segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Melgaço após a crise sucessória de 1383-85


Com a morte do rei D. Fernando em Outubro de 1383, dá-se início a uma crise sucessória no trono português que levaria a um conflito armado com Castela. Segundo o Padre Bernardo Pintor, na sua obra “Melgaço Medieval”, guerra por causa da sucessão do trono português foi de consequências nefastas para Melgaço, levando à perda de privilégios previstos em forais anteriores. O facto de a fortaleza ter defendido as aspirações do rei de Castela levou a que o, entretanto aclamado, rei D. João I, se deslocasse a terras melgacenses para ele próprio comandar a tropas que cercaram a praça em 1387. Retomada a praça e expulsa a guarnição, os partidários do inimigo acharam por bem deixarem o nosso território. 

Segundo PINTOR, M. (1975), no tempo de guerra, cometem-se abusos e excessos. Aqueles que se acharam culpados entenderam sair da terra para fugir às inevitáveis represálias. A feira que se realizava em Melgaço desde o alvor da nossa independência decaiu. Com ela, Melgaço tinha movimento e lucro, mas com a sua decadência sofreu a economia local. Para obviar a este mal, D. João I concedeu, em 14 de Fevereiro de 1391, regalias aos feirantes, não podendo ser molestados por causa de grande parte de crimes que acaso recaíssem sobre eles. Isto tanto na feira como na ida e volta durante certo espaço de tempo. Não era caso único mas praxe de outras feiras no país e no estrangeiro. 

Outro documento que interessa conhecer foi outorgado por D. João I a Melgaço, estabelecendo aqui um couto com diversos privilégios. 

 Ei-lo: 

 “João etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que olhando nós e considerando em como a nossa vila de Melgaço, que é na correição de Entre Douro e Minho, é muito despovoada e danificada, e em como está no extremo dos nossos reinos e dos de el-rei de Castela, porém com vontade e desejo de acrescentarmos em ela, e ser melhor povoada, e querendo nós fazer graça e mercê aos homiziados dos nossos reinos e entendendo-o por nosso serviço, temos por bem e coutamo-la e fazemos dela couto assim e pela guisa que o é a nossa vila de Chaves. E queremos e mandamos que daqui em diante todos os homiziados que ora são e daqui em diante forem, vão morar e povoar, se quiserem, ao dito couto de Melgaço, no qual hajam todos os privilégios e liberdades, perdões, que nós mandamos que lhe sejam dados, guardados, e cumpridos, bem e cumpridamente, assim e pela guisa que os nós mandamos guardar ao dito couto de Chaves, sem lhe sendo posto a isso outro nenhum embargo em nenhuma guisa, e maneira que seja. Outrossim porque a nós é dito que o couto e termo do dito lugar de Melgaço é tão pequeno que os dito homiziados não teriam terra em que lavrar nem terra para criarem seus gados, salvo muito gastamente, e em como o termo de Valadares parte junto com a vila do dito couto de Melgaço, o qual termo de Valadares é bom para criarem e lavrarem, porém cremos e mandamos que por os ditos homiziados haverem maior vontade de irem morar e povoar ao dito couto de Melgaço, que seguramente e sem nenhum temor possam os ditos homiziados que em o dito couto morarem e povoarem, lavrar e ter seus gados, apanhar seus frutos no dito termo de Valadares assim pela guisa que o fazem os homiziados que estão no dito couto de Chaves. E isto seguramente sem lhe ser feito outro nenhum desaguisado, contanto que eles tenham suas casas no dito couto ou vila de Melgaço. E porém mandamos a todos os corregedores, juízes e justiças, alcaides e meirinhos dos nossos reinos, e a outros quaisquer oficiais e pessoas a que disto o conhecimento pertencer, a que esta carta ou treslado dela em pública forma feita por autoridade de justiça for mostrada, que assim o cumpram e façam cumprir e guardar porquanto nossa mercê e vontade é de assim ser cumprido e guardado e privilegiado como dito é. E por esta carta mandamos aos juízes e alcaides da dita vila e couto de Melgaço que daqui em diante recebam em a dita vila os ditos homiziados e os deixem em ela morar e povoar, fazendo logo assentar o dia e o mês e era em que se apresentam e os nomes dos ditos homiziados e os malefícios por que são homiziados. E isto em um livro que para isto seja feito, o qual livro seja bem guardado para se saber por ele quanto tempo moram para serem perdoados. Donde outra coisa uns e os outros não façais. Dada em a nossa cidade de Lisboa, 25 dias do mês de setembro. El-rei o mandou por Fernando Afonso da Silveira, cavaleiro seu vassalo e do seu desembargo, não sendo aí o Doutor Rui Fernandes seu porteiro. Fernando Rodrigues escrivão em lugar de João Esteves a fiz. Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1431 anos.” 

 

 

 

Extraído de:  

- PINTOR, Padre Manuel António Bernardo (2005) - Obra Histórica. Edição do Rotary Club de Monção, Monção.  

domingo, 22 de novembro de 2020

Os monges de Fiães e a reparação da muralha do castelo de Melgaço (1245)


 

Há cerca de 800 anos, Melgaço era uma pequena povoação fortificada com muralhas muito rudimentares e pouco resistentes a ataques externos.  

Segundo PINTOR, (1975), a primitiva fortaleza devia conter uma torre de menagem ainda existente com aquele pequeno reduto amuralhado em volta. A povoação adjacente ficaria de fora com a sua igreja a dois passos da porta do castelo. Dado que a entrada dos leoneses em 1211 fez muitos estragos nesta região fronteiriça desde Melgaço a Valença e terras de Valdevez, os moradores de Melgaço bem sentiram a adversidade e trataram de cercar a vila com uma muralha que lhes desse uma proteção mais robusta. Para issoem 1245, concelho de Melgaço celebrou com o abade de Fiães um importante acordo segundo o qual o mosteiro ficaria obrigado a participar na obra de reparação e reforço da muralha. Desse documento, depreende-se que a fortificação era, até essa altura, ainda de alvenaria e se pensava em fazer uma muralha de cantaria silhar para que ficasse mais resistente aos ataques inimigos. 

A cargo dos monges de Fiães ficaram 18 braças de muralha que correspondem a uns 40 metros (em rigor, 39,6 metros). Para sabermos onde era o troço a cargo do mosteiro, ficou-nos a referência na escritura a uma adega que o mosteiro possuía para recolha do seu vinho recebido das propriedades que lhe pertenciam nas proximidades da vila (PINTOR, 1975).

A dita escritura que estipula o acordo entre o concelho e o abade de Fiães, posto em linguagem atual corrente, diz o seguinte: 

 

Pacto entre o abade e o concelho de Melgaço 


“...saibas os presentes e os vindouros que nós, o abade João e o convento de Fiães de uma parte, e os juízes João Pires de Caveiras e Miguel Fernandes e concelho de Melgaço da outra, fazemos entre nós acto e acordo estável avaliado em cem soldos, assinado para nós e nossos vindouros, válido perpetuamente, a saber: queo Abade e Convento, com seus homens que de presente e de futuro estiverem nas proximidades do mesmo mosteiro no couto da nossa vila, façam dezoito braças de muro naquela parte da nossa vila onde agora está a nossa adega, segundo a natureza e forma que nós fazermos e viermos a fazer em todo o circuito da nossa vila. E se cair o muro que fizerem, sempre o mosteiro tenha que o reparar à sua custa, convém saber: se por acaso, os moradores da mesma vila, à sua própria custa, fizerem o muro de pedras quadradas em todo o circuito e as torres do mesmo, igualmente os mesmos devem fazer no mesmo troço a eles demarcado, apenas com uma torre que o já dito Abade promete começar imediatamente. E por este muro e continência que nos fazem os já ditos Abade e Convento, nós perdoamos e dispensamos tanto pessoas como bens dos homens que morarem nas suas herdades no couto da referida vila que não venham ao serviço da sobredita vila a não ser por sua vontade. Se, porém, algum vizinho da referida vila ou outro homem tiver alguma herdade que deva satisfazer foro à mesma vila, da mesma satisfaça o dito foro e não da herdade do mosteiro sobredito se nela morar. Os homens que morarem no couto da mesma vila em herdades do referido mosteiro pagarão direitos e multas como os outros que morarem nas herdades dos bons vizinhos nos mesmo couto. Da mesma forma, o serviço de petições e comedorias. A parte que ousar proceder contra este pacto e concessão, se avisada não corrigir dentro de nove dias, o que cometer quantas vezes fizer, outras tantas seja obrigado perante a outra parte ou quem suas vezes fizer, à pena atrás imposta, continuando o pacto em sua validade. E para que tudo isto não caia em dúvida, mandamos apor em testemunho o selo do Abade e Concelho. Feito o pacto na vila de Melgaço. Era MCCLXXXIII. Mês de Fevereiro. Reinante o rei D. Sacho II. Tenente de Valadares, Martinho Gil. Na Sé de Tui, o bispo L(ucas). 

Os que foram presentes e testemunhas: monges de Fiães: abade João, prior Gonçalo Pais, Martinho Moniz, Pedro Martins, Pedro Garcia, Pedro Pires, Fernando Pires; clérigos: João Mógo, Vicente Mourão, Rodrigo Mendes; leigos de Melgaço: Lourenço Rodrigues, João Hospedeiro, Fernando Dias, Rodrigo Pires, Rodrigo Mendes de Corujeiras, Domingos Joanes, Rodrigo Joanes, Lourenço Martins, Pedro de Bria, Escrivão Munho Soares, monge de Ursaria.” 


Informações extraídas de:

- PINTOR, P. Manuel António Bernardo (1975) - Melgaço Medieval. Edição de autor.

sábado, 14 de novembro de 2020

À procura de opositores ao franquismo em Castro Laboreiro (Melgaço, anos 30)


 


Castro Laboreiro foi, na década de 1930, esconderijo de muitos opositores ao franquismo. A fronteira castreja sempre foi bastante difícil de patrulhar, facto que facilitou a circulação de militantes antifranquistas entre os dois lados da fronteira, encontrando estes em terras castrejas alguma proteção por parte da população e das caraterísticas dos terrenos. 

Com efeito, nos inícios de setembro de 1936, a secção da Guarda Fiscal localizada em Melgaço remetia um ofício ao comandante da sua Companhia onde se queixava do facto de a fiscalização em Castro Laboreiro ser realizada por apenas três praças. Assim sendo, e tendo em conta a extensão da área abrangida, o comandante desta secção entendia que a vigilância era deficiente e que esta só poderia melhorar caso fosse colocado um destacamento de praças da GNR nessa localidade, por forma a haver uma mais estreita colaboração entre as diferentes forças policiais. (…) 

Um outro ofício, datado de 25 de agosto de 1936, foi produzido por Tomás Fragoso, governador civil de Viana do Castelo, um dos distritos portugueses que contou com um maior número de refugiados, dada a sua posição confinante com as províncias espanholas de Ourense e de Pontevedra, locais de onde eram originários muitos dos espanhóis que entraram em Portugal durante este período. Nesse ofício, Tomás Fragoso pedia ao Ministro do Interior que se procedesse a um reforço do posto da GNR que se encontrava localizado na zona de Castro Laboreiro com o objetivo de impedir a entrada no país de espanhóis armados em perseguição dos seus opositores políticos17, ou seja, o governador civil de Viana do Castelo pretendia evitar que os franquistas entrassem em Portugal em busca dos republicanos. 

Perante esta solicitação devemos entender que, para além de desejar impedir que os refugiados espanhóis republicanos transpusessem a fronteira luso-espanhola em busca de refúgio, o regime salazarista queria evitar também que as tropas franquistas entrassem armadas em Portugal, o que poderia provocar medo e ansiedade nas populações raianas portuguesas, estando assim em causa garantir, em primeiro lugar a segurança e a ordem internas.  

A intensificação das batidas na fronteira castreja permitiu aumentar o número de detenções. Muitas dessas detenções eram concretizadas mediante a realização de batidas nas regiões montanhosas, onde, por vezes, cooperavam as diferentes forças policiais portuguesas em consonância com as autoridades franquistas, assumindo particular importância neste contexto a zona de Castro Laboreiro, localizada no concelho de Melgaço, distrito de Viana do Castelo, que foi uma das mais requisitadas pelos refugiados espanhóis como lugar de refúgio. 

No final de agosto de 1936, tendo recebido informações de que se tinham verificado incursões de espanhóis armados em Castro Laboreiro, o comandante do Batalhão N.º 4 da GNR, Aníbal Franco, ordenou ao comandante do posto de Melgaço que organizasse uma busca com o intuito de comprovar a veracidade das informações. Após a realização da busca, o comandante do posto de Melgaço comunicou aos seus superiores que os comandantes dos postos fiscais localizados na região demonstraram não ter conhecimento da entrada de grupos de espanhóis armados em Portugal, informando, no entanto, sobre a captura de 4 indivíduos de nacionalidade espanhola no final do mesmo mês, os quais se encontravam escondidos na freguesia de Castro Laboreiro. Ainda no contexto destas informações, as quais foram prestadas pelo Governador Civil de Viana do Castelo ao Ministério do Interior, Aníbal Franco procurou recolher dados sobre esta situação junto dos postos fronteiriços da 5.ª Companhia, comunicando que no dia 26 de agosto, juntamente com o chefe da PVDE em São Gregório, fizera uma batida na região, concluindo que se encontravam alguns espanhóis refugiados numa ou noutra aldeia. Este chefe da PVDE multou alguns portugueses pelo facto de terem dado guarida a refugiados espanhóis, acreditando, no entanto, que essa ajuda foi prestada, não por partilharem os mesmos ideais políticos, mas sim por antigas ligações de amizade que uniam as duas nacionalidades. Perante as informações recolhidas, o comandante da GNR concluía que a presença de espanhóis armados em Castro Laboreiro ter-se-ia ficado a dever a uma possível perseguição movida contra algum espanhol fugitivo e não a uma intenção de passar buscas ou fazer ameaças aos habitantes locais.  

Em setembro de 1937, numa informação da polícia política dirigida ao Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, dava-se conta que existiam bastantes espanhóis nas regiões montanhosas de Castro Laboreiro, o que fez com que a PVDE desenvolvesse diversas batidas. No entanto, dada a natureza acidentada do terreno e a sua grande extensão (cerca de 50 quilómetros), essas buscas revelaram-se pouco produtivas, traduzindo-se em poucas detenções, as quais só alcançariam os resultados desejados caso, na opinião da GNR e da Guarda Fiscal, se se utilizassem mais efetivos no desenvolvimento das mesmas. Contudo, no entendimento da PVDE, o perigo que estes espanhóis representavam não justificava tal aumento, o que, a acontecer, obrigaria a mais despesas. Esta informação apontava ainda a Em junho de 1938 realizou-se uma batida, ordenada pelo Comando Geral da GNR, na Serra da Peneda, distrito de Viana do Castelo, a qual teve como principal intuito a captura de refugiados espanhóis. Nesta expedição participaram mais de 30 efetivos pertencentes à GNR e à Guarda Fiscal, o que demonstra a colaboração que existia entre as diferentes forças policiais na repressão e na vigilância aos refugiados espanhóis, evidenciando também este relatório alguns dos principais problemas que as autoridades portuguesas tinham de enfrentar no desenvolvimento desta atividade, nomeadamente os maus caminhos, o piso irregular e pedregoso e a natureza íngreme dos montes e vales. Para a realização desta operação contribuíram as informações que davam conta da possível existência de refugiados na região no lugar da Ameijoeira, localizada bastante próxima da fronteira com Espanha. Contudo, ao proceder a algumas perguntas junto das autoridades e de civis locais, o capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues, responsável pela operação, tomou conhecimento que os espanhóis que se encontravam na região eram em número reduzido, tendo realizado diversas buscas em alguns lugares por ter sido informado de que no ano anterior muitos refugiados se haviam movimentado nessa zona. Foi neste contexto que a Guarda Fiscal procedeu ao reforço da vigilância da fronteira nessa região, tal como reforçou os postos em Ponta da Barca, Senhora do Penedo e Tibo. Seguiram-se outras buscas em lugares próximos, algumas das quais resultaram na captura de vários espanhóis, embora em número reduzido.  

A partir das conclusões apresentadas neste relatório podemos compreender a realidade das buscas realizadas pelas autoridades portuguesas em perseguição dos refugiados espanhóis.  

No entendimento de Luís Gonzaga, não existiam muitos refugiados em Castro Laboreiro, sendo que os poucos que lá se escondiam andavam isolados ou em pequenos grupos, pelo que não possuíam um forte armamento e abrigavam-se em lugares incertos, contando com o auxílio da população local, que lhes era providenciado por questões de humanidade, por receio ou a troco de dinheiro. Este oficial entendia também que, pelo facto de se encontrarem permanentemente na região, a Guarda Fiscal e a PVDE tinham mais facilidades em capturar espanhóis em relação à GNR. As considerações que Luís Gonzaga teceu relativamente à Serra da Peneda podiam ser aplicadas a outros espaços montanhosos, uma vez que eram referidos os principais obstáculos à atuação das autoridades na repressão aos refugiados, nomeadamente a extensa área para vigiar, a escassez de estradas e de caminhos adequados, a falta de recursos humanos e materiais, a quase ausência de vias de comunicação, a natureza montanhosa do terreno e existência de grandes penedos e de vegetação densa. Da mesma forma, também o que este operacional concluiu acerca do apoio prestado aos refugiados pela população portuguesa podia ser transportado para a generalidade do auxílio providenciado aos cidadãos espanhóis.  

No entendimento de Luís Gonzaga, o apoio português aos refugiados era justificado, essencialmente, pelo isolamento que a região de Castro Laboreiro tinha de enfrentar, o que fez com que a população raiana estabelecesse ligações de maior proximidade com os vizinhos espanhóis, sendo de presumir que outras povoações fronteiriças se encontrassem na mesma situação.  

Estas buscas foram realizadas com maior frequência e intensidade na região norte de Portugal, dada a natureza montanhosa e acidentada do terreno, que favorecia a ocultação de refugiados, conforme atestam os diferentes relatórios e ofícios elaborados pelas autoridades portuguesas 

Terão passado por Castro Laboreiro, nessa época, várias centenas de opositores ao franquismo, chegando a estar refugiados em terras castrejas cerca de 400 em simultâneo. 


Extraído de: 

- FARIA, Fábio A. (2020) - Refugiados em Portugal nos inícios do Estado Novo: movimento, controlo e repressão policial no contexto da Guerra Civil de Espanha (1936-1939). CIES; Lisboa.