Posto da Guarda Fiscal de Portelinha, Castro Laborerio, no início da década de 1960.
(Foto de José Oliveira)
(Foto de José Oliveira)
Capítulo II
(Muito tempo mais tarde...)
Tinha acabado de
descarregar o carro e já a Paula me chamava para a ajudar em qualquer tarefa na
cozinha.
- Já vou, já vou!
Bolas, nem me dás tempo de apreciar a paisagem…
- É só para arrumares
as bebidas no frigorífico, mais nada. Depois vamos dar uma volta?
- Claro, vamos correr
esses caminhos todos!
Tínhamos decidido
passar um fim-de-semana na montanha, uns dias retemperadores, na solidão, no
silêncio, na tranquilidade de uma pequena casa de turismo rural, implantada na
isolada Branda da Aveleira, um antigo abrigo estival de pastores e rebanhos.
Alguns proprietários tinham recuperado as casinhas de aspecto rústico, mas
dotadas de todas as comodidades fundamentais e alugavam-nas agora aos turistas.
Da varanda da casa
ainda se podiam ver por perto as manadas de garranos selvagens, o gado pastando
em total liberdade e os montes ponteados de grandes torres que agitavam as suas
pás ao vento, esperando em fila, as investidas de um qualquer D. Quixote
gigantesco.
Atirei com a mochila
para cima da cama, desci as escadas de madeira, assobiei à procura do cão, que
surgiu disparado, vindo do wc.
- Vamos Snoopy – e o
pequeno caniche seguiu-me excitado pela novidade, sempre com o nariz colado ao
chão.
Apenas demos uma
pequena volta de reconhecimento nos arredores do nosso alojamento e logo
voltamos a tempo de ouvir a Paula dizer “já estou pronta”.
- Está bem, mas agora
espera, pois vi umas cadeiras na arrecadação e vou pô-las na varanda.
Separei duas cadeiras
de lona, montei-as e fui buscar uma cerveja e uma tónica ao frigorífico.
Sentamo-nos na
varanda, à sombra, com as bebidas frescas a escorregar nas gargantas, aplacando
a sede, não o calor, que esse só iria com a chegada da noite.
Descemos em direcção
ao regato que corria no fundo do vale, queria ver se tinha condições para ter
trutas. Confirmei que havia sítios relativamente profundos e acompanhamos o
curso do regato durante algum tempo. Entramos por um carreiro, ladeado de
vegetação ripícula, salgueiros e amieiros que só medram perto de água. Um ou
outro carvalho espalhava sombra, pelo chão amontoavam-se excrementos dos
garranos, das vacas e dos coelhos. Mais à frente encontramos uma área que devia
ter ardido há pouco tempo, talvez na primavera, as ervas finas, brotavam do
negro tapete que o fogo tecera.
- Snoopy, anda aqui,
vai ficar preto como o carvão. Mais valia tê-lo prendido com a trela – dizia a
Paula ao ver como os caracóis brancos do pêlo do cão escureciam rapidamente.
- Não importa,
chegando a casa damos-lhe banho.
A poucos metros do
caminho o caniche escavava furiosamente, parando apenas para enfiar o focinho
no buraco, como que a confirmar a presença do odor que o excitava.
- Vá, deixa isso.
Snoopy, vamos embora.
Mas o animal fazia
orelhas moucas o que me levou a ir ao seu encontro, com a intenção de lhe pegar
ao colo. Junto dele estavam espalhados alguns ossos esbranquiçados, com aspecto
de lá estarem já há muitos anos.
- Eu vi logo. Há aqui
ossos!
- Não o deixes pegar
nessa porcaria – diz-me a Paula com um esgar de nojo.
- Vamos embora, pá.
Com um derradeiro
esforço o cão levantou com a boca o osso que tanta fadiga lhe dera e
identifiquei, com espanto o que parecia ser um maxilar humano.
- Larga! – Berrei-lhe
de tal forma que ele se encolheu amedrontado e deixou cair o despojo entre as
patas dianteiras.
- Anda cá ver isto,
nem vais acreditar!
Não havia dúvida
nenhuma, o Snoopy tinha encontrado um maxilar humano e à vista estavam também
mais alguns fragmentos de ossos, impossíveis de identificar por leigos como
nós. E eu que pensara serem ossos de um qualquer animal, uma cabra ou um
garrano.
Regressamos a casa
sem saber bem o que fazer. Por um lado sentíamos a responsabilidade de ter que
avisar as autoridades, mas por outro lado não nos apetecia nada sermos
incomodados, tínhamos tirado o fim-de-semana para descansar e não para
aturarmos uma diligência policial, por mais simples que fosse.
Ao jantar decidimos
telefonar para a GNR de Melgaço, mas só no dia seguinte. Mais uma noite ao
relento não iria fazer mal àquele esqueleto ou ao que restava dele.
Contrariamente à expectativa nem sequer dormimos bem, sempre sobressaltados, eu
sonhei com lobos a despedaçar pastores e ovelhas e mais algumas barbaridades do
género. De manhã a Paula contou-me que também tivera sonhos semelhantes aos
meus, o que atribuímos à descoberta do dia anterior. Quem parecia não ter
ficado nada abalado era o Snoopy, que continuava animadíssimo.
Como desconhecia o
número do posto policial de Melgaço liguei para o 112 e depois de dez minutos
de interrogatório, fingiram acreditar na minha história.
Duas horas depois, andávamos nós a passear o mais
longe possível do regato, toca o telemóvel, era do posto de Melgaço da GNR a
quererem confirmar a veracidade do que tinha contado ao operador do 112.
Sentei-me numa pedra e repeti mais uma vez o essencial da história, tendo-me
sido pedido para aguardar uma patrulha que viria à Aveleira tomar conta da
ocorrência.
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Para ler a parte II, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-ii.html
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Fonte: Este interessante texto foi publicado no blogue "Vila Praia de Âncora" em http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt. Não resisti a partilhá-lo com vocês!
Autor do texto: Brito Ribeiro.
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