"Gonçalo vergou os ombros, confessou que se ocupara de toda essa heráldica história por um motivo bem rasteiro - por miséria!...
- Por miséria?
- Sim, prima Maria, por penúria de moeda, de cobres.
- Conte! conte! Olhe, a Anica está ansiosa...
- Quer saber, Sra. D. Ana?... Pois foi em Coimbra, no meu segundo ano de Coimbra. Os companheiros e eu chegamos a não juntar entre todos um vintém. Nem para cigarros! Nem para o sagrado decilitro de carrascão e as três azeitonas do dever... Um deles então, rapaz muito engraçado, de Melgaço, surdiu com a ideia estupenda de que eu escrevesse aos meus parentes de França, a esses Cleves, a esses Tancarvilles, senhores decerto imensamente ricos, e solicitasse, com desembaraço, um emprestimozinho de trezentos francos.
D. Ana não conteve um riso, sinceramente divertido:
- Ai! tem muita graça!
- Mas não teve resultado, minha senhora. Já não existem Cleves, nem Tancarvilles! Todas essas grandes famílias feudais findaram, se fundiram noutras casas, até na Casa de França. E o meu Padre Soeiro, apesar de todo o seu saber genealógico, nunca conseguiu descobrir quem as representava com bastante afinidade para me emprestar, a mim parente pobre de Portugal, esses trezentos francos.
Aquela penúria de Gonçalo, de tamanho Fidalgo, quase enternecera D. Ana:
- Ora estarem assim sem vintém! Quem soubesse... Mas tem graça! Essas histórias de Coimbra têm sempre muita graça. O D. João da Pedrosa, em Lisboa, também contava muitas...
D. Maria Mendonça, porém, através dessa facécia de estudantes, descortinara outra prova inesperada da grandeza dos Ramires. E imediatamente a estendeu diante de D. Ana com habilidade:
- Ora vejam!... Todas essas grandes casas de França, tão ricas, tão poderosas, acabaram, desapareceram. E cá no nosso Portugalzinho ainda dura a Casa de Ramires!
Gonçalo acudiu:
- Acaba agora, prima!... Não olhe para mim assim espantada. Acaba agora... Pois se eu não caso!"
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