sexta-feira, 27 de março de 2020

Melgaço no filme "Viagem ao Princípio do Mundo" 1997 (filme completo)



Em meados dos anos 90 do século passado, o mestre do cinema português, Manuel de Oliveira, rodou a sua "Viagem ao Princípio do Mundo" em Melgaço, boa parte do enredo. Há muito que tentava arranjar o filme na íntegra para o partilhar aqui no blogue.
O enredo do filme é o seguinte: "Um veterano cineasta, Manoel está no Norte de Portugal, a filmar uma história de amor. O principal actor é o francês Afonso, que anseia conhecer uma tia no Lugar do Teso, Castro Laboreiro, assim completando visualmente as histórias que o pai, emigrante, lhe contava sobre aquelas paragens...«Uma viagem de recordações, de atavismos e de coisas presas a raízes, que se vão ocultando e esquecendo através de gerações» (Manoel de Oliveira)».
Entre os actores há uma grande figura do cinema já falecido, Marcello Mastroianni que desempenha neste filme o seu último papel. Coincidência ou verdade é que Mastroianni é um «veterano cineasta», que veio rodar uma história de amor, fazer um papel que ele já conhecia como a palma da sua mão, mas nunca o tinha feito. Ser realizador. E foi no papel de realizador que Mastroianni disse o último adeus ao cinema. Levou consigo os ares e as paisagens de Melgaço...

sexta-feira, 20 de março de 2020

Melgaço, 1917/1918 - Notícias da Grande Guerra nos jornais melgacenses




Em 1917 e 1918, viviam-se tempos de muito medo em Melgaço e na generalidade do nosso país. Em 1917, tinham partido da nossa terra mais de 70 rapazes para as trincheiras de França para aí combaterem os alemães. A gente na terra e em especial as famílias ficam com o coração nas mãos sempre à espera de notícias. Nesses tempos, a informação demorava a chegar e nem sempre era muito exata. Procuravam-se diariamente nos jornais, as listas de mortos e desaparecidos em combate que era publicadas nos jornais nacionais. De vez em quando lá vinha a notícia de um valente melgacense tombado em combate que deixava a terra de luto. Por exemplo, podemos ler o Jornal de Melgaço de 22 de Dezembro de 1917, onde este periódico nos dá conta da morte do soldado José Maria da Cunha de Chaviães. Na notícia pode ler-se:
Sangue Melgacense
Sangue melgacense regou já os campos de França.
Na linha da batalha, no front, e no sector portuguez, um modeste filho desta terra, José Maria da Cunha, acaba de sucumbir aos ferimentos recebidos em combate.
O seu nome, aureolado da glória que se ganha no campo do Dever e da Honra, vem escrito no Rol da Honra.
Brioso, valente, destemido, poucos dias antes tinha sido condecorado com a medalha de valor militar.
Entre os seus companheiros, moços bisonhos como ele, distinguira-se pela sua bravura e pela sua coragem.
Nascera este brioso soldado na freguesia de Chaviães, deste concelho. Era filho de Aníbl dos Anjos Cunha e de Felisbela Cândida Alves e militava em infantaria 3, onde era o soldado nº 659, da 1ª companhia.
Que lá em França, onde jaz coberto de louros, a terra lhe seja leve!”
Menos de um mês depois, podíamos ler no Jornal de Melgaço de 18 de Janeiro de 1918, a trágica notícia da morte do soldado Arsénio Gonçalves, da freguesia de Prado. Na notícia, pode ler-se:
Mais um Bravo
Simples, muito simples, o ofício do districto de recrutamento nº 3 a informar-nos, por intermédio da Câmara Municipal, que em França faleceu em Dezembro do ano findo, o 2º sargento de cavalaria nº 11, Arsénio Gonçalves, filho de Manuel Luís Gonçalves e de Albina Rosa Alves, natural da freguesia de Prado, deste concelho.
Tout court, na sua extrema simplicidade, aquele ofício alguma coisa de grande, de tocante, nos comunica.
Por nos informar de uma morte?
Não. Uma morte a mais, sua alma a menos neste mundo, que importa?
Quantos mais não morreram ainda?
Nas terras longínquas da França, longe da Pátria e dos seus, de armas na mão, defendendo a bandeira verde rubra, quantos mais não morderam ainda o pó?
Aos próprios filhos desta terra, a quem o Dever chamou e que com os seus irmãos de armas, para França marcharam cheios de fé e com o coração abarrotado de esperança de voltarem, a quantos ainda não murchará essa esperança e não desaparecerá essa fé?
A razão é muito outra...”
Contudo, quando um ou outro soldado vinha a Melgaço passar uns dias de licença à terra, o seu estado, por vezes, gerava preocupação entre as famílias e as comunidades melgacenses. Atente-se nesta notícia publicada no “Jornal de Melgaço” de 26 de Janeiro de 1918:
Entre os soldados mortos em França, na luta contra a prepotência alemã, na guerra contra a tirania do teutões, há soldados que eram filhos desta terra, que neste lindo rincão do Minho nasceram, daqui partiram e aqui deixaram família, a carne da sua carne, o sangue do seu sangue.
Entre os soldados portuguezes que, lá em França, com o seu sangue heroico estão escrevendo a página mais linda da História moderna, toda ela feita de luz e de louros, há soldados filhos de Melgaço, que vão arruinando a saúde e perdendo o vigor do corpo, há soldados que d’aqui sahiram chaios de vida e de robustez e hoje aqui se encontram alquebrados de forças e contaminados pelo germen de terríveis doenças, adquiridas na vida árdua das trincheiras, ao troar medonho da artilharia, entre lufadas contínuas de gases asfixiantes.
Novos, moços, todos eles sentiam abrir-se-lhes pela existência fora um futuro risonho, primaveril, cheio de luz e de alvoradas: todos eles, jisavam no cérebro sonhos cor de rosa e no peito acarinhavam uma doce esperança duma vida fácil.”
As notícias trágicas alternavam com aquelas que motivavam a elevação das gentes melgacenses. Ora, leia-se esta publicada no “Jornal de Melgaço”, edição de 8 de Dezembro de 1918:
No front
Consta-nos que alguns filhos desta terra, que no front se batem no sector portuguez, mereceram dos seus superiores referências elogiosas, sendo até alguns condecorados pelos seus heroicos feitos.
Desconhecemos ainda os seus nomes, mas justo é que, se eles tanto se distinguiram, o povo melgacense conheça os seus nomes, e por isso vamos investiga-los e talvez no próximo número os deixaremos já escritos”.
Em 1919, os sobreviventes à guerra voltariam à sua terra mas  encontrariam aqui um outro temível inimigo que dava pelo nome de gripe pneumónica. Foram tempos muito difíceis, certamente!

terça-feira, 17 de março de 2020

Reportagem da RTP em Castro Laboreiro (1995)



Recuamos 25 anos. Recordamos uma reportagem da rubrica "Crónica Portuguesa" da RTP (1995) em Castro Laboreiro, onde muitos castrejos ainda viviam entre as brandas e inverneiras, onde se protegiam dos rigores do inverno. Nesta reportagem, o antigo pároco de Castro Laboreiro fala-nos do modo de vida em terras castrejas e do relacionamento entre camarros e gorrions...

sábado, 7 de março de 2020

O Padre Aníbal Rodrigues e a restauração do Pelourinho de Castro Laboreiro




Castro Laboreiro deve muito ao saudoso Padre Aníbal Rodrigues. Uma das dívidas ao seu antigo pároco prende-se com a recuperação do seu histórico pelourinho, desaparecido desde 1860 e restaurado mais de um século mais tarde.
O pelourinho de Castro Laboreiro data de 1560 e foi desmontado três séculos mais tarde para permitir a construção da chamada "Casa Grande” tendo as suas peças sido levadas para diversos pontos da vila castreja. Em 1917, o Major Fernando Barreiros, de visita a Castro Laboreiro, é informado sobre o paradeiro de algumas peças e de como ele era, levando-o a elaborar um desenho reconstitutivo.
Durante décadas, o incansável Padre Aníbal investigou o paradeiro das restantes peças e moveu montanhas para que o histórico monumento reaparecesse na vila castreja. Escreveu cartas para o Ministro das Obras Públicas como esta de 1970 onde pede ao governante a restauração do pelourinho com medo que o mesmo se perca para sempre:

Castro Laboreiro, 16 de Julho de 1970
Ex.mo Senhor Ministro das Obras Públicas e Comunicações
Lisboa
Excelência:
Apresentando a V.ª Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos, venho por este meio dirigir-me a V.ª Ex.ª a fim de lhe expor o seguinte: – Em 27 de Maio do corrente ano pedi a V.ª Ex.ª a restauração do Peloirinho de Castro Laboreiro com o objectivo principal de evitar a sua destruição, quer pela acção corrosiva do tempo, quer pela maldade dos homens. Sei perfeitamente que este problema devia ser posto a V.ª Ex.ª não por mim, que sou pároco, mas sim pelas entidades civis, isto é, pela Junta de freguesia de Castro Laboreiro ou pela Câmara Municipal de Melgaço. Nem sempre infelizmente estas entidades têm pessoas com preparação cultural e patriótica para se interessarem pela solução racional deste problemas de arte e de um valor histórico extraordinário, como é o Peloirinho de Castro Laboreiro, cuja data de construção e existência é do ano de 1560. Foi declarado Monumento Nacional e criada a respectiva zona de protecção pela portaria publicada no Diário do Governo, série 2, n.º 231, páginas 8363, de 2/10 de 1959. Apesar de todo o meu interesse na restauração condigna de tão valioso Monumento Nacional, que marca o apogeu da grandeza da antiga Vila de Castro Laboreiro e bem assim a sua hegemonia política e autonomia administrativa, não tive a subida honra de receber de V.ª Ex.ª uma resposta à minha exposição, dirigida a V.ª Ex.ª em 27/5/1970, relativamente à restauração do Peloirinho em referência. Venho pois mais uma vez solicitar de V.ª Ex.ª todo o interesse e carinho para a boa solução deste problema que me vem preocupando, há já muito tempo, não só como filho de Castro Laboreiro e pároco desta freguesia, mas também como dedicado cultor destas obras de arte, relíquias sagradas do antigo Município de Castro Laboreiro, que por forma alguma ou circunstância de qualquer espécie deixarei destruir ou lançar no olvido, como objecto sem valor. Se à Direcção Geral dos Monumentos Nacionais não lhe for possível restaurá-lo ou esteja desinteressada em fazê-lo pelo achar de pouca valia, ficar-lhe-ei profundamente reconhecido a V.ª Ex.ª, se tiver a amabilidade de me dizer o que se lhe oferecer a fim de que eu possa tomar as providências que julgar convenientes para evitar a sua destruição e levar a efeito a respectiva restauração. Pedindo desculpa desta minha longa exposição e esperando para ela o melhor acolhimento, com a máxima consideração subscrevo-me de V.ª Ex.ª at.º Ven.or grt.º e obg.º
A Bem da Nação.
[assinatura]
(Padre Aníbal Rodrigues, pároco de Castro Laboreiro)”

E teve sucesso...
Em 1979, o Padre Aníbal Rodrigues, conta-nos como, após décadas de buscas, conseguiu localizar as peças do antigo pelourinho e conseguiu que o mesmo fosse reconstruído. Num artigo da publicação “Cadernos Vianenses”, escreve: “(…) Embora Castro Laboreiro fosse erecta Vila e sede de concelho por foral concedido por D. Afonso III, em 1271, o que correspondia ao direito de pelourinho, o actual monumento, desta antiga Vila, data de 1560, tendo-lhe sido concedido novo foral por D. Manuel I em 1513. Constituído por três degraus, uma base, fuste, gola e capitel, rematado por pequena pirâmide, presidiu aos destinos desta região desde 1560 a 1860, data na qual foi apeado do seu legítimo lugar e dispersos todos os seus elementos para naquele local se construir uma casa particular.
Os degraus desapareceram para sempre, não havendo possibilidade da sua recuperação. A base consegui descobri-la a fazer parte do muro de um quinteiro.







Peças do pelourinho de Castro Laboreiro dispersas por algumas casas e quinteiros da vila
(Fotos de 1967)

O fuste encontrei-o a servir de lintel ou padieira na chaminé da casa construída onde ele se encontrava antes de ser destruído. Preocupado com a sua restauração continuei sempre em investigações para descobrir o seu capitel. Depois de numerosas pesquisas, fui encontrá-lo a servir de óculo de luz numa casa em ruínas, a uns trezentos metros num muro dobrado e de alvenaria irregular. Facilitou-me o seu reconhecimento o facto de ser trabalhado a pico fino e de ter a gola circular voltada para fora. Somente em 1978 me foi possível desmontá-lo do respectivo muro com auxílio dos pedreiros reconstrutores das muralhas do castelo. Depois do mesmo se encontrar no solo pude averiguar que era verdadeiramente o capitel do antigo pelourinho de Castro Laboreiro, pelo facto de na face interior ostentar uma gola circular com a espessura de 5 centímetros aproximadamente; e na superior um rebaixe de uns 4 centímetros, onde poisava a pirâmide que rematava este pelourinho. Não me foi possível descobrir a pequena pirâmide.
Os trabalhos de investigação para reunir os três elementos desta preciosa relíquia do passado, prolongaram-se durante vinte e quatro anos. Mas como saber o estilo e forma deste pelourinho para a total identificação dos seus elementos e sua restauração?
Mercê dos trabalhos de investigação do estudante Soeiro de Carvalho no Arquivo Distrital de Viana do Castelo, conseguiu descobrir-se um esboço muito perfeito deste pelourinho, efectuado pelo Sr. Coronel Fernando Barreiras, em Julho de 1917, data em que fez uma visita de estudo a Castro Laboreiro; e que servindo-se das preciosas informações do Castrejo Sr. Melchior Gonçalves, que ajudara a desmontar e destruir este antigo pelourinho em 1860, conseguiu com muita precisão representar a lápis este monumento no artístico esboço de todas as peças constitutivas do mesmo, descrevendo com bastante aproximação as respectivas medidas de cada um dos seus elementos (...).
Foi com esse referido esboço e memória descritiva de todas as peças de que este monumento constava que consegui levar a Direcção dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte a reconhecer como autênticos todos os elementos descobertos podendo solicitar àquela entidade a sua imediata restauração.
Quero manifestar publicamente o meu sincero agradecimento a todos os donos das propriedades urbanas, onde as peças em referência se encontravam, pela cedência voluntária das mesmas. Não posso deixar de expressar, como filho de Castro Laboreiro e humilde estudioso destes monumentos, raízes desta região, o meu eterno agradecimento aos meus estimados amigos, Sr. Dr. Oliveira e Silva, digníssimo Governador Civil de Viana do Castelo; ao Sr. Eng.º José Maria Moreira da Silva, digníssimo Director do Parque Nacional da Peneda-Gerês; ao Sr. Arquitecto Roberto Leão, do Planeamento do Porto; ao Sr. Professor Carlos Alves, digníssimo Presidente da Câmara Municipal de Melgaço, e ao Sr. Adelino Esteves digníssimo Presidente da Junta de Freguesia de Castro Laboreiro, por todo o auxílio e apoio que tiveram a bondade de me dispensar, patrocinando uns, a sua imediata restauração; e outros, além do seu contacto com as entidades responsáveis, a oferta do seu auxílio pecuniário. Bem hajam por todo o interesse que me concederam. A imediata restauração de tão belo e histórico monumento será a recompensa bem merecida de todos estes auxílios e trabalhos a bem da cultura nacional, que tão precisada anda de trabalhos de tamanha monta.”