As tropas de D. João I chegam a Melgaço e começam as escaramuças...
-- Ano de 1388 --
Aqui e além deparavam-se numa volta do caminho povoações ou casas isoladas. E do fundo escuro dos estreitos postigos, perfurados nos rústicos tugúrios de pedra cinzenta, debruçavam-se bustos de mulheres com olhar curioso. De sobre os muros, com as cabeças hirsutas os camponeses olhavam embasbacados os comboieiros de munições, e pasmavam para as hacâneas em que cavalgavam as donas, as aias, as criadas e as cristaleiras. Dos cancelos surdiam garotos a misturarem-se na comitiva, mendigando sobejos dos farnéis, enquanto bandos de galinhas e de patos fugiam espavoridos da perseguição da soldadesca, que dissimuladamente tentava deitar-lhes a mão, na espectativa de uma ceia restauradora. E a extensa comitiva coleando pelos caminhos do vale deixava à esquerda os montes levemente ondulados de Galiza a padrasto do rio Minho, e começando a subir a encosta, que vai ao Prado, avistava já a senhoril Melgaço com a sua torre tão nobre a destacar-se sobre o verde escuro dos pinheiros de Bouças.
Aqui e além deparavam-se numa volta do caminho povoações ou casas isoladas. E do fundo escuro dos estreitos postigos, perfurados nos rústicos tugúrios de pedra cinzenta, debruçavam-se bustos de mulheres com olhar curioso. De sobre os muros, com as cabeças hirsutas os camponeses olhavam embasbacados os comboieiros de munições, e pasmavam para as hacâneas em que cavalgavam as donas, as aias, as criadas e as cristaleiras. Dos cancelos surdiam garotos a misturarem-se na comitiva, mendigando sobejos dos farnéis, enquanto bandos de galinhas e de patos fugiam espavoridos da perseguição da soldadesca, que dissimuladamente tentava deitar-lhes a mão, na espectativa de uma ceia restauradora. E a extensa comitiva coleando pelos caminhos do vale deixava à esquerda os montes levemente ondulados de Galiza a padrasto do rio Minho, e começando a subir a encosta, que vai ao Prado, avistava já a senhoril Melgaço com a sua torre tão nobre a destacar-se sobre o verde escuro dos pinheiros de Bouças.
A
Rainha com a sua Corte, contornando Melgaço, foi aposentar-se no opulento
mosteiro de Fiães, onde os oitenta monges beneditinos, com o Dom Abade à
frente, a vieram receber fidalgamente na avenida que conduzia à portaria do
convento.
El-Rei
D. João I, ficou com as suas mil e quinhentas lanças, afora a gente de pé, no
campo a nordeste de Melgaço, onde logo ordenou que se assentasse o arraial. Armaram-se
as tendas em que pousaram, além do soberano, o Prior do Hospital, D. Álvaro
Gonçalves Camelo. D. Pedro de Castro, que havia pouco abraçara a causa de
Portugal, JoãoFernandes Pacheco ; (filho de Diogo Lopes, assassino de Dona
Inês), de quem Mem Rodrigues dizia ter as qualidades de Lancelote do Lago, e muitos
outros capitais e senhores. Tudo se preparou para a arremetida. Melgaço, dentro
das fortes muralhas em que D. Dinis envolvera a quadrada torre afonsina guarnecida
de dentes que mordem o céu, era defendida por Álvaro Pais de Souto Maior, e Diogo
Preto Eximeno, que tinham trezentos homens de armas e muitos peões.
Além
da gente de guerra, era a pequena vila povoada por moradores pacíficos, cujas
famílias habitavam as casinholas de granito, com pequenas escadas exteriores,
de poucos degraus, e um varandim, que formavam junto à parte interna das muralhas
estreitos arruamentos. Entre as famílias que nesse fim do século XIV se
acoitavam naqueles habitáculos, havia a de uma portuguesa a quem, por se ter
bandeado com os castelhanos, tinham dado a alcunha de Arrenegada. Era
esforçada. Aquilo a que o povo chama uma refilona e, como todos os renegados,
odiava fidalgamente os seus antigos compatriotas. Fervia-lhe o sangue em cachão
com o presencear, do alto das muralhas, os preparativos do campo português.
Ardia em fúria e ância de arremeter ela própria. E não foi estranha aos
primeiros lançamentos de trons contra os nossos. Assistiu também inquieta e
fervilhante às primeiras escaramuças, rejubilando logo que viu que, com uma
seta, fora ferido Pêro Lourenço de Távora, um português do arraial. Era uma verdadeira
virago, mais aguerrida que muitos dos seus camaradas castelhanos. Durante nove
dias houve tiroteio sendo lançadas contra o arraial sessenta pedras de trons, ao
que do lado português foi correspondido, não havendo grande dano de parte a
parte. Resolveu-se então El-Rei a mandar armar em cima da ponte da vila, um
engenho, com que os sitiantes arremessavam muitos projecteis que destruiram
algumas casas e caramanchões de Melgaço.
Ao
mesmo tempo mandou que nas imediações se cortasse madeira, e se acarretassem
materiais para se construírem duas escadas e uma bastida, formidável máquina de
guerra sobre rodas, de temeroso efeito contra as praças fortes.
Descreve
Fernão Lopes minuciosamente essa bastida, muito larga de roda a roda, e de
padral a padral; com os seus três sobrados madeirados de pontões, para serem
guarnecidos de homens de armas ; com estrados de mui grossos caniços para se
andar por cima. Com escadas de alçapão e nos pontões superiores, três mil
pedras de mão, que mandaram apanhar pelas regateiras. Havia também trebolhas
cheias de vinagre para evitar o fogo, e seis grandes caniços forrados de
carqueja, assim como vinte e quatro couros verdes de boi para guardar do fogo
que viesse.
Era
um rudimento do moderno tanque, era o precursor dessa máquina de guerra, que
nos campos da Bélgica está actualmnte exercendo a sua terrível acção devastadora.
Esta
de D. João I, que levou quinze dias a construir, era mais modesta e de mais
acanhados recursos. Mas o seu efeito, ainda antes de manobrar, foi eficaz, pois
os de dentro, que assistiam aterrados à fabricação do aparatoso engenho, apressaram-se
a pedir tréguas, propondo que João Fernandes Pacheco conferenciasse com Álvaro Pais.
Por mandado de El-Rei chegou-se o Pacheco à barbacã, e de dentro, encostado ao muro,
falou-lhe o comissário castelão. Longo espaço de tempo durou esta conversação
entre os dois guerreiros arvorados em plenipotenciários. E enquanto eles
falavam, assediados e assediadores suspenderam as investidas, acudindo ao ânimo
de uns, (os mais pacíficos) esperanças de uma concordância. Refervendo no de
outros (os mais belicosos) desejos impacientes de recomeçar a pugna. Destes o
mais irreprimível era o da Arrenegada que ardia em sanha. Sabendo que os dois
chefes não se tinham acordado resolveu então provocar um combate singular, pois
sabia que entre a gente do arraial se achava um contendor digno dela. Era uma
mulher daquela região, a quem chamavam Inez Negra.
...CONTINUA...
Texto extraído de:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa.
Texto extraído de:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa.
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