(PARTE I)
Concurso Tradicional do Cão de Castro Laboreiro de 1971 |
O Concurso Tradicional do Cão de Castro
Laboreiro é realizado desde 1914, sendo dos mais antigos realizados em
Portugal.
O concurso de 1971 foi alvo de uma reportagem
na publicação “O Mundo Canino”, na sua edição de Novembro desse mesmo ano. Nesse
número podemos ler:
“EM
CASTRO LABOREIRO – TERRA DE EMIGRANTES E DE CÃES FAMOSOS
Aldeia serrana
donde os homens abalaram e as mulheres, «viúvas de vivos» (como Ihes chamam)
deles recebem anualmente cerca de 36 mil contos (!!!) vive como nenhuma outra
terra portuguesa o «Cinco de Outubro». (...) Nesse dia, em tal povoado, em que
o padre é a «alma-mater» das mulheres-de-negro-vestidas, a politica é outra. Politica
que nada tem a ver com pessoas, pois é de cães. Cães que, juntamente com os
braços humanos, são exportados para todos os lados, correm mundo. E se foi a
terra que baptizou a raça, foi a raça que tornou a terra falada, que a
projectou para além do seu castro. CASTRO LABOREIRO é o seu nome e o seu solar.
Melgaço foi o local de
encontro das pessoas de Lisboa, do Porto e de Viana que iriam superintender no
concurso. Depois de almoçadas, ei-las pela estrada acima, na subida duma
trintena de quilómetros. Quando os juízes e demais comitiva lá chegaram já os concorrentes
aguardavam impacientemente a chegada daqueles que iriam ditar a sorte dos seus
exemplares. Para os menos avisados no assunto, como o repórter, logo
ressaltaram vários pormenores que chamaram a sua atenção. O certame
realizava-se na «artéria» principal da povoação - Largo do Eirado - mesmo
defronte da igreja (cuja primeira pedra remonta de há mais de oito séculos) e à
porta das principais autoridades da terra: abade, presidente da junta e
regedor. Pois para além da circunstância do concurso se realizar na via pública
(a fazer lembrar um «passarelle» em plena Praça da Liberdade...), pormenor que
igualmente nos despertou a curiosidade foi o facto dos exemplares se
apresentarem como que «descalços» e as donas de avental à cinta e lenço pela
cabeça. Com efeito, no Estoril, no Porto e em Lisboa, estávamos habituados a
ver desfilar no ringue exemplares cuidadosamente tratados e o sexo feminino
primar pela elegância, vestindo pelo último figurino, de tal modo que o
assistente menos dado à canicultura não sabe que mais admirar, se o garbo do
cão concorrente ou a distinção de quem o conduz pela trela. Pois em Castro
Laboreiro os cães eram presos por nagalhos e cordas, raramente por coleira.
Puxados e não exibidos por gente «fardada», de tamancos ou de botas, por
mulheres «uniformizadas» de preto. De preto porque ali predomina o luto, de tal
forma que até se diz que em Castro Laboreiro as mulheres são viúvas de homens
vivos. Terra onde não há pobres. Disse-nos o pároco da freguesia, Rev. Padre
Aníbal Rodrigues: «A emigração aqui é habitual. É tão antiga como a própria
terra. O homem de Castro Laboreiro nunca se sujeitou a um nível baixo. Foi
sempre sua ambição ganhar muito.» Por isso, aquela freguesia é uma comunidade
de mulheres. Mulheres que, durante a ausência do pai, do marido, dos filhos, se
vestem, dos pés à cabeça, de negro. É tradição de há longa data. Só quando os
«homes» regressam as vestes escuras dão lugar a outras de cores garridas.
O
Padre Aníbal Rodrigues, "alma-mater» de Castro Laboreiro, confidencia as
suas impressões ao repórter. Prosseguiu o nosso interlocutor: «Primeiramente os
homens de Castro Laboreiro emigraram para todo o país. Depois, a grande
atracção foi a Espanha e agora a França. Mas hoje não há terra onde não haja
gente nossa: Brasil, Argentina, México, Taiti, Turquia, Gibraltar, Estados
Unidos, Holanda, Austrália, Paquistão. Em toda a parte. Os nossos operários são
altamente especializados em betão armado. De tal modo conceituados que, quando
do rebentamento de diques na Holanda, foram para lá especialmente contratados.
Outro exemplo elucidativo da categoria da nossa mão-de-obra: nas bases
americanas na Turquia há gente daqui.»
O Padre Aníbal Rodrigues prestando declarações aos jornalistas |
O cão da raça
«Castro Laboreiro» é um extraordinário cão de pastor «ai de quem toque no
gado!» e cão polícia. Mas deixemos o Padre Aníbal Rodrigues, personalidade
altamente credenciada na matéria, falar sobre aquela raça: «É um cão
excepcional, quer em faro, quer em inteligência em valentia e docilidade. Como companhia,
também não há melhor. É duma fidelidade a toda a prova. Tem um sentido de
justiça que impressiona. Se o dono o castigar sem razão o animal nunca mais lhe
liga, pois o cão de Castro Laboreiro tem grande aversão à injustiça». Pois esta
tão «sui-generis» raça nacional, que o Exército presentemente utiliza como
cães-polícias (ainda há pouco recrutou 50 naquelas paragens) e desperta o
interesse dos canicultores de todo o país, esteve em vias de desaparecer, tal
como acontece presentemente com o «Serra da Estrela». A raça, através dos
tempos, foi-se degenerando pelo cruzamento com outras espécies. Foi então que
desde há 17 anos, em Castro Laboreiro - o solar da raça - vêm sendo realizados
concursos, promovidos pela Intendência de Pecuária de Viana do Castelo, em
estrita colaboração e com o apoio técnico do Clube Português de Canicultura com
sede em Lisboa, (entidade que no nosso país superintende na canicultura
nacional) exactamente com a finalidade de fomentar e preservar aquela
variedade. Dizia-nos o Dr. Teodósio Marques Antunes, Intendente Pecuário de
Viana, que ao primeiro concurso estiveram presentes apenas nove animais e
desses só dois eram exemplares mais ou menos característicos. «Tudo o resto era
uma salada russa».
Coisa esquisita também,
que chamou a nossa atenção, é o nome que a gente põe aos seus cães. Quando
alguém pergunta o seu nome, a resposta é do género: «Que lhe diga ele», «Não se
diz», «Pergunta-Ihe», «Como a ti», etc.
O «Cinco de Outubro» é
dia de festa na freguesia, festa sem foguetes nem procissão. Prato melhorado ou
saia nova. Mas festa. A mulher de Castro Laboreiro vê em tal dia a promoção dos
seus cuidados no mundo canino. Data que é um chamariz à terra, de gente de
todos os lados e culturas. Dia em que os naturais contactam mais de perto e se
familiarizam com as pessoas da cidade.
- Hoje já não se
interessam pelos prémios pecuniários - disse-nos aquele pároco.
-Só lhes interessam as
taças e as medalhas ganhas pelos seus cães para as exibirem no melhor canto da
casa. E o dinheiro dos prémios não lhes interessa porque em Castro Laboreiro
todos vivem muito bem. Não há pobres. A nosso pedido, o «chefe espiritual»
daquele povo esclareceu-nos: -Para esta pequenina terra, os emigrantes enviam
mensalmente à volta de três mil contos. Esboçamos uma reacção de surpresa. O
Padre Aníbal, então, à muita insistência nossa, acedeu em pormenorizar:
-Cada um remete para a
família uma média de cinco a seis mil escudos. Mas há quem remeta todos os
meses meia centena de contos, garantiram-nos; aquele sacerdote não desmentiu. O
seu sorriso antes, confirmou. E nós próprios falámos com a esposa do
proprietário da estalagem de Castro Laboreiro, na qual foram gastos três
milhões de escudos, que, depois de muito instada, acabou por confessar que o
marido lhe mandava de França trezentos contos anuais, ou seja, uma mensalidade
de 25! ” (...)
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- Jornal “O Mundo Canino” – Novembro de 1971,
por Aurélio Cunha (textos) e Orlando Soares (fotos)
Para ler a PARTE Ii deste texto clique A Q U I
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