D. Amélia Moutinho, dona
do Porto Meia, é há muito hóspede do Hotel Ranhada, está cá todos os anos, traz
motorista e dama de companhia, já tem reserva para os primeiros vinte dias
deste Setembro que vem, prefere sempre o Setembro, e faz bem em não escolher o
Agosto, ao menos escapa ao irritadiço marido da senhora Condessa de Feijó. É
uma criatura insuportável aquele homem assim baixinho e gordinho, oh! se não é.
Em Setembro que vem teremos aqui no Hotel Ranhada os Teixeira, eles são donos
de uma cadeia de talhos. Trazem a família toda, são para aí umas trinta
pessoas. Vêm os avós, os netos, as noras, as sogras, a prole é de banzar. São
dos mais antigos hóspedes do Hotel Ranhada. Esta família já cá vem a águas
desde finais do século XIX, os mais velhos ainda privaram com o fundador, o
senhor António Maria Ranhada. Hóspedes tão antigos como eles só os da família
Linhares. Um dia antes de se instalarem, já cá está uma carrinha para despejar
as malas todas. Menos canseiras dão os lavradores ricos que chegam por finais
de Setembro e que por aqui ficam até 10 de Outubro, se tanto. O senhor Mário
Ranhada chama-lhes os “hóspedes das castanhas”. Nesta última leva chegam os
Sousa Lopes, que, não contentes com o que ganham na lavoura, ainda se metem a
fabricar botões. Pelo fim desta manhã de Agosto, há-de comentar-se à mesa, com
pilhéria, estas e outras bugiarias.
Equipa do pessoal do Hotel Ranhada em 1956
Boas maneiras
Os
empregados de mesa do Hotel Ranhada nunca iam vestidos “às três pancadas” para
a sala de jantar. Faziam sempre duas mudas diárias. Ao almoço envergavam
casaquinho branco, com botões dourados, e calça preta. Ao jantar, iam de trajo
escuro, tipo smoking, com os colarinhos de camisa branca virados e laçarote
preto. Mas José Meleiro de Castro, que lá trabalhou ainda no período áureo, já
não é do tempo dos colarinhos virados e do “fato à grilo”. Embora vestisse à
noite fato escuro, a gola do casaco já levava cetim preto. Ao almoço era a
farda do costume. Os hóspedes não se aprontavam por aí além para a refeição do
meio-dia. Mas à noite já iam para a mesa mais aperaltados. Os cavalheiros
caprichavam com “bom fato de fazenda lisa, de tons azuis ou castanhos, e
gravata a condizer”, tanto quanto se recorda José Meleiro. As senhoras
apareciam com vestidos de seda, muito “levezinhos”, e não esqueciam os seus
colares. Só as mais idosas faziam questão de levar, às vezes, o seu
“xailezinho”. Em Julho e Agosto, serviam-se entre 150 a 200 hóspedes. “Todos ao
mesmo tempo naquela sala de jantar”, lembra José Meleiro. Eram rápidos a comer,
estavam quase todos a dieta, “tudo à base de peixe cozido e de carnes
grelhadas”. Durante a refeição conversavam baixinho, eram muito delicados, não
se ouvia sequer um bater de talheres. “Até exageravam”. Mas eram pessoas “de
muito respeito e de muita educação”. À noite, acabada a refeição, passavam à
sala de jogos e não resistiam a contar anedotas “sem palavrões, nem grandes
gargalhadas”. Os cavalheiros falavam também de negócios, mas a conversação era
cordata. Aos fins-de-semana, a sala de visitas virava, às vezes, sala de baile,
mas apenas se polcava, à falta de melhor orquestra, ao som das concertinas do
senhor Avelino Gonçalves e do seu sobrinho. Ambos trabalhavam como afinadores
daquele género de instrumentos no Peso de Melgaço. Mas Avelino Gonçalves
ganhava também a vida como corretor do Hotel Figueiroa, há décadas em completa
ruína, junto ao Parque das Termas. (O último dono foi um tal Manolo, galego, o
filho é médico em Madrid e a filha foi viver para Vigo. “Nunca mais voltaram a
Melgaço”). José Meleiro de Castro ainda é primo afastado dos Ranhada. “O
António Maria Ranhada, fundador do hotel, casou com uma irmã da minha avó”. Foi
trabalhar para o Hotel Ranhada muito novo, para escapar ao duro trabalho nos
campos de que o pai era proprietário. Começou como despenseiro, passou a
empregado de mesa e, por último, ao fim de 20 anos, já era chefe de mesa. “Era
o último a sair e a fechar as portas”, recorda.
(Continua)
Fonte: "Termas de Melgaço: os dias saborosos de uma glória submersa", texto de Pedro Leitão, in: SIM, Revista do Minho, editado em 6 de Maio de 2013.
Artigo gentilmente enviado por pela Sra. Teresa Lobato a quem agradeço a partilha!
Reveja a parte 1 deste texto em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/05/1948-um-qualquer-dia-no-hotel-ranhada.html
Reveja a parte 2 deste texto em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/05/1948-um-qualquer-dia-no-hotel-ranhada_12.html?spref=fb
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