José Meleiro. As senhoras apareciam com vestidos de seda, muito “levezinhos”, e não esqueciam os seus colares. Só as mais idosas faziam questão de levar, às vezes, o seu “xailezinho”. Em Julho e Agosto, serviam-se entre 150 a 200 hóspedes. “Todos ao mesmo tempo naquela sala de jantar”, lembra José Meleiro. Eram rápidos a comer, estavam quase todos a dieta, “tudo à base de peixe cozido e de carnes grelhadas”. Durante a refeição conversavam baixinho, eram muito delicados, não se ouvia sequer um bater de talheres. “Até exageravam”. Mas eram pessoas “de muito respeito e de muita educação”. À noite, acabada a refeição, passavam à sala de jogos e não resistiam a contar anedotas “sem palavrões, nem grandes gargalhadas”. Os cavalheiros falavam também de negócios, mas a conversação era cordata. Aos fins-de-semana, a sala de visitas virava, às vezes, sala de baile, mas apenas se polcava, à falta de melhor orquestra, ao som das concertinas do senhor Avelino Gonçalves e do seu sobrinho. Ambos trabalhavam como afinadores daquele género de instrumentos no Peso de Melgaço. Mas Avelino Gonçalves ganhava também a vida como corretor do Hotel Figueiroa, há décadas em completa ruína, junto ao Parque das Termas. (O último dono foi um tal Manolo, galego, o filho é médico em Madrid e a filha foi viver para Vigo. “Nunca mais voltaram a Melgaço”). José Meleiro de Castro ainda é primo afastado dos Ranhada. “O António Maria Ranhada, fundador do hotel, casou com uma irmã da minha avó”. Foi trabalhar para o Hotel Ranhada muito novo, para escapar ao duro trabalho nos campos de que o pai era proprietário. Começou como despenseiro, passou a empregado de mesa e, por último, ao fim de 20 anos, já era chefe de mesa. “Era o último a sair e a fechar as portas”, recorda.
(Continua)

Fonte: "Termas de Melgaço: os dias saborosos de uma glória submersa", texto de Pedro Leitão, in: SIM, Revista do Minho, editado em 6 de Maio de 2013.
Artigo gentilmente enviado por pela Sra. Teresa Lobato a quem agradeço a partilha!



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