domingo, 24 de março de 2024

Quem foi o Prior Pedro Pires a quem Melgaço deu o nome de uma viela?




Na toponímia da vila de Melgaço, encontramos um conjunto de ruas com o nome de pessoas ilustres, a grande maioria naturais de Melgaço. Na vila intramuros de Melgaço, encontramos, a ligar a Rua de Baixo à Rua Direita, uma pequena via denominada de Viela Dom Pedro Pires. Trata-se de uma personalidade bastante desconhecida dos melgacenses, que viveu entre os séculos XII e XIII, e que teve um papel fundamental na construção do velho castelo na vila de Melgaço. Na verdade, a referência mais antiga à torre de menagem já construída data de finais do século XII. De facto, o rei D. Sancho I, em 1199, outorgou carta de couto ao prior do mosteiro de Longos Vales, que era Dom Pedro Pires, para, entre outras razões, o compensar pelas obras feitas no castelo de Melgaço: “...E saiba-se que isto fizemos por remição de nossos peccados e pello amor de Deus, pella torre que Dom Pero Periz prior do dito mosteiro com seus frades nos fes em Melgaço…” Neste extrato, se mostra que Dom Pedro Pires mandou construir a torre de Melgaço à sua custa. Se consultarmos a “Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarca S. Agostinho”, lá também encontramos uma alusão clara à fortaleza de Melgaço e onde nos dá a conhecer algo mais do então Prior do mosteiro de Longosvales: “Entre os illustres Prelados deste Mosteiro de S. João de Longouades foi hum o Prior Dom Pedro Pirez irmão do Arcebispo de Braga Dom Martinho Pirez, a quem El-Rey D. Sancho I, estimava muito & a seu rogo fez couto o dito Mosteiro no anno de 1197 de que lhe mandou passar sua carta estando na Cidade do Porto, & nella diz o mesmo Rey que lhe faz esta mercê pello assinalado serviço que o Prior Dom Pedro Pirez lhe fez em fundar a sua custa a Torre, & fortaleza da villa de Melgaço.” (SANTA MARIA, 1668) 

Assim, ficamos a conhecer algo da personalidade deste Prior do mosteiro de Longos Vales que patrocinou a construção da velha torre de menagem. Salientamos que, das individualidades presentes na toponímia melgacense, esta é a que viveu em tempos mais recuados. 

sábado, 9 de março de 2024

A fundação dos Bombeiros Voluntários de Melgaço





As origens da Associação Humanitária remontam há pouco menos de um século, nesta nobre vila de Melgaço. A sua fundação faz-nos recuar a 21 de Março de 1927, concretizando-se por iniciativa de Augusto César Esteves. Nessa data são aprovados os seus estatutos. Algum tempo mais tarde, em sessão solene na antiga Escola Primária Conde Ferreira, são declarados oficialmente “inaugurados” os Bombeiros Voluntários, com a sua Banda de Música que viria a ser famosa na região. Na ata que oficializa a constituição desta distinta instituição, podemos ler: “Aos catorze de Abril de mil e novecentos e vinte e nove, pelas quinze horas, nesta vila de Melgaço e no Salão Nobre da escola “Conde de Ferreira”, à Praça da República, em sessão solene aberta pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Augusto César Esteves, presidida pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Américo de Freitas Coutinho Maltez, ex-Juiz de Direito nesta Comarca, secretariado pelos Excelentíssimos Senhores Doutor Augusto César Ribeiro Lima e Doutor António Francisco de Souza Araújo, tendo ainda, à sua direita, a menina Iracema Mandes de Araújo, madrinha de baptismo do material de incêndio e o Excelentíssimo Senhor Hermenegildo Solheiro Júnior, administrador deste concelho, e à sua esquerda, os Excelentíssimos Senhores Doutor Augusto César Esteves e o tenente José Pires Louro de Oliveira, aqui depois de vibrantes discursos proferidos pelos Excelentíssimos Senhores Doutor Augusto César Esteves, Doutor Américo de Freitas Coutinho Maltez, Doutor António Francisco de Sousa Araújo, Doutor Augusto César Ribeiro Lima, entre palmas e vivas, se declara oficialmente a Humanitária Associação dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, sendo proclamado fundador da Associação o Excelentíssimo Senhor Doutor Augusto César Esteves e fundador da Banda dos Bombeiros Voluntários de Melgaço o Excelentíssimo Senhor Doutor Américo de Freitas Coutinho Maltez, e entusiasticamente vitoriada a Grande Comissão Organizadora dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, composta pelos Excelentíssimos Senhores Doutor Américo de Freitas Coutinho Maltez, Doutor Armando António Barbosa, Doutor Augusto César Ribeiro Lima, Doutor Augusto César Esteves, Padre António Manoel da Cunha, António Joaquim Esteves, Abel José Nogueira Dantas, Duarte Augusto de Magalhães, Ernesto Viriato Ferreira da Silva, Germano Alves de Carabel, Hermenegildo José Solheiro, Doutor José Joaquim de Barros Durães, Tenente da Guarda Fiscal José Pires Louro de Oliveira, Manuel José da Costa e Raul Solheiro Esteves. Para constar se passou a presente acta, que a mesa assina, com os presentes que o quiserem fazer, depois de lida por mim que a subscrevi. António Francisco de Sousa Araújo. Secretário (seguem-se cerca de 40 assinaturas)” 

Nos primeiros tempos de existência dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, foi memorável a sua “...destacada atuação em 1930, quando ficou conhecida e laureada em Portugal e Espanha.



Do outro lado do Rio Minho, em frente a Melgaço, na Espanha, o comboio expresso Madrid-Vigo descarrilou. O acidente foi presenciado pelos curiosos que gostavam de ver passar aquele bonito comboio. Foi dado o alarme e logo o sino da matriz tocou a rebate, convocando bombeiros e povo. De barco e a nado, atravessaram o rio, socorrendo os acidentados e resgatando seus pertences que boiavam rio abaixo. Foi um momento épico. Os jornais espanhóis e portugueses deram grande destaque ao acontecimento elogiando os bombeiros de Melgaço. A organização nacional dos bombeiros, de Lisboa, mandou um instrutor, algum material e o povo custeou a compra de uma bomba para a recente fundada organização, carente de recursos técnicos, mas recheada de altruísmo. A bomba era o que de melhor existia na época, de tração braçal, montada em uma espécie de carroça, para ser puxada por muares, mas que sempre foi impulsionada pelas pessoas, puxando ou empurrando. Na mesma época, Simão Luíz de Souza Araújo, filho da terra, que emigrara para o Brasil e aí fizera fortuna, já tinha construído o seu luxuoso palacete e tinha na garagem um automóvel Buick, seis cilindros, modelo 1924. Como a maior parte do ano esse carro ficava inativo, Simão Araújo, empolgado com a bravura dos bombeiros da sua terra, deu-lhes esse automóvel. Além de abnegados soldados da paz, revelaram-se, esses rapazes melgacenses, primorosos artífices. Transformaram o luxuoso carro de passeio em sensacional carro de bombeiros. Retirada a carroçaria, adaptaram ao chassi seis poltronas com estrutura em ferro, um grande cilindro central, elevado, destinado a conter os artigos de primeiros socorros. Machados e picaretas embutidos no chassi e duas grandes roldanas com as mangueiras. Na frente, o banco do motorista era corrido onde cabiam mais três pessoas, nos estribos laterais, em pé, ia o resto da guarnição. No cimo do capô, uma sineta avisava a sua aproximação, o que seria desnecessário uma vez que para maior desenvolvimento retiraram o escapamento e os seis cilindros do poderoso motor que fazia um barulho ensurdecedor. Haviam reforçado os feixes de molas para suportar o grande peso. Pintado todo em vermelho-sangue com os dizeres em branco nas laterais do cilindro: VIDA POR VIDA. Era uma jóia de artesanato sem utilidade. Deveria ter-lhe sido adaptada uma bomba a gasolina, o que nunca aconteceu.” (IGREJAS,2014)



Conforme se pode ler atrás, os Bombeiros de Melgaço possuíam uma Banda de Música. A mesma teve cerca de duas décadas de vida e seria dissolvida em 1948 e daria mais tarde origem à Banda de Música de Melgaço que seria extinta no final da década de 60 do século passado e da qual ainda uns quantos se lembrarão. Nos tempos tempos áureos da corporação melgacense, quer os Bombeiros Voluntários, quer a sua Banda de Música, gozavam de enorme fama. A esse propósito, nos falam os escritos de Aldomar Soares no livro “Padre Júlio apresenta Mário” relativamente à participação da corporação melgacense numa convenção em Valença ainda na década de trinta do século passado: “Haviam-se reunido em Valença, em convenção, representações das corporações de Bombeiros Voluntários de toda a região. A corporação dos Bombeiros de Melgaço, claro que também esteve presente, e com destaque principalmente pela sua famosíssima Banda de Musica. Os Bombeiros de Melgaço, aliás, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, denominação pomposa e bem representativa do carácter daquele povo simples e bondoso, foi fundada em 1927 (...), em condições precárias e material rudimentar, por inspiração do jovem advogado melgacense, Dr. Augusto César Esteves. De quando a ida a Valença tinha o seu quartel instalado no rés-do-chão daquele casarão do Rio do Porto de Cima, na estrada nacional.”Da ida a terras valencianas e da participação da Banda de Música dos Bombeiros de Melgaço nessa tal Convenção em Valença, fala-nos com mais pormenor, Manuel Félix Igrejas, num texto publicado na “Voz de Melgaço” onde nos conta que: “Pois, foi ainda à sombra dos lauréis daquele acontecimento glorioso para os Bombeiros de Melgaço ocorrido seis anos antes, que a corporação melgacense se apresentou na Convenção na Vila de Valença. Era um domingo frio e chuvoso, clareava o dia. Os briosos Bombeiros vinham chegando impecavelmente vestidos com seu fardamento de cotim cinzento, bem lavado e passado, o dolman apertado até ao pescoço com botões de metal dourado, sapatos pretos engraxados. No quartel apanhavam os cinturões com as machadinhas, e o capacete. Como eram bonitos aqueles capacetes de metal dourado, reluzentes, com o emblema da corporação encimado por uma águia também em metal sobre postona frente. Do capacete descia um cordão vermelho de veludo que ia até ao cinturão. Também da platina do ombro até ao bolso do peito pendia um cordão vermelho em curva sobre o peito, e para completar a gala do fardamento luvas brancas. Que maravilha! A Banda de música com a mesma galhardia no vestir, em vez de capacetes usavam bonés. Foram em duas camionetes da carreira. Naquela época ainda não tinham o famoso carro da bomba, jóia de artesanato, por eles construído em cima do chassis do Buick modelo 1928, que Simão Araújo doara; mas isso é outra história. (...) Os Bombeiros de Melgaço no desfile e não sei mais o que, não fizeramlá grande figura, mas a Banda de Música, sim senhores, que figuraça. O Mestre Morais não abria mão da disciplina, militar que fora, fazia questão que fosse cumprida nos mínimos detalhes, além da capacidade musical que transmitia aos executantes, autênticos virtuosos. O Mestre Morais além de emérito regente e disciplinador, entre vários instrumentos tocava violino. Pois a Banda Musical dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, não obstante o mau tempo, à hora marcada, iniciou o desfile atacando um dos seus famosos ordinários. Fizesse calorão ou chovesse picaretas, na hora estipulada fazia-se presente, já fora assim em Braga, noutra memorável participação. À noite, no salão de espectáculos, a Música de Melgaço demonstrou toda a sua classe erudita. Mimoseou a plateia numerosa com um magistral concerto sinfónico onde incluiu a suite do 1812. Essa performance do Mestre Morais e seus pupilos foi aplaudida e comentada nos jornais da região. O povo de Melgaço mais uma vez ficou orgulhoso e feliz. O tema das conversas durante muito tempo passou a ser a Banda de Música e de uma maneira tão apaixonada que em alguns sujeitos virou fanatismo, como o Flórido que sempre que se emborrachava, e isso acontecia todo o fim de semana, desandava a cantarolar as árias, ordinários, valsas e todo o repertório da Música. E a gente miúda, a canalha, participava do delírio musical regionalista reinante.” Segundo os escritos e as memórias de alguns, boa parte do prestígio da Banda de Música dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, devia-se à competência do Mestre Morais, assim conhecido no seu tempo. Do Mestre Morais nos fala o livro “Padre Júlio apresenta Mário” nestes termos: “Conhecido e admirado na nossa terra como «Mestre Morais», Manuel Rodrigues de Morais era um amante da música: aprendeu-a, cultivou-a, amou-a, e deixou discípulos e admiradores. Nos grandes acontecimentos locais, fossem festivos, fossem lutuosos, estamos a ver a Banda dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, a desfilar garbosa ou em passo cadenciado em marchas fúnebres com que se associava às lágrimas de familiares que choravam os seus, ou dos amigos que sentiam a perda de alguém que estimavam. Era de porte austero e solene, e sabia ensinar os seus colaboradores musicais. Mestre Morais deu glória à sua terra e levou o nome de Melgaço a terras longínquas de Portugal.”

Nunca mais houve uma Banda de Música em Melgaço. Os Bombeiros Voluntários de Melgaço, quase centenários, continuam a cumprir a sua missão de assistência às gentes da terra.