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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O cerco a Melgaço (1388) na Crónica d' El Rey D. João I (Parte II)




Capítulo CXXXV
Da bastida e escalas que el-rei mandou fazer

"Havendo nove dias que el-rei jazia sobre este logar, tendo já os da villa lançadas sessenta pedras de trons que não fizeram porém damno, mandou el-rei armar um engenho em cima da ponte da villa e logo esta quarta-feira lançou cinco pedras, e tres foram dentro no logar e duas deram no muro, e responderam-lhe de dentro com doze pedras de trons, que nenhum damno fizeram. À quinta feira lançou do engenho vinte e cinco pedras, das quaes deram dezasseis no muro, e duas em dois caramanchões, que foram logo derribados, e as sete cahiram na villa, que fizeram gran perda em casas que derribaram e destruíram. Com esto não quedavam de derribar, e acarretar a madeira que el-rei mandava fazer pera fazer duas escalas e uma bastida pera mover todo juntamente e pousar sobre o muro, e como foi lavrada fizeram as rodas do carro pera a bastida, em que havia em grosso por testa dois palmos, e de roda a roda em ancho treze cavados, e ao longo, de padral a padral, que ia por cima d' ellas. Havia vinte e seis cavados, e em alto, d'onde se começava por cima dos carros, havia treze braças e meia. Em ella havia trez sobrados pera irem homens d'armas e besteiros juntos ou apartados, como vissem que cumpria, o qual sobrado primeiro ia madeirado de pontões mui grossos, estrados de mui grossos caniços pera andarem por cima. Havia d'arredor cento e trinta e seis pontões, e a parte de traz ficava aberta, em que iam escadas d'alçapão por que haviam de subir; e por esta guisa o segundo sobrado que havia de redor cento e vinte e quatro oontões, e o terceiro cento e trinta escadas d'alçapão de um a outro, e em cima d'este sobrado outro pequeno com cento e vinte oito meios pontões de redor, em que iam trez mil pedras de mão, que mandaram apanhar as regateiras, e no segundo sobrado quinze trebolhas grandes cheias de vinagre, pera deitar ao fogo se lho lançassem, e esta bastida levava diante seis grandes caniços forrados de carqueja, e vinte e quatro couros de bois, verdes, pregados sobre ella por guarda do fogo e dos trons.
Mandou mais fazer duas escalas, que levava cada uma quatro rodas e os eixos de ferro bem grossos, e sobre ellas seis traves altas como esteios, acompanhadas d'outros paus pera se manterem, não todos de uma altura, segundo cumpriam, e em cada uma duas poles de guindar, que guindavam doze cabres grossos de linho canhene; e trez debadouras de traz pera guindarem, e dois grandes cabrestantes, como de naus, e iam cada uma escala pregadas de táboas grossas sobre quatro paus compridos como pontões, em que havia de longo quarenta e oito covados, e em ancho nove, e cincoenta degraus de meios pontões e caniços, e couros de vaca, verdes, nos logares onde cumpria, para irem cada um da parte da bastida.

E todo esto foi feito em quinze dias, e não quedavam em tanto de fazer caminhos e calçada, por onde haviam de ir a bastida e escadas."

.....................................................CONTINUA.......................................................

Extraído de: LOPES, Fernão (1897) - Chrónica d' El-Rei J. João I. Vol. IV, Edição da Bibliotheca de Classicos Portuguezes, Lisboa. 

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