sexta-feira, 22 de maio de 2020

As bonitas paisagens de Melgaço na obra do pintor Jaime Murteira



No idos anos sessenta e setenta do século passado, havia uma presença que era notada na vila de Melgaço nas temporadas de Verão. Era a do pintor Jaime Murteira que costumava passar os verões no Terreiro onde pintava e ainda hoje há pessoas que se lembram de o ver por lá a pintar. Nessas temporadas de permanência em Melgaço, pintou alguns dos seus mais bonitos quadros que retratam recantos da nossa terra e que vamos recordar no artigo de hoje. Quadros que retratam Penso, Gondufe (Chaviães), o rio Minho, um dia de Feira, uma rua da vila de Melgaço, entre outros...
Quem se recorda dos tempos em que o conceituado pintor passava temporadas em Melgaço conta que “Do prédio do terreiro saía o Sr. Murteira, bata branca, olhar altivo, cavalete de madeira debaixo do braço e maleta na mão, passo largo como que a medir terreno e chegado ao terreiro pequeno cravava o cavalete de pontas metálicas, sacava da maleta, paleta, tintas e espátula e os putos esqueciam o jogo. Eles eram os únicos a seguir o filme que o Sr. Murteira passava para a tela, silenciados pela maravilha das cores que nem no Pelicano com índios e cowboys os impressionavam tanto.
Os outros sussurravam, encolhiam os ombros, debandavam para a tasca escolhida sem darem conta que os jogos e berreiro dos putos tinham acabado.
Sentados à roda ou em pé, bocas abertas seguiam os vermelhos e amarelos, azuis e verdes, as cores da terra que os vira nascer e sempre ignoraram.
Recolhida a tela, fechado o cavalete, o cortejo dos putos seguia Sr. Murteira até à porta do prédio. Nessa noite os sonhos dos rapazes da vila foram mais coloridos e até o comboio galego, feio e cinzento, apitou com mais doçura”. (in: Blogue “Melgaço do Monte à Ribeira”)
Jaime Murteira (1910-1986) nasceu em Lisboa e foi um seguidor tardio do movimento naturalista português. Em 1942, frequentou o curso de pintura da Sociedade Nacional de Belas-Artes, tornando-se discípulo de Frederico Aires e António Saúde. Em 1954, obteve a primeira medalha em pintura da Sociedade Nacional de Belas-Artes, e mais tarde o prémio Silva Porto do Secretariado Nacional de Informação. As suas obras figuram em colecções particulares e instituições nacionais, onde se destaca o Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, acervo de referência do Naturalismo Português.

Faleceu em 1986 e Melgaço permanece como uma das suas maiores inspirações...
Deixamos aqui alguns dos mais bonitos quadros que retratam Melgaço...


Quadro com o nome "Rio Minho", de data desconhecida



Quadro "Rua de Melgaço" da autoria de Jaime Murteira. Óleo sobre platex.
De data desconhecida mas provavelmente da década de 70.


"Casa Minhota - Gondufe - Melgaço", óleo sobre platex, assinado e datado de Setembro de 1970 no verso

Quadro "PENSO STREET", Rua de Penso (Melgaço)
pintada por Jaime Murteira, por volta de 1970.


Quadro "Dia de Feira em Melgaço" em 1970.
Quadro com pintura a óleo sobre platex de Jaime Murteira - ORIGINAL - assinado e datado de 1970, motivo Dia de Feira - Melgaço, com 23x32 cm (obra assinada na frente e no verso).


Quadro com o título "Melgaço", pintado em data desconhecida. 


Quadro com o título "Melgaço" pintado em 1967.


Quadro com o título "Paisagem Campestre de Melgaço", de data desconhecida

Quadro com o título "Melgaço", pintado em 1961

domingo, 17 de maio de 2020

Conhecer um pouco de Melgaço e Castro Laboreiro há 500 anos

Desenho do Castelo de Castro Laboreiro de Duarte de Armas em 1509- visto de Norte


Não são muitas as descrições dos lugares e dos caminhos da nossa terra de há quinhentos anos atrás. Os desenhos das fortalezas de Melgaço e Castro Laboreiro da autoria de Duarte de Armas, feitos em 1509, são alguns dos mais importantes documentos, para conhecermos as respetivas localidades. Na imagem acima, vemos todo o esplendor da velha torre de menagem do castelo de Castro Laboreiro, destruída por um raio no século XVII e que nunca mais seria reconstruida. 
Temos também raras descrições escritas de viagens nessa época como a de Álvaro Vaz, que fez o Numeramento de 1527, que também passou por Melgaço. Muito interessante é aquilo que escreve sobre Castro Laboreiro onde notou que os castrejos “vivem no Verão neste concelho (devia estar a referir-se à vila e lugares próximos) cem moradores porque no Inverno se vão viver fora por ser terra fria. Isto poderá indiciar uma questão: provará que há 500 anos os castrejos já praticariam alternância sazonal entre as brandas e as inverneiras, não sabendo nós quando que é este costume se iniciou. Álvaro Vaz foi a Castro Laboreiro e terá caminhado sem dúvida ao longo do vale do rio Mouro procedente da Ponte do Mouro e anotou ainda acerca de terras castrejas: “Este concelho de Castro Laboreiro é del-Rey Nosso Senhor (…) e tem um castelo sobre uma fraga, ermo, povoado de gralhas (…), no qual concelho não há povoação junta, somente por casais apartados..."

Desenho do Castelo de Castro Laboreiro de Duarte de Armas em 1509 - visto de Sul

O caso da obra de Duarte de Armas, enviado pelo rei para fazer um levantamento das fortalezas ao longo da linha da fronteira com Espanha, reveste-se ainda hoje de extrema importância. O seu legado, quer ao nível dos seus desenhos, quer da sucinta descrição que ele faz da sua viagem, permite-nos conhecer melhor alguns pormenores de Melgaço e Castro LaboreiroEm terras castrejas, Duarte de Armas fez não um, mas dois desenhos do seu castelo e povoação: um visto de norte e outro visto de sul 
Uma das investigadoras que se debruçou sobre o tema das viagens de Duarte de Armas, Álvaro Vaz e outros durante o século XVI, foi a investigadora Suzanne Daveau. No seu trabalho, “Caminhos e Fronteira na serra da Peneda” conta-nos que Além dos desenhos, Duarte de Armas deixou uma sucinta, mas preciosa descrição textual do itinerário que seguiu ao longo da fronteira entre Portugal e Castela, de Castro Marim até Caminha. Na região em estudo, depois de ter visitado e desenhado as fortalezas situadas a leste da Serra do Gerês, onde a fronteira era mal definida (fortalezas de Montalegre, Portelo e Piconha), ele ignorou sem explicação a fortaleza de Lindoso e cortou diretamente através da parte galega do vale do Minho. Atravessando “cinco léguas de serras e muitas ribeiras”, chegou a Castro Laboreiro, onde tirou a planta e duas vistas da fortaleza. A seguir, desceu para Melgaço, que desenhou também. 

Desenho do Castelo de Melgaço de Duarte de Armas em 1509

Dezoito anos mais tarde, outro funcionário foi encarregue pelo Rei de levantar a região, desta vez para descrever não a fronteira mas a implantação e organização administrativa dos moradores. Ao começar o Numeramento de Entre Douro e Minho, em Agosto de 1527, Álvaro Vaz saiu de Ponte da Barca (povoação com 100 moradores) para o concelho de Lindoso. Disse deste que “não tem vila nem lugar junto e tem somente um castelo ermo” e 41 moradores. Se a situação já era a mesma em 1509, como é provável, entende-se porque Duarte de Armas não foi pintar aquele castelo. Álvaro Vaz passou dali para o concelho e montaria do Soajo que “não tem castelo nem vila (…) e não tem lugar junto e vivem por casais apartados (…) 92 moradores”. Verifica-se quanto ao vale português do Lima a montante de Ponte da Barca era então pouco povoado. O concelho de Vale de Vez, que visitou a seguir, “tem somente junta a povoação de Arcos de Vez, em que se fazem as audiências”. A povoação era pequena já que a respetiva freguesia reunia apenas 36 moradores. Mas o conjunto do concelho era bem povoado (1653 moradores), como o era o concelho a seguir visitado, Coyra e Frayam (1067 moradores). 
Dali, Álvaro Vaz foi a Castro Laboreiro, caminhando sem dúvida ao longo do vale do rio Mouro. “Este concelho de Castro Laboreiro é del-Rey Nosso Senhor (…) e tem um castelo sobre uma fraga, ermo, povoado de gralhas (…), no qual concelho não há povoação junta, somente por casais apartados, vivem no Verão neste concelho 100 moradores, porque no Inverno se vão viver fora por ser terra fria”. Voltando a considerar o desenho de Duarte de Armas, parece que o autor á terá visto as gralhas de que irá falar 18 anos depois, e também que este último não considerou “lugar junto” as poucas cabanas agrupadas à volta da pequena igreja. Álvaro Vaz desceu depois até à vila de Melgaço, que é “cercada de muros e torres e tem um castelo com uma torre muito alta e forte (…) e jaz pegada com o rio Minho, quase na raia e vai o rio entre ela e a Galiza”. Havia então na vila 46 moradores, 301 no total no concelho. Ainda que viajando no Verão, este funcionário evitou por completo a travessia de sul para norte do maciço montanhoso, preferindo alongar bastante o percurso. 
Nova descrição itinerário será devida, poucos anos mais parte, ao monge francês Claude de Bronseval, que descreveu o percurso seguido pela comitiva que acompanhou o abade de Claraval na sua inspeção aos mosteiros dependentes da ordem de Cister. Os monges, que viajavam com cavalos próprios, tiveram de visitar, em pleno inverno, três conventos: Ermelo, Fiães e Júnias. 
Em 19 de Janeiro de 1533, chegando de Terras de Bouro, dormiram na Ponte da Barca. No dia seguinte, seguiram para leste, ao longo da margem norte do rio. Depois de uma légua, encontraram o comendatário do mosteiro de Ermelo, que chegava da sua residência, em Vale. Era acompanhado por uma tropa de homens armados. Seguindo um caminho pedregoso e perigoso, penetraram numa região deserta, entre montes escarpados. O mosteiro pareceu-lhe muito pobre e as casas dos camponeses, “tocas de ursos entre penedos”. Tiveram que almoçar ao ar livre, até que a chuva os obrigou a refugiar-se na capela. Discutiram então o caminho a seguir para Fiães, caminho com certeza bem conhecido do comendatário. A rota direta era apenas de 4 léguas (ou seja, cerca de 4 horas, se tivesse sido numa planície), mas atravessava montes escarpados, “frigidíssimos e desertíssimos”, e era considerada pouco segura, por se encontrar no limite entre Portugal e Galiza. Voltam, portanto, para trás e passam a noite em Vale. 
No dia 21, atravessam uma boa ponte para chegar a Arcos. O caminho é fácil, almoçam em Choças, com as provisões dadas pelo comendatário. Trepam até à Portela do Extremo por um caminho sinuoso e descem a seguir para uma região mais plana, entre “montes admiravelmente cultivados”. Na aldeia de Barbeita, um lavrador rico oferece-lhes generosa hospitalidade. No dia seguinte, chegam a uma ponte de pedra, apoiada em dois rochedos e dominando uma profunda e barulhenta torrente. Trata-se evidentemente da famosa Ponte do Mouro. Dali chegam a Melgaço, onde não conseguem comprar nada para comer, e trepam, com grande cansaço para os cavalos, até ao Mosteiro de Fiães, situado numa pequena planura entre montes cultivados. A noite irá ser muito fria, com vento gelado e neve. Bronseval admira-se que um mosteiro possa sobreviver numa região de fronteira, tornada insegura pela total impunidade os malfeitores, que ninguém persegue nem condena. Diz que os habitantes não se atreviam a sair de casa sem levar armas e que todos os viajantes andavam apavorados.  
No dia 26 de Janeiro, depois de subir durante uma hora por um caminho escarpado, andam durante duas léguas num vasto espaço estéril, com tempo horrivelmente chuvoso e frio. Atravessam com dificuldade um rio e uma região deserta, onde o vento sopra com tanta violência que os cavalos tem que lhe virar as costas. Saem afinal da montanha e vão dormir na aldeia galega de Vilarinho. Percorreram apenas quatro léguas em oito horas, sem ter podido parar para a sua pausa habitual ao meio dia. Não é difícil reconstituir o seu caminho através do alto planalto que domina a leste Castro Laboreiro, a mais de 1300 metros de altitude. O facto de não ter parado aí ao meio dia com firma o que Álvaro Vaz escreveu seis anos antes. Castro Laboreiro estava deserto porque os habitantes abandonavam então a montanha durante o Inverno. Mas o tráfego através da montanha não era interrompido por completo. Não foram apenas os monges estrangeiros que atravessaram a serra. Eles jantaram em Vilarinho com os víveres que o abade de Fiães tinha tido o cuidado de mandar antes, por uma mula carregada de vinho, pão e carne. 
No dia 27, continuando o mau tempo, atravessam os vales do Lima e do Salas, com a ajuda de um guia e utilizando pontes em mau estado. Depois de Requias, trepam até uma alta portela do Gerês e descem a Pitões, onde se abrigam para jantar e dormir uma casa sem chaminé, cheio de fumo. O abade teve ainda força de descer até ao vale, para visitar o mosteiro de Júnias”. 

Fonte consultada: DAVEAU, Suzanne (2003) - Caminhos e fronteira na serra da Peneda - Alguns exemplos no século XV e XVI e na atualidade. In: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Geografia; Volume XIX, Porto.