Melgaço em 1886
Perante eles, o país dividiu-se: no centro e sul as
populações, de imediato, começaram a construir cemitérios junto às igrejas,
enquanto que nas populações do norte, em especial do Minho, as recusas em
enterrar os mortos fora das igrejas eram constantes.
Foram várias as revoltas populares que ocorreram um pouco
por toda a região do Minho, tendo particular destaque as que se verificaram em
Alvarães (Viana do Castelo), Vilaça (Braga) e em Soutelo (Vila Verde). Mas a
que nos interessa agora destacar é uma revolta que ocorreu em Melgaço.
Decorria a manhã do dia 16 de Fevereiro de 1886 (um
domingo) quando, na igreja de Melgaço, tudo estava preparado para se realizar o
funeral de um homem natural da freguesia de Prado (Melgaço).
Os boatos que tinham decorrido nos dias anteriores,
segundo os quais a população estava a preparar-se para impedir que o defunto
fosse sepultado no cemitério da vila, fez com que as autoridades desse concelho
esperassem o pior. Nesse sentido, o administrador do concelho de Melgaço
resolveu solicitar a presença, logo pela manhã desse dia 16 de Fevereiro, das
forças militares, compostas por catorze elementos do regimento de Infantaria
10, de Melgaço, comandados pelo alferes Pires. A preocupação das autoridades de
Melgaço era de tal ordem, que estas forças aguardaram a chegada do funeral à
entrada da vila, junto à ponte.
Às 9.30 da manhã, hora em que terminaram as cerimónias
religiosas, um grupo de mulheres presentes na igreja resolveu apoderar-se do
defunto, enquanto que outras levantaram algumas tábuas do chão da igreja e
começaram a abrir uma sepultura.
Perante isto, o administrador do concelho de Melgaço
actuou de imediato, impedindo que as mulheres levassem as suas pretensões
avante. Mas estas, indignadas, enveredaram por uma acção ofensiva, começando a
ofender e agredir o administrador e outras autoridades presentes, através de
murros e enxadadas, enquanto que outras mulheres começaram a tocar o sino da
igreja, como sinal de alarme. O administrador, indignado, tentava por todos os
meios impedir que as mulheres enterrassem o homem no interior da igreja e,
nesse contexto, chegou mesmo a colocar-se dento da cova que as mulheres estavam
a abrir.
Todavia as mulheres, em número cada vez maior, não
desarmavam, retiraram o administrador e continuaram a abertura da cova. Perante
esta afronta, o administrador deu ordem às forças militares que usassem a
força, quando as mulheres proclamaram em uníssono que “Soldados não atiram
contra mulheres!”.
Com dificuldade os militares conseguiram expulsar as
mulheres do interior da igreja, mas ao chegarem à porta foram recebidos por uma
enorme chuva de pedras, atiradas por outras mulheres e pelos seus maridos, que
entretanto tinham sido chamados. Para além das pedras, surgiram muitas foices,
paus e até tiros. Deste cenário, resultou o grave ferimento de dois soldados
(um atingido com um tiro na cabeça e outro com uma enorme pedra).
O administrador, assustado e com as mãos na cabeça, deu
ordem para que os soldados abrissem fogo. Mas as mulheres não desarmaram e
gritavam que esses tiros eram de “pólvora seca”!
Verificou-se então um cenário absolutamente impensável:
os soldados do interior da igreja a dispararem contra a multidão, que se
encontrava no exterior. No meio desta confusão, foi morto um homem que tinha
vindo buscar a sua mulher (que deixou 4 filhos); uma mulher atingida na face e
várias foram feridas com gravidade. Até o padre foi atingido com uma bastonada,
que o colocou na cama!
Só depois desta confusão, é que conseguiram sepultar no
cemitério o defunto. Quanto à igreja, ficou repleta de pedras e manchada de
sangue.
Este invulgar cenário fez com que o Arcebispo de Braga,
D. António José de Freitas Honorato, publicasse uma portaria que obrigava o
pároco de S. Lourenço de Prado, a proceder a preces públicas, durante três
dias, tentando com isto reconciliar a Igreja com os seus paroquianos.
Texto de: Joaquim Gomes
Consultado em: http://www.correiodominho.com/cronicas.php?id=450
Sem comentários:
Enviar um comentário