sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O Tenente da Guarda (Parte IV)

Posto da Guarda Fiscal de Portelinha, Castro Laborerio, no início da década de 1960.
  (Foto de José Oliveira)
 
 
 Capítulo II
 
 
(Muito tempo mais tarde...)
 


Tinha acabado de descarregar o carro e já a Paula me chamava para a ajudar em qualquer tarefa na cozinha.

- Já vou, já vou! Bolas, nem me dás tempo de apreciar a paisagem…

- É só para arrumares as bebidas no frigorífico, mais nada. Depois vamos dar uma volta?

- Claro, vamos correr esses caminhos todos!

Tínhamos decidido passar um fim-de-semana na montanha, uns dias retemperadores, na solidão, no silêncio, na tranquilidade de uma pequena casa de turismo rural, implantada na isolada Branda da Aveleira, um antigo abrigo estival de pastores e rebanhos. Alguns proprietários tinham recuperado as casinhas de aspecto rústico, mas dotadas de todas as comodidades fundamentais e alugavam-nas agora aos turistas.

Da varanda da casa ainda se podiam ver por perto as manadas de garranos selvagens, o gado pastando em total liberdade e os montes ponteados de grandes torres que agitavam as suas pás ao vento, esperando em fila, as investidas de um qualquer D. Quixote gigantesco.

Atirei com a mochila para cima da cama, desci as escadas de madeira, assobiei à procura do cão, que surgiu disparado, vindo do wc.

- Vamos Snoopy – e o pequeno caniche seguiu-me excitado pela novidade, sempre com o nariz colado ao chão.

Apenas demos uma pequena volta de reconhecimento nos arredores do nosso alojamento e logo voltamos a tempo de ouvir a Paula dizer “já estou pronta”.

- Está bem, mas agora espera, pois vi umas cadeiras na arrecadação e vou pô-las na varanda.

Separei duas cadeiras de lona, montei-as e fui buscar uma cerveja e uma tónica ao frigorífico.

Sentamo-nos na varanda, à sombra, com as bebidas frescas a escorregar nas gargantas, aplacando a sede, não o calor, que esse só iria com a chegada da noite.

Descemos em direcção ao regato que corria no fundo do vale, queria ver se tinha condições para ter trutas. Confirmei que havia sítios relativamente profundos e acompanhamos o curso do regato durante algum tempo. Entramos por um carreiro, ladeado de vegetação ripícula, salgueiros e amieiros que só medram perto de água. Um ou outro carvalho espalhava sombra, pelo chão amontoavam-se excrementos dos garranos, das vacas e dos coelhos. Mais à frente encontramos uma área que devia ter ardido há pouco tempo, talvez na primavera, as ervas finas, brotavam do negro tapete que o fogo tecera.

- Snoopy, anda aqui, vai ficar preto como o carvão. Mais valia tê-lo prendido com a trela – dizia a Paula ao ver como os caracóis brancos do pêlo do cão escureciam rapidamente.

- Não importa, chegando a casa damos-lhe banho.

A poucos metros do caminho o caniche escavava furiosamente, parando apenas para enfiar o focinho no buraco, como que a confirmar a presença do odor que o excitava.

- Vá, deixa isso. Snoopy, vamos embora.

Mas o animal fazia orelhas moucas o que me levou a ir ao seu encontro, com a intenção de lhe pegar ao colo. Junto dele estavam espalhados alguns ossos esbranquiçados, com aspecto de lá estarem já há muitos anos.

- Eu vi logo. Há aqui ossos!

- Não o deixes pegar nessa porcaria – diz-me a Paula com um esgar de nojo.

- Vamos embora, pá.

Com um derradeiro esforço o cão levantou com a boca o osso que tanta fadiga lhe dera e identifiquei, com espanto o que parecia ser um maxilar humano.

- Larga! – Berrei-lhe de tal forma que ele se encolheu amedrontado e deixou cair o despojo entre as patas dianteiras.

- Anda cá ver isto, nem vais acreditar!

Não havia dúvida nenhuma, o Snoopy tinha encontrado um maxilar humano e à vista estavam também mais alguns fragmentos de ossos, impossíveis de identificar por leigos como nós. E eu que pensara serem ossos de um qualquer animal, uma cabra ou um garrano.

Regressamos a casa sem saber bem o que fazer. Por um lado sentíamos a responsabilidade de ter que avisar as autoridades, mas por outro lado não nos apetecia nada sermos incomodados, tínhamos tirado o fim-de-semana para descansar e não para aturarmos uma diligência policial, por mais simples que fosse.

Ao jantar decidimos telefonar para a GNR de Melgaço, mas só no dia seguinte. Mais uma noite ao relento não iria fazer mal àquele esqueleto ou ao que restava dele. Contrariamente à expectativa nem sequer dormimos bem, sempre sobressaltados, eu sonhei com lobos a despedaçar pastores e ovelhas e mais algumas barbaridades do género. De manhã a Paula contou-me que também tivera sonhos semelhantes aos meus, o que atribuímos à descoberta do dia anterior. Quem parecia não ter ficado nada abalado era o Snoopy, que continuava animadíssimo.

Como desconhecia o número do posto policial de Melgaço liguei para o 112 e depois de dez minutos de interrogatório, fingiram acreditar na minha história.

Duas horas depois, andávamos nós a passear o mais longe possível do regato, toca o telemóvel, era do posto de Melgaço da GNR a quererem confirmar a veracidade do que tinha contado ao operador do 112. Sentei-me numa pedra e repeti mais uma vez o essencial da história, tendo-me sido pedido para aguardar uma patrulha que viria à Aveleira tomar conta da ocorrência.

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Para ler a parte III, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2013/12/o-tenente-da-guarda-parte-iii.html
 
Fonte: Este interessante texto foi publicado no blogue "Vila Praia de Âncora" em http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt. Não resisti a partilhá-lo com vocês!
Autor do texto: Brito Ribeiro.

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