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quarta-feira, 17 de julho de 2013

A revolta das mulheres de Melgaço (1886)

Melgaço em 1886

Como se sabe, até meados do século XIX, os enterramentos em Portugal eram feitos no interior das igrejas. Esta situação foi alterada com os decretos de 21 de Setembro e 8 de Outubro de 1835, elaborados por Rodrigues da Fonseca Magalhães, nos quais o autor considera que os enterramentos no interior das igrejas eram próprios de uma “ignorância da Idade Média”.
Perante eles, o país dividiu-se: no centro e sul as populações, de imediato, começaram a construir cemitérios junto às igrejas, enquanto que nas populações do norte, em especial do Minho, as recusas em enterrar os mortos fora das igrejas eram constantes.
Foram várias as revoltas populares que ocorreram um pouco por toda a região do Minho, tendo particular destaque as que se verificaram em Alvarães (Viana do Castelo), Vilaça (Braga) e em Soutelo (Vila Verde). Mas a que nos interessa agora destacar é uma revolta que ocorreu em Melgaço.
Decorria a manhã do dia 16 de Fevereiro de 1886 (um domingo) quando, na igreja de Melgaço, tudo estava preparado para se realizar o funeral de um homem natural da freguesia de Prado (Melgaço).
Os boatos que tinham decorrido nos dias anteriores, segundo os quais a população estava a preparar-se para impedir que o defunto fosse sepultado no cemitério da vila, fez com que as autoridades desse concelho esperassem o pior. Nesse sentido, o administrador do concelho de Melgaço resolveu solicitar a presença, logo pela manhã desse dia 16 de Fevereiro, das forças militares, compostas por catorze elementos do regimento de Infantaria 10, de Melgaço, comandados pelo alferes Pires. A preocupação das autoridades de Melgaço era de tal ordem, que estas forças aguardaram a chegada do funeral à entrada da vila, junto à ponte.
Às 9.30 da manhã, hora em que terminaram as cerimónias religiosas, um grupo de mulheres presentes na igreja resolveu apoderar-se do defunto, enquanto que outras levantaram algumas tábuas do chão da igreja e começaram a abrir uma sepultura.
Perante isto, o administrador do concelho de Melgaço actuou de imediato, impedindo que as mulheres levassem as suas pretensões avante. Mas estas, indignadas, enveredaram por uma acção ofensiva, começando a ofender e agredir o administrador e outras autoridades presentes, através de murros e enxadadas, enquanto que outras mulheres começaram a tocar o sino da igreja, como sinal de alarme. O administrador, indignado, tentava por todos os meios impedir que as mulheres enterrassem o homem no interior da igreja e, nesse contexto, chegou mesmo a colocar-se dento da cova que as mulheres estavam a abrir.
Todavia as mulheres, em número cada vez maior, não desarmavam, retiraram o administrador e continuaram a abertura da cova. Perante esta afronta, o administrador deu ordem às forças militares que usassem a força, quando as mulheres proclamaram em uníssono que “Soldados não atiram contra mulheres!”.
Com dificuldade os militares conseguiram expulsar as mulheres do interior da igreja, mas ao chegarem à porta foram recebidos por uma enorme chuva de pedras, atiradas por outras mulheres e pelos seus maridos, que entretanto tinham sido chamados. Para além das pedras, surgiram muitas foices, paus e até tiros. Deste cenário, resultou o grave ferimento de dois soldados (um atingido com um tiro na cabeça e outro com uma enorme pedra).
O administrador, assustado e com as mãos na cabeça, deu ordem para que os soldados abrissem fogo. Mas as mulheres não desarmaram e gritavam que esses tiros eram de “pólvora seca”!
Verificou-se então um cenário absolutamente impensável: os soldados do interior da igreja a dispararem contra a multidão, que se encontrava no exterior. No meio desta confusão, foi morto um homem que tinha vindo buscar a sua mulher (que deixou 4 filhos); uma mulher atingida na face e várias foram feridas com gravidade. Até o padre foi atingido com uma bastonada, que o colocou na cama!
Só depois desta confusão, é que conseguiram sepultar no cemitério o defunto. Quanto à igreja, ficou repleta de pedras e manchada de sangue.
Este invulgar cenário fez com que o Arcebispo de Braga, D. António José de Freitas Honorato, publicasse uma portaria que obrigava o pároco de S. Lourenço de Prado, a proceder a preces públicas, durante três dias, tentando com isto reconciliar a Igreja com os seus paroquianos. 

Texto de: Joaquim Gomes
Consultado em: http://www.correiodominho.com/cronicas.php?id=450

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