sexta-feira, 31 de maio de 2019

As obras na capela da Orada (Melgaço) nos anos 40 do século XX (fotos)


São incertas no tempo as origens precisas da capela da Nossa Senhora da Orada, sendo pertinente situa-la no século XII ou XIII. Há, contudo, referências que indicam que ali existiria um pequeno templo antes da construção da capela que ainda hoje conhecemos.
Esta apresenta uma notável robustez a nível estrutural. O projeto executado inclui-se nos derradeiros momentos do estilo românico, denotando já a receção de alguns elementos góticos sendo evidente, nesse produto final, o contraste entre a relativa singeleza do plano e a exuberância e qualidade da decoração.

Nos anos 40 do século passado, a capela da Orada sofreu obras profundas de conservação. A propósito dessa intervenção, foi publicado um artigo no Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, edição de Março de 1940, com extensa reportagem fotográfica que nos mostra a Orada na época...
Deixo-vos aqui um pequeno conjunto de fotos dessa publicação...
































Nota: Um grande obrigado à Eduarda Nabeiro pela partilha da publicação e à Margarida Codesso pelo envio da mesma!

sexta-feira, 24 de maio de 2019

O histórico cruzeiro da vila de Melgaço




O cruzeiro que hoje podemos contemplar junto à capela de S. Julião, nos arredores da vila de Melgaço, não se encontra na sua localização de origem nem tem qualquer relação com a dita capela. O citado cruzeiro tem cerca de 500 anos de antiguidade e esteve durante cerca de dois séculos nas Carvalhiças, no chamado Côto da Pedreira, a sua localização de origem, de onde foi removido para o Campo da Feira de Fora para que lá se construísse a capela de Nossa Senhora da Pastoriza no início do século XVIII. Todas as procissões da vila iam lá dar a volta e em documentos antigos é citado como o cruzeiro da vila de Melgaço.
O saudoso Augusto César Esteves, no jornal “Notícias de Melgaço”, conta-nos mais acerca deste cruzeiro e de como ele foi parar ao largo da capela de S. Julião : “No pequeno alfoz da sua freguesia quatro cruzeiros houve outrora Melgaço e embora alguns tenham sido mudados de local, ainda hoje todos se conservam eretos à veneração dos fiéis. Um, e é o principal por mais lindo, mais trabalhado e mais artístico, tem a forma da Piedade, pois numa das faces da cruz está esculpida a imagem de Cristo crucificado e na outra a de Nossa Senhora com o filho morto deitado no regaço. Representa o descimento da cruz. A coluna esbelta, elegante, está lavrada com alguns primores de arte e na base tem esculpida a figura da morte, representada por caveira humana.
Ignora-se infelizmente o nome do artista lavrante e o do quem lhe encomendou ou pagou o primoroso trabalho, pois no referido monumento nem a mais escassa informação se colhe. Em 1779 estava erguido no Campo da Feira de Fora, junto de uma morada de casas, cuja escadaria exterior dificultava a passagem das procissões à sua volta. Depois foi mudado para o Campo da Feira de Dentro e ficou mais ou menos no centro do largo.
Daqui o transferiu a junta de paróquia em 1867 para o adro da capela de São Julião, onde ainda hoje se conserva exposto à veneração de todos os fiéis, tendo sido declarado há anos monumento nacional. É este o cruzeiro da vila.
Assim foi conhecido sempre e ainda hoje essa designação tem e lhe pertence. Vem de longe, do século XVII, se é que não foi trabalhado nos fins do século XVI por qualquer daqueles artistas trazidos à terra pelo juiz de fora Gil Gonçalves Leitão para fazerem muitas coisas aqui não havidas e talvez nem sonhadas.
E isto se avança porque este cruzeiro estava situado no Coto da Pedreira, que era monte baldio pertencente à Câmara do termo, ali à entrada das Carvalhiças, e outro cruzeiro assim não havia. De mais a mais quando em 1703 Frei Domingos Gomes de Abreu quis erguer uma capela em honra de Nossa Senhora da Pastoriza escreveu em requerimento estas palavras, aliás com aparência de serem descabidas ao intento: «…quer este fazer-lhe a capela no Coto da Pedreira desta freguesia por ser lugar público onde costumam irem os clamores desta vila não havendo neste lugar mais do que uma cruz…»
Mas esta cruz era o cruzeiro da vila. Quem o diz nesse processo organizado na Mitra bracarense são os sucessivos párocos da vila então no uso do múnus de cura de almas: o P. João Dias dos Santos e o P. António Soares Falcão.
Aquele fá-lo por estas palavras: «…Digo que ao sítio vamos com as ladainhas aonde está o Cruzeiro desta vila fora da muralha…»
E este assim o diz: «Pretende o instituidor edificar a capela de que fez promessa no sítio chamado o Coto da Pedreira, que fica extra muros desta vila, onde está um cruzeiro ao qual vão em procissão nas ladainhas…»
Ora como a capela da Nossa Senhora da Pastoriza ocupou o sítio do Cruzeiro e as obras da construção, por circunstâncias várias, só vieram a fazer-se entre 1725 e 1727 esta obra nova acabou por impor a mudança do cruzeiro. Foi, possivelmente, por esta época que o Cruzeiro da vila veio das Carvalhiças para o local assinalado por documentos conhecidos, mas muito mais recentes: o Campo da Feira de Fora.”
Trata-se, como já foi referido, de um cruzeiro da vila de construção quinhentista de assinalável qualidade e feitura erudita. Possui base esculpida com uma caveira, numa alusão ao Monte Gólgota, local de crucificação de Cristo, fuste galbado, com o terço inferior liso e o restante estriado com decoração boleada, capitel de acantos e cruz terminada em botão com representação escultórica em ambas as faces. Na face frontal tem a imagem de Cristo, numa figuração naturalista e de pés sobrepostos, e na face oposta, a Pietá, de acentuado dramatismo. A representação de Cristo, a decoração do capitel e do fuste, surgem copiadas num outro cruzeiro de características populares erguido na mesma vila, em local não distante daquele onde este cruzeiro poderia estar colocado antes de ser trasladado para São Julião.



Informações extraídas de:
-ESTEVES, Augusto C. (2003) - Obras Completas. Nas páginas do Notícias de Melgaço. Volume I, Tomo 2; Edição da Câmara Municipal de Melgaço.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Os achados arqueológicos da Idade do Bronze na Carpinteira (S. Paio - Melgaço) em 1906



No início do século XX, registaram-se em Melgaço um conjunto de importantes achados arqueológicos tais como o Castro da Cevidade e a estela sepulcral, ambos em Paderne, e o designado esconderijo morgeano, no lugar da Carpinteira, em S. Paio, entre outros.
Foi em 1906 que se descobriu de forma acidental no lugar da Carpinteira (S. Paio) um conjunto de cinco machado da idade do bronze, provavelmente com cerca de 3 000 anos de antiguidade. Tal facto é-nos contado, na época, na revista “Portvgália”, num artigo de José Fortes, que refere que “Em Novembro de 1906, quando se arrancava um pinheiro numa bouça do sítio da Carpinteira, freguesia de S. Paio, a 1,4 quilómetros de Melgaço, apareceram sob as raízes, cinco machados de bronze, que, dias passados, foram adquiridos pelo digno professor da Escola de Desenho Industrial de Viana do Castelo, Sr. Serafim de Souza Neves. Gentilmente confiados, pudemos estudá-los e averiguar que pertencem todos ao tipo, que a arqueologia francesa denomina à Talon e classifica de morgeano – modelo vulgaríssimo entre nós e conhecido hoje pela perífrase de machados de duplo anel e dupla canelura”.
Tais factos são também aludidos por Figueiredo da Guerra no “Correio de Melgaço”, edição 5 de Janeiro de 1913, onde escreve que ”Da idade do bronze apareceram em 1906, na Carpinteira, S. Paio, em esconderijo subterrâneo (quando se arrancava um pinheiro numa bouça), cinco machados de cobre, tipo morgeano (…), que nós classificamos como modelo grande do Minho. Da mão do nosso amigo Serafim Neves, onde os vimos, passaram ao Dr. José Leite, indo aumentar a colecção oficial de Lisboa”.
Conforme se lê acima, os machados encontrados foram adquiridos pelo Dr. José Leite de Vasconcelos, diretor do Museu Nacional de Arqueologia, ao professor Serafim Neves para a coleção da instituição. Sabe-se que este os terá tentado vender ao Dr. Leite de Vasconcelos e podemos comprovar tal facto pela troca de correspondência entre ambos. De facto, em 1908, Serafim de Sousa Neves solicitou informações sobre o interesse do Museu Nacional de Arqueologia em adquirir três dos machados que apareceram na Carpinteira (S. Paio - Melgaço). Na mesma carta em que Serafim de Sousa Neves informa o museu de que não realizava a venda dos machados “por menos de 15.000 reis” disponibilizou-se também a vender os novos materiais que obteve de Condeixa: “Recebi de Condeixa, uma luzerna em barro muito perfeita, um cadinho ainda com vestígios de metal, um fragmento também de uma outra luzerna, e um annel em ouro. Creio bem que todos estes objectos são romanos. Se V.ª Ex.ª desejar vê-los não tenho dúvida alguma em lhos remeter.”
No início do mês de Junho de 1908, estes objetos foram enviados para Lisboa e alguns dias mais tarde foi remetido o valor que pretendia obter pelos mesmos: “Os objectos que ultimamente enviei a V.ª Ex.ª custam 40$000 reis”. Não conhecemos os desenvolvimentos destas propostas de venda. As seguintes cartas enviadas por Serafim de Sousa Neves, em 12 de Junho de 1908 e 26 de Junho do mesmo ano, informam José Leite de Vasconcelos sobre o interesse em vender o conjunto dos objetos e não os objetos separados e um pedido de informações sobre a datação do anel de ouro. Sabe-se apenas que a venda se concretizou desconhecendo-se o valor.
No artigo sobre estes achados, José Fortes escreveu na revista Portvgália (1905 - 1908) acerca do estado de conservação dos ditos machados e das sua caraterísticas: “É em geral mau o estado de conservação as série. O lenhador, fantasiando logo um áureo tesouro, mutilou ou partiu alguns exemplares, e raspou a patina de outros – tudo em averiguação cubiçosa da natureza íntima do metal. Assim, apareceram-nos – um partido logo abaixo da espera (talon), dois com falta de um anel e um com o cabeço da fundição partido e novamente soldado. A patina, que era verde escura está levantada na maioria deles. Ainda se percebe no entanto que a crosta patinosa era mais espessa num dos lados dos instrumentos. Restos de partículas terrosas aderem-lhes às faces, atestando uma longa permanência no subsolo.
Foram todos fundidos em diversos moldes bivalves. Num reconheceu-se que as valvas do molde se deslocaram durante a operação, resultando um instrumento defeituoso, assimétrico, grosseiríssimo. Exibe este mesmo espécime uma particularidade invulgar de arquitetura. O rebordo saliente da espera prolonga-se para ambos os lados do instrumento e transforma-se aí nos anéis usuais.
Apesar deste e outros insignificantes episódios arquitetónicos, o aspeto geral é o mesmo, reproduzindo-se esta uniformidade genérica até na ornamentação das duas faces maiores, constituída em todos por uma nervura média, entre dois sulcos mais ou menos profundos, a começar logo abaixo do rebordo da espera e esmorecendo até desaparecer a distâncias variáveis do gume.
Só dois dos machados conservam aderentes os cabeços da fundição. Nos outros foram serrados previamente à inumação o esconderijo. Mas o corte não os separou por completo, percebendo-se-lhes ainda nitidamente o início, logo a seguir às caneluras. Estas circunstâncias, e a subsistência de rebarbas em alguns exemplares, atestam que não tinham sido usados. No mapa subsequente, se resumem outros pormenores descritivos:



O achado representa mais um esconderijo de fundidor-mercante. Repete-se nele a irritante monotonia destes depósitos da idade do bronze, quase sempre constituídos exclusivamente pelo mesmo tipo de machado, sem outros instrumentos ou utensílios coevos. De entre os sete esconderijos, de que temos nota, só um, o de Bujões (Vila Real), continha um padrão diverso de machados, o de cunha, e outro, o de S. Brás (Torre de Dona Chama), reunia os dois modelos, de cunha e de caneluras duplas. Os restantes e agora este oitavo depósito, apenas forneceram o palstave de duplo anel e dupla canelura.
Assim, o recentíssimo achado, conquanto registável, carece de importância arqueológica para a constituição da cronologia da Idade do Branze, ainda tão imprecisa e incerta entre nós, à mingua de indicadores seguros”.
Ainda hoje, três dos cinco machados achados na Carpinteira (S. Paio) se encontram no Museu Nacional de Arqueologia. Um deles (Foto 2) é descrito nos seguintes termos: “Machado de talão de bronze, com dupla aselha, de tipo Monteagudo 39 C (Bardaos). Uma das aselhas está fraturada, não apresenta cone de fundição. A secção é subquadrangular. O gume é retilíneo e apresenta-se muito gasto. O talão é estreito e delimitado por uma nervura saliente que forma como que uma moldura e é mais espessa na zona limite entre o talão e a lâmina. A lâmina apresenta uma nervura central saliente, embora erodida, que arranca da moldura do talão e é ladeada por duas depressões laterais, bastante erodidas.” (http://www.matriznet.dgpc.pt)


Foto 2

Um outro é descrito nos seguintes termos: “Machado de bronze, de talão e dupla azelha; secção subretangular, de tipo Monteagudo 29 F (Melgaço). O talão e gume retilíneos; rebarbas visíveis nos bordos. No topo do talão é visível a zona de corte do cone de fundição. As azelhas arrancam imediatamente abaixo do limite de junção com a lâmina. Nervura central muito saliente, ladeada por duas depressões bem vincadas, em forma de cunha. Talão delimitado por nervura lateral, especialmente saliente na zona de junção com a lâmina, formando como que uma moldura. É um machado em bronze, cuja tipologia se pode inserir num contexto o Bronze Final. Encontra-se em bom estado de conservação; apresenta uma pátina homogénea verde escura podendo isso sugerir que se tenham formado compostos de cobre nomeadamente, o acetato ou carbonato de cobre. Por outro lado, os óxidos de cobre apresentam uma tonalidade acastanhada semelhante à encontrada em alguns pontos da superfície da peça. É também de salientar que os carbonatos de cobre (malaquite) são resultado da reacção dos óxidos castanhos de cobre. Tendo em atenção à massa registada para a peça, pode-se admitir que existe um teor de chumbo elevado. Segundo a literatura, durante a Idade do Bronze Final nesta região são habituais as ligas ternárias de Cu, Sn e Pb. O chumbo é adicionado às ligas de cobre para aumentar a sua fluidez e modificar a sua pátina. Este metal não forma soluções sólidas com os bronzes, ficando distribuído no artefacto sob a forma de inclusões esféricas e de uma forma heterogénea. Atendendo a que não há homogeneidade na distribuição do estanho e chumbo na liga, devido a processos de segregação que ocorrem durante as operações metalúrgicos de fabrico da peça, e tendo em conta os potenciais de redução padrão desses elementos podemos admitir que haja um grau de corrosão intenso desses metais em determinadas zonas da superfície. Tal facto pode justificar a observação de produtos esbranquiçados em algumas zonas do revestimento da peça". (http://www.matriznet.dgpc.pt)


Foto 3

O terceiro, na Foto 4, é descrito assim: “Machado de talão em bronze, com dupla azelha. Secção subquadrangular. Cone de fundição muito corroído e fracturado. Uma das aselhas está quebrada. Gume embotado, fracturado e ligeiramente assimétrico pelo uso (originalmente terá sido rectilíneo). Na zona de fractura do cone de fundição são ainda visíveis algumas manchas metálicas cinzentas (chumbo?). Talão estreito e delimitado por uma nervura saliente que forma como uma moldura e é mais espessa na zona limite entre o talão e a lâmina. Lâmina com nervura central saliente, embora erodida, que arranca da moldura do talão e é ladeada por duas depressões laterais, bastante erodidas. Orifícios de corrosão numa das faces do talão. Mossas e outras marcas de uso (cortes feitos com escopro?). A aselha que resta também apresenta evidentes sinais de corrosão (orifícios). Monteagudo nº 1132 Tipo 29 H (Veatodos C). É um machado em bronze, cuja tipologia se pode inserir num contexto o Bronze Final. Encontra-se num estado de conservação razoável, apresentando uma corrosão estável. A pátina que reveste o artefacto é verde acastanhada, podendo isso sugerir que se tenham formado compostos de cobre nomeadamente, o acetato ou carbonato de cobre de cor verde ou óxidos de cobre que apresentam uma tonalidade acastanhada semelhante à encontrada em algumas zonas da superfície da peça. É também de salientar que os carbonatos de cobre (malaquite) são resultado da reação dos óxidos castanhos de cobre. Tendo em atenção à massa registada para a peça, pode-se admitir que existe um teor de chumbo elevado. Segundo a literatura, durante a Idade do Bronze Final nesta região são habituais as ligas ternárias de Cu, Sn e Pb. O chumbo é adicionado às ligas de cobre para aumentar a sua fluidez e modificar a sua pátina. Este metal não forma soluções sólidas com os bronzes, ficando distribuído no artefacto sob a forma de inclusões esféricas e de uma forma heterogénea. Atendendo a que não há homogeneidade na distribuição do estanho e chumbo na liga, devido a processos de segregação que ocorrem durante as operações metalúrgicos de fabrico da peça, e tendo em conta os potenciais de redução padrão desses elementos podemos admitir que haja um grau de corrosão intenso desses metais em determinadas zonas da superfície. Tal facto pode justificar a observação de produtos esbranquiçados em algumas zonas do revestimento da peça”. (http://www.matriznet.dgpc.pt)


Foto 4








Fontes consultadas:


- FORTES, José (1905-1908b) – Esconderijo morgeano da Carpinteira (Melgaço). In: Portugalia, Tomo II, Fascículo 3.

- PEREIRA, Elisabete de Jesus (2017) - Atores, Coleções e Objectos - Coleccionismo Arqueológico e Redes de Circulação de Conhecimento - Portugal, 1850 - 1930, Tese apresentada à Universidade de Évora para obtenção do Grau de Doutor em História e Filosofia da Ciência. Universidade de Évora, Évora.

- http://www.matriznet.dgpc.pt.


sexta-feira, 10 de maio de 2019

Melgaço na História do Mosteiro da Batalha



O Mosteiro da Batalha foi mandado construir pelo rei D. João I em 1386, em cumprimento de uma promessa pela vitória na Batalha de Aljubarrota em 1385 e que garantiu a preservação da independência lusitana. Todavia, a História do Mosteiro da Batalha ficará para sempre ligada a Melgaço. Porquê?
Em inícios de 1388, a Praça de Melgaço era a única que permanecia nas mãos dos castelhanos pelo que o rei a mandou cercar durante 53 dias até que caiu em mãos lusas em Março do mesmo ano. Foi o próprio rei que veio comandar o seu cerco. Em Melgaço, encontrava-se, entre outros, Frei Lourenço Lampreia, que era confessor do rei e frade dominicano. Enquanto decorria a construção do Mosteiro da Batalha, em terras melgacenses o monarca luso deixou assente que iria entregar o dito mosteiro à Ordem de S. Domingos e o Frei Lourenço Lampreia viria a ser o primeiro Prior do Mosteiro da Batalha. Tudo isso é-nos contado no livro “Primeira Parte da História de S. Domingos”, publicado em 1866: E foi assim, que já havia três annos que a obra do Mosteiro corria, quando estando de cerco sobre o Castello de Melgaço, assentou de o dar à Ordem de São Domingos, segundo o achamos declarado no testamento, que muitos annos depois fez em huma verba, que diz assim: “Porque nós prometemos no dia da batalha que houvemos com el-Rei de Castella, de que Nosso Senhor Deus nos deu vitoria, de mandarmos fazer à honra de Nossa Senhora Santa Maria, cuja véspera então era, á cerca donde ella foi, hum Mosteiro: o qual depois que foi começado, nos requereu o Doutor João das Regas do nosso Conselho, e Frei Lourenço Lamprea, nosso Confessor, estando nós em cerco de Melgaço, que ordenássemos que fosse da Ordem de S. Domingos. E nós duvidamos de o fazer, porque assim foi nosso prometimento de se fazer à honra da dita Senhora Nossa Santa Maria. E responderão-nos que a dita Ordem especial era muito da dita Senhora, declarando-nos as razões porque: as quais vistas por nós, acordamos, e prove-nos de ordenar o dito Mosteiro que fosse da dita Ordem etc.”
Logo que a praça de Melgaço voltou para as mãos dos portugueses, o rei e o seu séquito abandonam terras melgacenses e seguiram até ao Porto onde parou, e nela mandou passar carta de doação à Ordem cujo traslado tirado do próprio que se guarda no Cartório do Convento, onde se pode ler o seguinte:
Dom João pela graça de Deus, Rei de Portugal, e do Algarve. A quantos está carta virem fazemos saber, que por honra da Virgem Maria, nossa defensora, e d’estes Reinos, considerando as muitas estremadas graças, que do seu bento Filho a rogo d'ella sempre recebemos, assim em guarda de nosso corpo, como exalçamento dos ditos Reinos em as guerras e mesteres em que somos postos, especialmente na batalha e campo que houvemos com os Castellãos, dando-nos deles vitória maravilhosa, mais por sua misericórdia, que polos nossos merecimentos, propozemos em renembrança dos benefícios por ella recebidos de edificar, e mandar fazer casa de oração, em a qual à honra, e louvor da dita Senhora se faça serviço a Deus. A qual de feito já mandamos começar apar da Canoeira. E porque segundo Deus, e verdade os Fraires Pregadores da Ordem de S, Domingos som mui devotos em ella, assim por as suas obras, como polo hábito que de suas mãos receberão, são outro si merecedores de todo bem, e mais, que a Nosso Senhor, e a dita Senhora, sua Madre servem em cada hum dia, e saberão servir ao diante rogando a elles por nós, e polos susoditos Reinos. Porende nós suzodito Rei a honra e louvor dos suzuditos Senhores de nosso próprio movimento, livre vontade, e por cumprir outro si aquillo que pressuposto haviamos, damos, doamos, e dedicamos à Ordem de S. Domingos o nosso Mosteiro de Santa Maria da Vitoria, que nós ora mandamos fazer a par do dito logo da Canoeira, termo de Leiria, à honra da dita Senhora com todos seus direitos e pertenças. E rogamos aos Frades da dita Ordem, áquelles, a que de direito he cometida a administração d'ella, especialmente a Frei Lourenço, nosso Confessar, que tome o encarrego e posse da dita casa, e Mosteiro por esta nossa carta: a qual queremos e outorgamos que seja firme e valedoura para todo sempre. E mandamos outro si, e rogamos a todos nossos filhos, nossos ereos, e sucessores que hajam o dito Mosteiro encomendado, e o acrescentem sempre de bem em melhor, e defendam em os privilégios e liberdades, que lhe per nós, e per as Padres Santos forem dados: em quanto seu poder abranger, e ao dito Mosteiro for necessário e compridouro, sob pena da nossa benção. E pera esto outro si haver mais pronta e comprida executação, rogamos, e mandamos ao Doutor João das Regas do nosso Conselho, que perante nos e suzoditos sucessores seja prometor e requeredor de todo o bem, prol, e honra do dito Mosteiro e Frayres d'elle. E em testemunho d'esto lhe mandamos dar esta carta assinada por nossa mão. Dada na cidade do Porto quatro dias de Abril. El Rei o mandou. Álvaro Gonçalvez a fez. Era de MCCCCXXVI annos. Rei. (Corresponde ao ano do Senhor de 1388).



Fonte consultada: SOUSA, Frei Luís de (1866) - Primeira Parte da História de S. Domingos.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Notícias de uma carpeada de há 100 anos atrás em Castro Laboreiro




A carpeada é uma tradição muito antiga e que consiste no processo de transformação da lã depois de tosquiada e lavada, até à obtenção do fio. Em Castro Laboreiro, em tempos antigos, uma carpeada era uma autêntica festa. Além do trabalho com a lã que era feito pelas mulheres, havia o convívio, os namoricos, a música tradicional e as danças até altas horas e muito mais...
Há cerca de 100 anos, no jornal castrejo “A Neve”, na sua edição de 25 de Novembro de 1920, o autor do texto conta-nos como era uma carpeada na época em terras de Castro Laboreiro: “Uma noite passada, talvez às 9 horas, se não me engano, sentindo passar diversos rapazes pelo caminho próximo a minha casa, lembrei-me que tinha sido convidado juntamente com diversos conterrâneos, para assistir a uma carpeada que se realiza numa casa do lugar.
Eis que chegam os rapazes devidamente preparados para dali a instantes, na carpeada, conquistar a afeição das donzelas que todos nós esperavam. Dirigimo-nos ao edifício do “Primavera Sport Club”, ponto da reunião para a partida.
Fizeram-se ouvir os primeiros sons de concertina acompanhados por diversos instrumentos de corda, formando no conjunto uma harmoniosa orquestra que seria a música que deliciaria com o seu lindo e variado programa os ouvidos das castas donzelas que sentadas em volta duma sala, carpeavam a lã das ovelhas que nesta terra se criam em grande número.
Eis-nos transpondo o lumiar da casa.
Que comoção, sentindo cair sobre nós os meigos olhares daquelas raparigas aquém nós tanto amávamos!
Parou o concerto e a conversa generalizou-se por todos sendo apenas recortada às vezes para ouvir silenciosamente uma peça de música executada brilhantemente a solo pelo nosso bom amigo e inteligente administrador de “A Neve”, Sr. J. A. A. Carabel.
Terminada esta, no meio do merecido aplauso da assembleia, principiava outra vez a conversa amorosa entre os namorados que alegremente se contemplavam à luz dos gasómetros. Eis que soa a meia-noite no relógio da casa, pois a Ex.ma Câmara não tem verba (?) para nos dar um relógio para uso do público.
A lã, que há-de servir para fabricar parte do vestuário da família sua possuidora estava pronta, graças ao trabalho infatigável dessas adoradas meninas, que agora depois de servido um suculento repasto se divertiram bailando com aqueles que, quem sabe, um dia serão os seus companheiros inseparáveis.
Agora já não é unicamente o Sr. J. A. Carabel que nos delicia com as suas agradáveis músicas. Os tocadores revezam-se para todos poderem gozar dançando com o seu anjo estremecido.
Tudo alegre! Que felicidade reina entre nós! Como nós nos sentimos felizes longe do mundo, embora nestas ásperas montanhas!
É que aqui o céu é mais límpido, o ar é mais puro e a gente não é tão traidora para com os seus semelhantes.
Só o romper da aurora é que veio acordar estes seres hipnotizados pelo amor e pela música, fazendo perceber que eram horas de terminar, para dali a instantes, depois de descansar uns curtos momentos, ir à igreja ouvir a missa do domingo.
Eis-nos saindo a porta da casa da carpeada ao som duma triste melodia acompanhada a canto pelos rapazes e raparigas, retirando para suas casas.
Como esta última quadra me ficou profundamente gravada na memória, embora já a conhecesse por ser uma quadra muito popular!

Esta modinha das três
Esta modinha das quatro
Aqui anda o meu amor
Aqui anda o meu retrato.”

Porque seria então que tanto me impressionou?
Não sei. Muitas vezes a ouvi: mas só esta é que ma gravou profundamente na minha alma. Talvez fosse por significar a imagem querida que constantemente me acompanha.
Castro Laboreiro, 20-11-2019”.



Extraído de: Jornal “A Neve”, edição de 25 de Novembro de 1920.