sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Melgaço no programa "Mobil nos Caminhos de Portugal" da RTP (1986)




Recuamos até 1986 e visitamos a nossa terra nessa altura. Trata-se de um episódio do programa da RTP, "Mobil nos Caminhos de Portugal", dedicado a Melgaço e a Monção. Podemos observar a Vila de Melgaço, alguns lugares de Fiães, Lamas de Mouro e Castro Laboreiro. Talvez encontre gente conhecida desse tempo... Viaje ao passado!...

domingo, 8 de outubro de 2023

A feira em Melgaço há cerca de 100 anos atrás

 



Os terrenos onde assenta a Praça da República, na vila de Melgaço, foram chamados, durante séculos, o Campo da Feira por aí se realizarem as feiras desde tempos imemoriais.

Há cerca de cem anos, as feiras em Melgaço eram bastantes diferentes das da atualidade. Para o caro leitor ter uma ideia, a feira era tão grande que os vendedores tinham que se distribuir por toda a Praça da República até ao Campo da Feira Nova, atual Largo Hermenegildo Solheiro, passando pelo antigo Largo do Chafariz, ao fundo da praça, e toda a atual rua Hermenegildo Solheiro. Num artigo publicado na "Voz de Melgaço", na edição de Maio de 1956, o autor faz uma visita guiada às feiras melgacenses nesse tempo: "...Ora, então… no amplo Campo da Feira Nova – hoje Largo Hermenegildo Solheiro – à sombra de frondosos plátanos e austrálias, se realizava a feira do gado que, pela sua enorme concorrência, quase sempre transbordava para o largo fronteiriço à atual “Pensão Braga” – isto, claro, ainda quando o fundador, o falecido João Cândido de Carvalho (João Braga), nem sequer sonhava construir ali aquele prédio. Os suínos, no meio dum grunhir e guinchar infernais, à mistura com o praguejar dos porqueiros que os vendiam, transacionavam-se no Campo da Vinha, ou das Serenadas, ali, onde mais tarde, se havia de levantar o edifício dos Paços do Concelho; no mesmo Largo, a todo o comprimento, mais ou menos, no sítio onde oraaasenta o Mercado Municipal, quatro ou cinco louceiras, numa linguagem que não raras vezes tocava as raias do despejo, insultavam-se contínua e mutuamente, enquanto, num desorganizado estandal – que, aliás, pela sua desorganização, se podia classificar de muito bem organizado… - expunham à venda os mais variados artigos de olaria; e, logo, no lado oposto,  numa fila de ia desde a Residência Paroquial  até à antiga “Loja Nova do cantinho” de Feliciano Cândido de Azevedo Barroso, mais d euma dúzia de regateiras, sempre muito peguilhentas entre si e numa linguagem  - sui generis... - linguagem ainda mais desbravada do que a das louceiras de fronte, como estas, insultavam-se e, com uma naturalidade… com um à vontade de pasmar, descompunham a todas as feirantes que cometessem a imprudência de revolver-lhes as sardinhas ou de dar a preferência às da sua competidora do lado em prejuízo das suas. Sobretudo nesta zona, a barafunda de vozes era ensurdecedora, uma algaraviada apenas dominada pelo pregões dos aguadeiros que com os seus bidões de lata, exteriormente revestidos de cortiça, em bandoleira, em voz enérgica e inconfundível, iam trovejando: - Fresca pela neve… Ó rapaziada! Quem mais bebe! Quem mais bebe!… 

A água era boa por vir da Fonte da Vila, mas fresca… como caldo. De resto, eles, aguadeiros – ó ironia! - preferiam-lhe o verdasco da Angelina… da Silvana, ou doutras locandas da especialidade. Pudera…! 

Entrava-se no desaparecido Largo do Chafariz – então separado da Praça da república pela capela de Santo António e pelo prédio em cujos baixos estava instalado o antigo “Café Melgacense” o qual, além de numerosas tendas de utilidades domésticas, miudezas e outras bugigangas, era literalmente atravessado pelos tacheiros, cesteiros, peneireiros, tanoeiros e negociante de crossas, pentes para tear e doutros artefactos de fabrico regional. 

Daqui, davam-se mais uns passos, espreitava-se à direita, pela Rua do Rio do Porto, onde mulheres, numa fila que ia até cerca da taberna da Lúcia, feiravam fruta, hortaliça, pão-trigo, pão-centeio, e doçarias de fabrico caseiro, e uma récua de cavalgaduras, impaciente, esperava que o falecido Lourenço do paço lhes pusesse “solaria” nova; passava-se, por fim, à Praça da República, na qual, como soe dizer-se, mal cabia um alfinete, tal era o número das barracas que nela se erguiam: nada menos de quatro de ourivesaria, duas de ferragens, outras tantas de bacalhau e um ror delas de artigos de renda, passamentaria, retrosaria, etc, etc… Exteriormente, na sua orla, muito apertadas, acocoravam-se as lavradeiras expondo vários produtos da terra, como: milho, centeio, feijão, batatas, frutas, linho, aves, ovos, etc., etc., e pelo meio – praça abaixo, praça acima – sempre muito pedantes – passeavam os namorados da aldeia que a figura simpática, séria e honesta, do falecido Belchior da Rocha assediava a cada momento, dizendo-lhes: - Vá, senhores moços, comprem-me uns rebuçadinhos…! 

Rebuçados que eram made in sua lavra… 

Aquilo é que eram feiras… mal se rompia!… 

Certo que então os portugueses iam livremente à Galiza e os galegos do mesmo modo vinham a Portugal, adivinhando-se já o intercâmbio comercial que desta liberdade resultava. Sobretudo, nos  falados dias, as barcas de Mourentão, Louridal e Porto Vivo, não cessavam de para cá atravessar feirantes, de modo que a cada passo se dava de cara com ellas, com las hermosas y muy salerosas Carmens, Maruchas, etc., extasiadas, perante as tendas de ourivesaria, com olhos e palavras capazes de tentarem a um santo, a pedir aos patrícios, seus conversados: 

- Ay Manolo… ay Pepitoay Panchito, de mi alma, regala-me aquelles pendientes!… 

E, bem entendido, los Manolos… los Pepitos, ou los Panchitos, satisfaziam, solícitos, os desejos de suas Dulcineas (quem lhes poderia resistir…?) comprando-lhe os regalos cobiçados e pagando-os com “duros” de prata que os ourives batiam de rijo na tábua do balcão, para lhes ouvir a fala… o timbre, não fosse o diabo ser Judas… 

Em conclusão: aqui, sim, é que eram feiras – feiras fartas, movimentadas e concorridas. Bons tempos!..."

domingo, 1 de outubro de 2023

A Porta do Castelo de Melgaço no desenho de Duarte d'Armas (1509) - algumas notas de análise

 



Este é o desenho mais antigo que conhecemos da vila de Melgaço. Foi elaborado por Duarte D'Armas em 1509 e talvez nem toda a gente tenha olhado para o desenho demoradamente. Desafio o estimado leitor a fixar-se na área próxima da Porta do Castelo.

A principal porta da fortaleza era chamada a Porta do Castelo e saia para o antigo Campo da Feira, terrenos atualmente ocupados, grosso modo, pela Praça da República. Havia ainda a designada Porta de Baixo e outras duas secundárias.

Conforme o leitor pode observar, a saída da porta da muralha não se faz diretamente para o exterior, estando nessa época já construídos a couraça nova e um revelim e daqui é que se acedia ao exterior da fortificação. No desenho, podemos ainda observar a Casa da Torre, e a Casa da Audiência, centro do poder do concelho na época, onde se reunia a assembleia dos homens-bons da época. Em relação a esta última, afigurasse-nos interessante que a mesma se localize fora da cintura de muralhas. Pode o caro leitor identificá-la à esquerda da saída da fortaleza.

Perto da Porta do Castelo, podemos ver a igreja de Santa Maria da Porta. A presença deste templo como sede da antiga freguesia desde o século XII mostra-se essencial como elemento toponímico nesta parte da vila, a par da porta da muralha. A primeira referência a esta igreja como sendo de Santa Maria de Melgaço remonta a um documento que formaliza um acordo datado de 30 de Junho de 1183 entre, D. Martinho, abade do Mosteiro de Fiães e o concelho de Melgaço, pelo qual “o mosteiro tomava conta da igreja de Santa Maria de Melgaço durante 15 anos para a reparar e depois ficaria sendo metade do concelho e metade do mosteiro mas sempre indivisa e administrada pelo mosteiro”. Este acordo foi renovado em 30 de Junho de 1185 “e poderá ter sido motivado pela mudança do D. Abade de Fiães”. Na dita escritura, a mesma é designada de “ecclesia beate Marie de Melgazo”, não se fazendo qualquer referência à proximidade da porta da muralha. Para encontrarmos a mais antiga alusão à localização da igreja junto à porta da fortaleza, temos que recuar a 13 de Abril de 1205, quando foi outorgado um novo acordo relativo à Igreja de Melgaço, desta vez entre o arcediago de Valadares D. Garcia Nunes e seu protegido André Garcia com o mosteiro de Fiães, de que era abade D. Domingos. O referido André Garcia devia ter em seu poder a “igreja de Melgaço que está edificada junto à porta da mesma vila”, mas sob a tutela do dito arcediago em sua vida. Desde essa época e durante vários séculos, era muito frequente utilizarem-se expressões como “junto à igreja matriz” para localizar quaisquer elementos no espaço. Todavia, é bom salientar que, por vezes, este tipo de expressão podia não se referir apenas ao largo em frente à igreja mas também aplicar-se ao troço da Rua Direita em frente à igreja ou também ao extremo norte da antiga Rua do Campo (depois, rua do Espírito Santo, e atualmente, Travessa do Espírito Santo) que sai do largo da Matriz e vai sair ao Largo Hermenegildo Solheiro. É importante esclarecer que até ao século XIX, a utilização da toponímia da vila intramuros nos documentos oficiais é frequentemente caótica e pouco disciplinada por parte dos seus redatores. 

Desta forma, o largo da Matriz deve o seu nome à igreja Matriz ou de Santa Maria da Porta, que por sua vez deve o seu nome à Porta do Castelo. Note-se que esta porta de entrada para a vila intramuros continuou a ser utilizado como elemento toponímico não oficial muito para além da Idade Média. Socorremo-nos de dois assentos de batismo, um deles de inícios do século XVIII e um outro já do segundo quarto do século XIX, para demonstrar tal facto. O primeiro refere-se ao batismo de um tal “Manoel filho de Lourenço da Roza e de sua mulher Catarina Rodrigues moradores há porta da V.a [vila] no Revilim à ravaldes desta V.a de Melgaço naceu aos trinta e hum dias do mês de Mayo de mil e settecentos e dois…” Neste registo, especifica-se que a residência dos pais da criança era muito próximo do revelim que cobria e protegia esta que era a porta principal da fortaleza. Quando menciona que moravam nos arrabaldes, isso significa que residiam junto à porta mas do dado de fora da muralha.  

Contudo, a alusão à porta da fortaleza ainda estava em uso, como elemento toponímico, no século XIX. Podemos atentar no seguinte assento de nascimento: “Aos quatro dias do mês de Dezembro do anno de mil oitocentos e trinta, baptizei solemnemente (…) José Manoel  que nasceu ao primeiro do ditto mês filho natural de Maria Joaquina Gonçalves, por alcunha galla, moradora às portas do Castello desta villa 

Na segunda metade do século XIX, esta porta da muralha e boa parte desta foi demolida e desapareceu também na toponímia melgacense. O único testemunho reside na igreja de Santa Maria da Porta que nos lembra sempre que ali existiu, em tempos antigos, uma porta para a vila intramuros. 

Em tempos recuados, intramuros, junto à igreja e à porta da vila, existiu uma casa senhorial chamada “Casa da Torre” que já se encontrava ereta nas primeiras décadas do século XVI. Sobre essa casa e o morgadio vamos debruçar-nos sucintamente.   

Provavelmente em Melgaço quase ninguém ou mesmo ninguém terá ouvido falar na antiga Casa da Torre, na vila sede de concelho. Há vários séculos atrás, seria, a seguir à torre de menagem, o edifício mais alto da vila. Essa Casa da Torre, possivelmente pouco depois de 1500, já seria propriedade do abade de Santa Maria da Porta, padre António de Castro, que um dos seus filhos alienou e D. João de Sousa e Castro, da Quinta do Fecho (Rouças), adquiriu por compra para o acervo de seus bens e mais tarde elevou a cabeça de morgadio. Essa Casa, chamada Torre já então e pelos séculos fora, por a mesma ter três andares, seria, por isso, a mais alta do povoado e assemelhar-se-ia aos campanários das igrejas e estava situada no recinto da praça (ESTEVES, 1989).   

Assim se descrevia num auto de posse de 1693: “a casa da Torre que ficou de Dom João de Sousa que está junto da portta e igreja matris desta villa de Melgaço”, mas já em 1863, embora conservasse os seus três andares, estava arruinada e confrontada do nascente com a rua que vai para a igreja; do poente com a morada de casas de Joaquim Nunes de Almeida; do norte com o quartel dos soldados fixos da praça e do sul com o quintal de Domingos Lopes.  

Segundo ESTEVES, A. (1989), “...essa casa outra não é se não a hoje possuída pelos herdeiros do escrivão e tabelião da comarca Miguel Augusto Ferreira, em cuja porta principal a padieira ainda conserva intactos os lavores em ela esculpidos por antigos lapicistas desta região”.  

Conforme se diz atrás, esta casa foi cabeça do morgadio da Casa da Torre, pertencente a um ramo da poderosa família dos Castros de Melgaço, descendente dos senhores da Quinta do Fecho (Rouças).  

Junto à Porta do Castelo, há um pouco mais de quinhentos anos, existia a chamada Casa da Audiência, sendo o único edifício que ficava da parte de fora da muralha. A chamada “casa da audiencya” de Melgaço, aparece representada por Duarte de Armas no desenho desta vila que consta no Livro das Fortalezas, elaborado em 1509.  

Ignoramos a data da construção do edifício que albergava a Casa da Audiência em Melgaço. Porém, remontará a datas muito anteriores à das famosas vistas de Duarte de Armas. As Casas da Audiências eram o local onde se faziam as assembleias de homens-bons da terra e já existiam em muitos concelhos em Portugal em meados do século XIV. Nesta época, o poder dos concelhos era exercido por essa assembleia de homens bons da terra que elegia os magistrados (juízes, mordomos, entre outros). Deliberavam sobre vários aspetos da vida do concelho acerca das leis a aplicar na localidade, os usos e costumes, sendo nesta Casa da Audiência onde decorriam essas assembleias. Segundo CAETANO (2011), a Sala da Audiência constituía a primeira e a mais importante das três componentes principais das casas da câmara portuguesas na época, de acordo com a tipologia destas. Divisão nobre por excelência da casa do concelho, localizava-se naturalmente no sector mais importante e de mais fácil acesso do seu piso principal. Todavia, segundo CAETANO (2011), em Melgaço encontramos uma “casa da audiencya”, instalada num edifício de dois pisos, sobradado, convenientemente telhado e dotado de duas janelas. Ora, segundo o mesmo autor, se a existência de uma casa reservada pelo menos maioritariamente para a realização das audiências locais já seria motivo de surpresa, também a localização da audiência de Melgaço é motivo de reparo. Com efeito, a “casa da audiencya” desta vila está localizada sobre ou junto à barbacã que circunda todas as muralhas medievais, então já dotada de uma “coyraça nova” por onde se acedia, “da parte do leste”, à vila intramuros e ao seu castelo. 

Um outro aspeto que merece reparo na Casa da Audiência de Melgaço está, porém, na existência de duas amplas janelas no piso nobre da respetiva casa, episódio arquitetónico inesperado numa casa pré-quinhentista muito pequena e de desenho aparentemente comum. A existência de uma sala no piso nobre, por pequena que fosse, mas tão excessivamente iluminada e aberta ao exterior é de facto merecedora de reparo, pois parece indiciar não só uma intenção explicitamente nobilitante como parece confirmar o que tende a ser uma constante presente em todas as casas de audiência portuguesas medievais chegadas até nós. Com efeito, todas as casas de audiência medievais conhecidas são dotadas de amplas fenestrações.  

Desconhecemos totalmente a época em que este edifício terá desaparecido. Para além do desenho do Duarte d’Armas, não temos nenhuma referência a esta Casa da Audiência de Melgaço ao longo da História.