domingo, 9 de junho de 2024

O mosteiro de Fiães em 1834

 


Na sequência do triunfo dos liberais em Portugal, em 1834 e por decreto governamental, são declaradas extintas as Ordens Religiosas e as comunidades monásticas. Em Melgaço, tal decisão põe fim aos conventos das Carvalhiças e de Fiães. 

Por essa altura, no convento de Fiães, a comunidade estava reduzida a dois monges, tendo ainda um terceiro frade, mas que se encontrava a viver com os seus familiares por ter uma doença contagiosa. Depois da extinção do mosteiro, o governo mandou pôr em praça pública as ruínas do mosteiro para serem vendidas, tendo a igreja passado a ser paroquial. Em 1836, é extinto também o “Couto de Fiães” e o seu território, incorporado, como freguesia, no concelho de Melgaço. 

No inventário dos bens do mosteiro de Fiães, aquando da sua extinção, um documento de 1836 refere que o mosteiro "com suas cazas e oficinas, que lhe são inherentes, bem como a Cerca, e Igreja, sem que se mencionem mais esclarecimentos (...)". Neste documento é descrito o convento com algum pormenor o que nos permite conhecer um pouco como era este mosteiro. No inventário dos objetos pertencentes ao culto divino, datado de 1834, consta na capela-mor o seu altar, com hum retábulo muito antigo, pintado e dourado, e, tendo no centro do mesmo e no fim do trono a imagem de Santa Maria, de vulto, pintada e dourada, e, lateralmente, as imagens, em vulto ordinário, pintadas e douradas, de São Bento e de São Bernardo. O altar de São Bento tem um humilde retábulo, antigo, pintado e dourado, albergando ao centro a imagem do orago, de vulto ordinário, pintada e dourada, com resplendor de folha, e, sobre a banqueta, uma cruz pequena, pintada de preto, com um Crucifixo pequeno. O altar de Nossa Senhora do Rosário tem um retábulo pequeno e antigo, pintado e dourado, tendo no centro a imagem do orago, em vulto ordinário, pintada e dourada, à direita uma imagem de Maria Madalena, em vulto ordinário, pintada e dourada. Na igreja havia mais dois altares laterais, um do lado do Evangelho e outro no da Epístola. Ambos indecentes, com seus retábulos velhos, com quatro imagens pequenas, sendo uma São Sebastião e duas do Menino Deus e Nossa Senhora, bem como um Crucifixo pintado numa cruz preta. Na sacristia tinha um "caixão" ordinário, com três gavetões e três armários; em frente da sacristia havia um oratório de pau, velho e pequeno, com um Crucifixo de palmo pendente em uma cruz de pau, pintada de verde. Na capela abacial havia um altar com seu retábulo antigo, pintado e dourado, tendo no centro a imagem de Nossa Senhora da Conceição, em vulto, pequena, pintada e dourada, com a sua coroa de folha, mais uma cruz dourada com um Crucifixo pequeno, uma pedra de ara, dois livros corais e uma estante pequena. O inventário refere ainda a existência de uma imagem de vulto ordinária, que dizem ser São Bernardo, pintada e dourada, e um sino na torre. Concluído o inventário, os bens são entregues ao pároco da freguesia Manuel Joaquim Fernandes da Costa. O inventário do mosteiro refere apenas os bens de administração direta: "Item digo item hum Mosteiro com suas ortas tudo circundado. Hum campo chamado da Magdalena, que produs so feno que parte do Nascente com a estrada publica que vai para Rouças e do poente parte com ribeiro chamado o Regueiro da Ponte. Item outro dito chamado o Campo Piqueno que produs feno com as mesmas confrontações. Item outro chamado do Follão que somente produz feno com as mesmas confrontações. Item outro dito chamado o Campo de Serca, que parte do Nascente com a serca do mesmo Mosteiro, e do Poente com o carreiro que vai para a Igreja e que somente produz feno. Item outro chamado do Moinho, com seu moinho, dentro que parte do Nascente com o terreiro do Mosteiro e do Poente com a estrada que vai para Rouças. Item mais a Serca por cima do Moinho que pare do Nascente com a estrada publica que vai para a igreja e do Poente com o Mosteiro que se compõem de carvalhos piquenos e tojo. Item outra tapada chamadas Mattas que parte do Nascente com Manuel Domingues de Souto Mendo de Vaixo, e outros, e do Poente com a estrada publica que vai para Melgaço, e sua produção he ttojo. Item mais hum monte chamado da Fraga, que se compõem de casinheiros, que parte do Nascente com Diogo Domingues de Pousafolles, e do Poente com a corga que vai para o lugar de Gonlle freguesia de Christoval e lugar do Campinho de Fiaens. Item mais a quinta sita no lugar de Caballeiros freguesia de Rouças que se compõem de cazas tilhadas e sobradadas, e terras de pão e vinho, e carvalheira no fundo, e com arvores de fruto que parte do Nascente com a estrada publica que bem de Fiaens ara Melgaço e do Poente coma quinta de Pascoa Domingues, e regato de babuzaens"

Ainda há pouco mais de cem anos permanecia intacta parte da estrutura do convento. Em 1903, Guilherme de Oliveira descrevia assim o que encontrou em Fiães: "... da torre, que devia ser grandiosa, restam alguns metros de grossas paredes, formadas de grandes pedras desconjuntadas, tendo, mesmo assim n'ellas cravadas, o enorme sino que ainda tange para o serviço da igreja. Havia n'este logar uns vestígios de muralha, que foram propositadamente demolidos para a construção do cemiterio que hoje alli existe, o qual é fechado por moderna grade de ferro.

Na fachada da igreja, o autor refere o portal "que é do mesmo estylo, (...) gótico pouco ornamentado", o brasão arcebispal, tendo, à direita, o de Portugal e, à esquerda, o de uma rainha portuguesa que foi da casa de França, e a cobri-lo a mitra e o báculo e as respetivas coroas. No adro, que contorna o edifício, havia grandes carvalhos. "Existem tambem de pé as paredes frontaes de uma parte da ala direita do convento, a qual, como o requeria o logar, que é de grandes ventanias e temporaes, tem fortes cantarias. As janelas e portas são de pequeno formato e sem nenhuma importancia architectonica. Eram por detraz os claustros, dos quaes ainda se vêem algumas elegantes e finas columnas sustentando aqui um arco, alli um resto de flecha, e além formando monte (...). Existem tambem, dispersas pelo terreno transformado em campo de lavoura, paredes com restos de janelas, hombreiras, escadas, e o logar da fonte que abastecia o convento" (...) Tinha o D. Abbade capela particular, - chamada abacial, - a qual está assinalada por pedaços de grossos muros mal conservados. Alli, em um altar, veneravam-se as imagens de Nossa Senhora da Conceição, de grande formato, e outra menor, de S. Bernardo. Havia dependências especiaes para as audiencias publicas, casa de albergue alpendradas, e um corpo de edifício do uso e estado independente do superior. Era na grande sala da presidencial que se resolviam os negocios do convento, na presença do escrivão de Valladares. (...)" O mosteiro era completado, com a casa do capítulo, refeitórios, penitencias e biblioteca que, "conjuntamente com o archivo, desappareceu em um dos incêndios. (...) Seguem-se velhas casarias ou choças assobradadas, que são hoje a residencia do Reitor. Na frente d'estas, e ao lado do adro, existem ainda umas depressões no solo por onde se escoam fios de aguas sulphurosas, que são os vestígios dos antigos banhos que alli havia". Em 1903, a igreja era descrita da seguinte forma: "Duas ordens de robustíssimas columnas de granito, de remota antiguidade, formam a nave central da egreja. As cornijas e as cimalhas são ornadas com figuras mais ou menos plantasticas. Os arcos, largos e bem lançados, com elegantes archivoltas, teem grande imponência e vão até aos frechaes do tecto, que era de madeira apainelada. O tempo destruiu-o, e hoje, a telha vã que os ventos separa, faz que, através do seu arrendilhado, se veja o azul do céo, e se escoem as chuvas que hão arruinado o pavimento. As columnas, que sustentam o arco da frontaria estão cortadas com arte, a alguns metros do solo, o que lhe dá a apparencia de uma arcaria suspensa. O altar principal, assim como os lateraes, teem a obra de talha bem estragada, e parecem pequenos para o tamanho do templo. Na capella môr, há um retábulo pintado e dourado, e no throno a imagem de Santa Maria, e diversas. No altar de S. Bento vê-se tambem um retábulo menor. Esta imagem era, até há pouco tempo, visitada pelas populações dos contornos durante o anno, e, particularmente, no dia em que a egreja venera o santo, por ser de grande devoção e muito milagrosa. Há ainda diversos altares com as imagens de S. Sebastião e outras. O d'este santo, que era da confraria das almas, foi feito privilegiado em 1716, por breve do papa Benedito XIV. O púlpito é de madeira entalhada, com a folhagem alta. O grande côro tem a mesma simplicidade e robustez que se nota em todo o edifício. Dos túmulos, o único que existe é o de Fernão Annes de Lima, pae do primeiro Visconde de Villa Nova de Cerveira, o qual se supõe ter sido sepultado pelos anos de 1430 (...) tem as armas sobrepostas, e assente sobre dois supportes que terminam em cabeças de fórma humana. Este tumulo foi primitivamente collocado junto à capella de S. Sebastião. Hoje acha-se à direita de quem entra".


Fontes consultadas:

- MARQUES, José (1990) - O Mosteiro de Fiães (Notas para a sua história). Braga: Barbosa & Xavier, Limitada.

- OLIVEIRA, Guilherme de (1903) - Uma Visita às Ruinas do Real Mosteiro de Fiães. Lisboa: Typographia da Sociedade A Editora.

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