sexta-feira, 15 de março de 2013

À descoberta da memória raiana - MELGAÇO nas Selecções do Reader's Digest


Viaje pelo coração do Alto Minho, percorrendo caminhos sinuosos que o levam a terras esquecidas pelo tempo, com muita história para contar...



Nesta natureza granítica, rude, quase inóspita, reinou desde sempre a punção dura da interioridade, que submeteu os naturais a uma lógica de resistência. A insuficiência dos recursos disponibilizados pelo meio gerou respostas de fuga, a emigração, ou ilícitas, como o contrabando. Uma economia de escassez, familiar, mantida por um conservadorismo enraizado, marcou e continua a marcar o devir desta zona, que ainda se ressente da sangria de gentes que afluem à grande cidade.
Abale de Monção para Melgaço pela EN 202. Esta digressão conduz-nos ao mais setentrional de todos os concelhos portugueses. A terra é montanhosa, pontilhada de íngremes penedias onde se fazem sentir os rigores de um clima inclemente. Eis-nos no coração do Alto Minho, em espaço que empresta as suas águas às duas grandes bacias hidrográficas da região, a do Minho, engrossada graças ao rio Mouro, e a do Lima, fortalecida pelo caudal do rio Laboreiro. Mas falar do Alto Minho é também falar da religiosidade popular, actual e de antanho. De antanho, porque lança as suas raízes no tempo da nossa primeira dinastia. Depois de alcançada a vila de Melgaço, e transcorrido o rio Minho, surge a enternecedora Capela de Nossa Senhora da Orada. De realização primorosa, devido sobretudo ao patronato do Mosteiro de Fiães, concentrou em si a devoção das gentes locais, que aí buscavam protecção para os lavores da terra, o que explica o nome que ainda mantém.
Rumemos agora a nordeste pela EN 301, em direcção à freguesia de Cristoval. Povoação fronteiriça que continua a viver sob o peso da interioridade, S. Gregório, apesar de tudo, reflecte forte afectividade para com os seus vizinhos galegos, responsáveis pela sobrevivência do seu comércio retalhista. Se actualmente a abolição de fronteiras permite a livre circulação de pessoas e bens, noutros tempos a contingência do "salto" para Espanha primeiro e para França depois era acto de coragem usual, concretizado por quem não tinha já nada a perder... O outro rosto da moeda materializava-se no contrabando, expediente que atenuava as agruras da vida quotidiana.
Todavia, e para que o leitor possa deixar-se tocar pela rudeza dos cenários, tome-se, a partir de S. Gregório, Castro Laboreiro como destino próximo. Arranquemos então: ainda em S. Gregório, e antes da Alfândega, alcance uma via municipal alcatroada, embora algo estreita, a requerer condução atenta. Volvido cerca de 1 km, encontra-se o cemitério local. Aí, vire à sua esquerda: descoberto um cruzeiro, dobre novamente à esquerda. Prosseguindo, deparar-se-lhe-á uma placa de madeira com a indicação "Castro Laboreiro". Depois de percorrer um trecho de piso alcatroado em condição aceitável, surgir-lhe-á um estradão de terra batida transitável (a evitar em tempo pluvioso ou com nevoeiro) com cerca de 2,5 km no seu total. Daqui em diante, acompanhará o rio Trancoso, que ao longo de 10 km define a fronteira luso-espanhola, estatuto que remonta ao século XII. O soberbo enquadramento natural merece bem uma pausa.
Decorrido este agradável interregno, continue até ao primeiro entroncamento, onde volverá à esquerda, para assim tomar a EN 202-3 no sentido de Castro Laboreiro. Uma vez neste povoado medievo, localizado a 950 m de altitude, poderá sentir o pulsar de uma comunidade serrana de feição assaz peculiar e costumes arreigados. O castro-laborense é por essência um homem singelo que fez da montanha um modo de vida, traduzido numa organização socioeconómica de cariz familiar. A família representa a célula primeira da subsistência e é em seu redor que se estrutura toda uma trama de referentes simbólicos, a justificar atitudes e comportamentos que se afiguram arcaicos aos olhos do visitante. A persistência de endogamias, um linguajar autóctone, um traje feminino característico, conferiram a Castro Laboreiro uma ambiência de rusticidade pura, mantida pelos ditames do isolamento. A confirmar o apego à tradição, ao forasteiro é permitido aperceber-se das deambulações impostas pelo exercício da actividade pastoril, concretizada na paisagem áspera por pequenas aglomerações de casas ocupadas sazonalmente, que se reduzem à mais simples expressão - as brandas e as inverneiras. Castro Laboreiro é também o nome de uma das mais antigas raças caninas de Portugal, sobejamente reconhecida pela sua robustez.
O castelo é ponto de visita obrigatória, não só pela sua carga histórica, como também pela magnífica vista sobre o vale, que os seus 1033 m de cota lhe permitem alcançar. O trajecto aí conducente exige, no entanto, alguma atenção devido às irregularidades do terreno; aos mais destemidos recomenda-se a Porta do Sapo.
Volte a Melgaço pela EN 202-3, na direcção de Lamas de Mouro, porta de acesso ao Parque Nacional da Peneda-Gerês neste concelho. A cerca de 10 km de Melgaço, acha-se Cubalhão (EN 202), onde se salientam os terraços de cultivo encimados por pequenos núcleos habitacionais.
Melgaço ostenta ainda um centro histórico que é prova do papel cimeiro desempenhado pela vila no período de afirmação da identidade nacional. Porém, as origens da localidade mergulham num horizonte cronológico que antecede em muito a Fundação: o próprio castelo foi edificado sobre um antigo oppidum romano. Admire a torre de menagem, única sobrevivente de um conjunto de três que outrora integrava o complexo fortificado (a torre de menagem e parte apreciável da cerca são obra datável entre os reinados de D. Afonso III e de D. Dinis).
Terminada a visita ao castelo, encaminhe-se para a Alameda da Inês Negra, podendo aí acompanhar parte da muralha. Esta artéria toma o nome de uma heroína do século XIV, cuja mitografia perpetuou um episódio crucial das lutas da Independência ao tempo de D. João I, quando Melgaço foi resgatada à Coroa de Castela.
Na periferia da vila, recomendamos a visita a três locais de grande interesse patrimonial: o Mosteiro de Fiães, a igreja monástica de Paderne e as Termas do Peso. O Mosteiro de Fiães, de filiação cisterciense, apresenta-se excepcionalmente bem conservado. Na frontaria, luz uma vistosa pedra de armas. De Fiães provém igualmente o mais afamado presunto da região, curado sem sal. Na freguesia de S. Salvador de Paderne, 3 km a sudoeste de Melgaço, visite a igreja paroquial com o mesmo nome, belo exemplo do românico tardio do Alto Minho. 
O aproveitamento das águas mineromedicinais, iniciado em 1885, suscitou a construção da Estância Termal do Peso, com funcionamento regular desde 1910. Passeie-se pelos jardins e visite o interior do edifício, jóia do termalismo português.


Extraído de:
- http://www.seleccoes.pt/%C3%A0_descoberta_da_mem%C3%B3ria_raiana

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