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domingo, 21 de junho de 2020

Melgaço nos últimos tempos da Monarquia (1909)





Recuamos até 1909, quando a monarquia estava próxima do fim e a República havia de chegar em breve. Como seria Melgaço nessa época?Nesse mesmo ano, é publicado o interessante “Portugal – Dicionário Histórico...” que dedica longos parágrafos a Melgaço: “MELGAÇO - Villa da prov. do Minho, sede de concelho e de comarca, distrito de Vianna do Castello, arcebispado de Braga, relação do Porto. Tem uma só freguezia, Santa Maria da Porta. Está situada n’um alto, na margem esquerda do rio Minho, que a separada Galliza, que lhe fica mesmo em frente, a 66 kilómetros da sede do distrito. A mitra e a Casa de Bragança apresentavam alternativamente o abbade que tinha 400$000 réis de rendimento.
Melgaço é povoação muito antiga, fundada pelos antigos lusitanos ou pelos romanos, mas ignora-se quando foi fundada e o seu nome primitivo. O que se sabe, com certeza, é que os árabes tinham aqui uma grande fortaleza, chamada Castello do Minho nome, que já no tempo do conde D. Henrique estava arruinada (Comentário: Este pormenor merece um reparo. O Castello do Minho não ficava em Melgaço mas sim perto de Ribadávia). D. Affonso Henriques achou a povoação deserta, por ter sido abandonada pelos árabes, e mandou-a povoar em 1170, reedificando lhe o castello. Outra versão diz que n’uma carta de couto dada em 1197 ao mosteiro de crúzios de Longovares, se declara ter sido a torre e a fortaleza mandadas edificar por D. Pedro Pires, prior do referido mosteiro, e à sua custa, e D. Affonso Henriques deu lhe o primeiro foral em 21 de julho de 1181, doando aos seus moradores a aldeia de Chaviães. Este foral foi confirmado em agosto de 1219 por D. Affonso II, dizendo que a povoação podia ter 350 vizinhos, e que escolhessem alcaide-mor, que sendo benemérito, elle o confirmaria. D. Affonso III deu-lhe outro foral, em Braga, a 29 de abril de 1258, que depois confirmou, em Guimarães, a 9 de Fevereiro de 1261. El-rei D. Manuel lhe deu foral novo, em Lisboa, a 3 de Novembro de 1513. El-Rei D. Diniz enobreceu Melgaço com a sua cinta de muralhas, em 1289. Estas muralhas tinham apenas 2 m de altura, e a sua configuração é quasi quadrada. Outros escritores dizem que foi D. Sancho I quem mandou construir o castello e as muralhas de .Melgaço, que D. Sancho II concedeu grandes privilégios à villa e que D. Affonso III os confirmou. Nas repetidas guerras de Portugal contra Castella, Melgaço e o seu concelho deram soldados intrépidos e destemidos, que muito se distinguiram nos combates e batalhas.
Nas guerras de D. João I de Portugal contra D. João I de Castella, se tornou celebre Ignez Negra, mulher natural de Melgaço. Os castelhanos haviam-se apoderado da maior parte das povoações fortificadas do Alto Minho, mas os portuguezes tinham obrigado a capitular o forte castello de Neiva. Vianna, de que era governador o castelhano Vasco Lourenço do Lira, tinha sacudido o jugo hespanhol pela bravura d’um escudeiro, appelidado o Frisus que, pondo-se à frente do povo, atacou o castello, fazendo prisioneiro toda a guarnição inimiga, mas ficando o valoroso escudeiro mortalmente ferido. Ponte do Lima foi resgatada pelo valor de alguns dos seus naturaes, em prémio do que, o lei lhe mandou collocar os bustos sobre as vergas das portas. Monção, V. N. da Cerveira e Caminha, entregaram-se sem custo.
Finalmente, em toda a provínda do Minho, só Melgaço estava sujeito a Castella. Era seu governador ou alcaide-mor Álvaro Paes Sotto Maior, castelhano, e tendo de guarnição 300 infantes e 300 cavallos, porfiava na resistência.
D. João I, que estava em Braga, onde reunira cortes, impacientou-se com a resistência da praça, e partiu para assumir a chefia das tropas que tinha mandado a pôr-lhe cerco. Tendo passado dez dias em que se haviam dado apenas umas escaramuças que nada decidiam, o monarca mandou fabricar um castello de madeira, que ficasse a cavalleiro das muralhas, cuja construcção levou vinte dias. Os cercados, receando o assalto, deram sinal de armistício, e João Fernandes Pacheco foi mandado propor a rendição da praça, mas Álvaro Paes exigiu taes condições, que nada se conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que elle próprio o comandaria. D. João I havia casado pouco tempo antes, em 1387, com D. Filipa de Lencastre, e a rainha estava em Monsão com as suas damas, acompanhada pelo Dr. João das Regras e por João Affonso de Santarém, vindo do Porto ali visitar seu marido, e tencionando ir residir no convento de Fiães em quanto durasse o cerco da praça. Contam as crónicas que dentro dos muros de Melgaço havia uma mulher intrépida, partidária dos castelhanos, conhecida pela Arrenegada, por ter renegado a sua pátria, pois era natural de Melgaço. Sabendo que no arraial dos portuguezes estava uma sua patrícia, ousada e valorosa como ella, chamada Ignez Negra, mandou-a desafiar a um combate singular, que foi imediatamente aceite. Era o dia 3 de Março de 1388. Ignez dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial e da villa, e já lá estava a Arrenegada. O combate começou encarniçado, terrível e desesperado, ferindo-se ambas com as mãos, unhas e dentes, depois de partidas as armas de que vieram munidas.
Duarte Nunes do Leão, na Crónica de D. João I, não diz a qualidade das armas. A agressora ficou vencida, tendo de fugir para dentro da villa, ferida e quasi sem cabello, levando nos focinhos muitas nódoas de punhadas da de fora, que ficou vitoriosa. No arraial portuguez foi ruidosamente celebrada a victória de Ignez Negra, e no dia seguinte Melgaço caia no poder do Mestre de Aviz. A intrépida mulher estava no alto da plantafórma, onde o pendão das quinas ondeava ovante, no próprio mastro em que na véspera ainda se ostentava orgulhosa a bandeira castelhana, e dizia no seu transporte de alegria para os besteiros que a cercavam; «Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do rei de Portugal!»
Em 1807, quando se deu a invasão franceza, Melgaço foi a primeira praça de guerra que expulsou os soldados de Napoleão, aclamando o príncipe regente D. João e a Liberdade, a 11 de junho de 1808. (Comentário: Este facto não corresponde à verdade. Os soldados franceses não chegaram a passar por Melgaço. A vila de Melgaço proclamou-se fiel ao príncipe regente D. João!) Bragança seguiu-lhe o exemplo, fazendo a aclamação a 11, pondo-se à frente dos restauradores o general Sepulveda.
Instantaneamente a revolução se propagou pelas províncias do norte, e o Porto fez a sua aclamação a 19. O Algarve e o Alentejo deram o grito da Liberdade no dia 20, tudo do referido mez de Junho.
A villa pertenceu à Casa de Bragança, e todos os ofícios eram dados pelos duques. Conserva ainda parte do seu antigo aspeto. A cinta de muralhas que protegia a villa tornou-se por fim um obstáculo à sua expansão, e apearam-na por isso, abrindo novas ruas e levantando novas edificações. Como que se divide assim em duas partes, chamadas fora da villa e dentro da villa. A primeira tem boas construções modernas, airosa e desafogada, sendo a segunda sombria e pesada, ainda com o característico das nossas antigas povoações. A igreja matriz de Melgaço é simples e d’uma só nave.
Próximo do convento dos religiosos da ordem Terceira de S. Francisco, que pertence hoje à Misericórdia, e n’uma elevação, vê-se a capella da Senhora da Pastoriza; o seu altar mor é de talha antiga. A 1 km da praça está o Santuário de Nossa Senhora da Orada, edificado sobre o cume d’um monte. Desde aquella igreja até à villa vê-se a estrada povoada, d’uma e d’outra parte, de casas, hortas, prados, fontes e pomares, que faz da estrada um bonito passeio. O templo é de boa cantaria. Foi até 1834 da jurisdição dos monges do convento de Santa Maria, de Fiães, por doação de D. Sancho I, que o havia herdado de seu pai. Este templo é muito antigo, e ignora-se a data da fundação. Dizem que já existia no tempo dos godos. D. Affonso Henriques, achando-o em ruínas, o mandou reedificar pelos annos de 1170, como consta d’uma escriptura de doação, feita por D. Sancho I, em Santarém, a 11 de Setembro de 1207, assinada pelo rei, todos os seus filhos e prelados do reino. A imagem de Nossa Senhora da Orada é de muita devoção dos povos d’estas localidades, e desde a quinta feira da Ascenção, até à festa do Espírito Santo, ainda hoje ali vão de romaria a maior parte das freguezias dos concelhos de Melgaço, Monção e de Valladares, oferecer à Senhora o resíduo do círio pascal, levando os seus respetivos párocos e ao menos uma pessoa de cada casa. É cumprimento d’um antigo voto, feito por ocasião d’uma grande peste, de cujo flagelo foram estas terras preservadas, tendo sofrido muito as outras. Ainda hoje se fazem procissões de penitência com um enorme cortejo. Perto d’esta igreja havia uma propriedade chamada Quinta da Orada, que a condessa D. Frouila deu ao mosteiro de Fiães, assim como a Quinta de Cavalleiros, na freguesia de Rouças, d’este concelho, em 16 de Dezembro de 1204. Melgaço pertence à 3ª Divisão Militar, 5ª Brigada, Grande Circunscrição do Norte, e ao distrito de recrutamento nº 3, com sede em Vianna do Castello. Tem escolas para ambos os sexos, estação de telégrafo e postal com serviço de emissão e pagamento de valles do correio e telegraphicos, cobrança de recibos, letras e obrigações, e serviço de encomendas, permutando malas com a R. A. M.
Tem Misericórdia, hospital, advogados, notário, médicos, pharmacias, agências bancárias e das companhias de seguros Previdência, Tagus, e da Equitativa dos Estados Unidos do Brazil, agência de vapores, casas de pasto e de bebidas, vice-cônsul hespanhol e do Brazil, sociedade Recreio Melgacense, feiras mensais nos dias 9 e 14.
Tem-se publicado em Melgaço os seguintes jornais: Espada do Norte, 7 de janeiro de 1892; é continuação do Melgacense, 1 de dezembro de 1887; Jornal de Melgaço, 1 de dezembro de 1893; em publicação, dezembro de 1908; Melgacense (O), 6 de novembro de 1887 a 18 de outubro de 1888; Melgacense, 16 de julho de 1896; No Jornal de Melgaço, 27 de janeiro de 1898.
Do castello ou torre do relógio, ainda bem conservada exteriormente, desfruta-se um bonito ponto de vista para a maior parte do concelho e para Hespanha. No local de Barzia, da freguesia de Paderne, do concelho de Melgaço, existe a quinta de Peso, em que há uma nascente de aguas mineraes, que são claras, transparentes, inodoras, de sabor picante e muito gazozas. As aguas de Pezo de Melgaço tornam se notáveis por serem as que em Portugal contem maior proporção de carbonato de cal, e das que mais acido carbónico apresentam.
São muito usadas contra as dyspepsias, lithiase biliar e diabetes. O concelho de Melgaço compõe-se de 18 freguezias com 3 776 fogos e 14 910 habitantes, sendo 6 400 do sexo masculino e 8 510 do feminino. As freguezias são: S. Martinho, de Alvaredo, 760 hab.: 332 do sexo masc. e 428 do fem.; Santa Maria, de Castro Laboreiro; 2 019 hab., 934 do sexo masc. e 1 116 do fem.; Santa Maria Magdalena, de Chaviães, 653 hab.: 263 do sexo masc. e 390 do fem.; S. Martinho, de Christoval, 755 habitantes: 290 do sexo masc. e 465 do fem ; S. Thomé, de Cousso, 551 hab.: 218 do sexo masc. e 333 do fem.; Santa Maria, de Cubalhão, 345 hab.: 158 do sexo masc. e 187 do fem.; Santa Maria, de Fiães, 783 hab.; 308 do sexo masc. e 475 do fem.; Santa Maria, de Gavea, 622 hab.: 260 do sexo masc. e 362 do fem.; S. João Baptista, de Lamas de Mouro, 205 hab.: 63 do sexo masc. e 142 do fem.; Santa Maria da Porta, de Melgaço, 1 080 hab.: 461 do sexo masc. e 619 do fem ; Santa Maria, de Paços, 667 hab.: 300 do sexo masc. e 367 do fem.; S. Salvador, de Paderne, 1:908 hab.: 829 do sexo masc. e 1:079 do fem.; S. Mamede, de Parada do Monte, 801 hab.: 375 do sexo masc. e 429 do fem.; S. Bartholomeu, de Penso, 1 072 hab.: 463 do sexo masc. e 609 do fem.; S. Lourenço, do Prado, 530 hab : 213 do sexo masc. e 317 do fem.; S. João Baptista, de Remoães, 165 hab.: 71 do sexo masc e 91 do fem.; Santa Marinha, de Rouças, 942 hab.: 414 do sexo masc. e 528 do fem.; S. Paio, de S. Paio de Melgaço, 1 019 hab.: 449 do sexo masc. e 570 do fem.
O principal comércio do concelho é milho, feijão, vinho e presuntos."





Extraído de: PEREIRA, Esteves & RODRIGUES, Guilherme (1909) - Portugal - Diccionário Histórico, Chorographico, Biográphico, Bibliográphico, Heráldico, Numismático e Artístico. João Romano Torres & Companhia; Lisboa.

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