No
início do século XX, registaram-se em Melgaço um conjunto de
importantes achados arqueológicos tais como o Castro da Cevidade e a
estela sepulcral, ambos em Paderne, e o designado esconderijo
morgeano, no lugar da Carpinteira, em S. Paio, entre outros.
Foi
em 1906 que se descobriu de forma acidental no lugar da Carpinteira
(S. Paio) um conjunto de cinco machado da idade do bronze, provavelmente com cerca de 3 000 anos de antiguidade. Tal facto
é-nos contado, na época, na revista “Portvgália”, num artigo
de José Fortes, que refere que “Em Novembro de 1906, quando se
arrancava um pinheiro numa bouça do sítio da Carpinteira, freguesia
de S. Paio, a 1,4 quilómetros de Melgaço, apareceram sob as raízes,
cinco machados de bronze, que, dias passados, foram adquiridos pelo
digno professor da Escola de Desenho Industrial de Viana do Castelo,
Sr. Serafim de Souza Neves. Gentilmente confiados, pudemos estudá-los
e averiguar que pertencem todos ao tipo, que a arqueologia francesa
denomina à Talon e classifica de morgeano – modelo vulgaríssimo
entre nós e conhecido hoje pela perífrase de machados de duplo anel
e dupla canelura”.
Tais
factos são também aludidos por
Figueiredo da Guerra no “Correio de Melgaço”, edição
5
de
Janeiro de 1913,
onde
escreve que ”Da
idade do bronze apareceram em 1906, na Carpinteira, S. Paio, em
esconderijo subterrâneo (quando se arrancava um pinheiro numa
bouça), cinco machados de cobre, tipo morgeano (…), que nós
classificamos como modelo grande do Minho. Da mão do nosso amigo
Serafim Neves, onde os vimos, passaram ao Dr. José Leite, indo
aumentar a colecção oficial de Lisboa”.
Conforme
se lê acima, os machados encontrados foram adquiridos pelo Dr. José
Leite de Vasconcelos, diretor do Museu Nacional de Arqueologia, ao
professor Serafim Neves para a coleção da instituição. Sabe-se
que este os terá tentado vender ao Dr. Leite de Vasconcelos e
podemos comprovar tal facto pela troca de correspondência entre
ambos. De facto, em 1908, Serafim de Sousa Neves solicitou
informações sobre o interesse do Museu Nacional de Arqueologia em
adquirir três dos machados que apareceram na Carpinteira (S. Paio - Melgaço).
Na mesma carta em que Serafim de Sousa Neves informa o museu de que
não realizava a venda dos machados “por menos de 15.000 reis”
disponibilizou-se também a vender os novos materiais que obteve de
Condeixa: “Recebi de Condeixa, uma luzerna em barro muito
perfeita, um cadinho ainda com vestígios de metal, um fragmento
também de uma outra luzerna, e um annel em ouro. Creio bem que todos
estes objectos são romanos. Se V.ª Ex.ª desejar vê-los não tenho
dúvida alguma em lhos remeter.”
No
início do mês de Junho de 1908, estes objetos foram enviados para
Lisboa e alguns dias mais tarde foi remetido o valor que pretendia
obter pelos mesmos: “Os objectos que ultimamente enviei a V.ª
Ex.ª custam 40$000 reis”. Não conhecemos os
desenvolvimentos destas propostas de venda. As seguintes cartas
enviadas por Serafim de Sousa Neves, em 12 de Junho de 1908 e 26 de
Junho do mesmo ano, informam José Leite de Vasconcelos sobre o
interesse em vender o conjunto dos objetos e não os objetos
separados e um pedido de informações sobre a datação do anel de
ouro. Sabe-se apenas que a venda se concretizou desconhecendo-se o valor.
No
artigo sobre estes achados, José Fortes escreveu na revista
Portvgália (1905 - 1908) acerca do estado de conservação dos ditos machados e das sua caraterísticas: “É em geral mau o estado de conservação
as série. O lenhador, fantasiando logo um áureo tesouro, mutilou ou
partiu alguns exemplares, e raspou a patina de outros – tudo em
averiguação cubiçosa da natureza íntima do metal. Assim,
apareceram-nos – um partido logo abaixo da espera (talon), dois com
falta de um anel e um com o cabeço da fundição partido e novamente
soldado. A patina, que era verde escura está levantada na maioria
deles. Ainda se percebe no entanto que a crosta patinosa era mais
espessa num dos lados dos instrumentos. Restos de partículas
terrosas aderem-lhes às faces, atestando uma longa permanência no
subsolo.
Foram
todos fundidos em diversos moldes bivalves. Num reconheceu-se que as
valvas do molde se deslocaram durante a operação, resultando um
instrumento defeituoso, assimétrico, grosseiríssimo. Exibe este
mesmo espécime uma particularidade invulgar de arquitetura. O
rebordo saliente da espera prolonga-se para ambos os lados do
instrumento e transforma-se aí nos anéis usuais.
Apesar
deste e outros insignificantes episódios arquitetónicos, o aspeto
geral é o mesmo, reproduzindo-se esta uniformidade genérica até na
ornamentação das duas faces maiores, constituída em todos por uma
nervura média, entre dois sulcos mais ou menos profundos, a começar
logo abaixo do rebordo da espera e esmorecendo até desaparecer a
distâncias variáveis do gume.
Só
dois dos machados conservam aderentes os cabeços da fundição. Nos
outros foram serrados previamente à inumação o esconderijo. Mas o
corte não os separou por completo, percebendo-se-lhes ainda
nitidamente o início, logo a seguir às caneluras. Estas
circunstâncias, e a subsistência de rebarbas em alguns exemplares,
atestam que não tinham sido usados. No mapa subsequente, se resumem
outros pormenores descritivos:
O
achado representa mais um esconderijo de fundidor-mercante. Repete-se
nele a irritante monotonia destes depósitos da idade do bronze,
quase sempre constituídos exclusivamente pelo mesmo tipo de machado,
sem outros instrumentos ou utensílios coevos. De entre os sete
esconderijos, de que temos nota, só um, o de Bujões (Vila Real),
continha um padrão diverso de machados, o de cunha, e outro, o de S.
Brás (Torre de Dona Chama), reunia os dois modelos, de cunha e de
caneluras duplas. Os restantes e agora este oitavo depósito, apenas
forneceram o palstave de duplo anel e dupla canelura.
Assim,
o recentíssimo achado, conquanto registável, carece de importância
arqueológica para a constituição da cronologia da Idade do Branze,
ainda tão imprecisa e incerta entre nós, à mingua de indicadores
seguros”.
Ainda
hoje, três dos cinco machados achados na Carpinteira (S. Paio) se
encontram no Museu Nacional de Arqueologia. Um deles (Foto 2) é
descrito nos seguintes termos: “Machado
de talão de bronze, com dupla aselha, de tipo Monteagudo 39 C
(Bardaos). Uma das aselhas está fraturada, não apresenta cone de
fundição. A secção é subquadrangular. O gume é retilíneo e
apresenta-se muito gasto. O talão é estreito e delimitado por uma
nervura saliente que forma como que uma moldura e é mais espessa na
zona limite entre o talão e a lâmina. A lâmina apresenta uma
nervura central saliente, embora erodida, que arranca da moldura do
talão e é ladeada por duas depressões laterais, bastante
erodidas.”
(http://www.matriznet.dgpc.pt)
Foto
2
Um
outro é descrito nos seguintes termos: “Machado de bronze, de
talão e dupla azelha; secção subretangular, de tipo Monteagudo 29
F (Melgaço). O talão e gume retilíneos; rebarbas visíveis nos
bordos. No topo do talão é visível a zona de corte do cone de
fundição. As azelhas arrancam imediatamente abaixo do limite de
junção com a lâmina. Nervura central muito saliente, ladeada por
duas depressões bem vincadas, em forma de cunha. Talão delimitado
por nervura lateral, especialmente saliente na zona de junção com a
lâmina, formando como que uma moldura. É um machado em bronze, cuja
tipologia se pode inserir num contexto o Bronze Final. Encontra-se em
bom estado de conservação; apresenta uma pátina homogénea verde
escura podendo isso sugerir que se tenham formado compostos de cobre
nomeadamente, o acetato ou carbonato de cobre. Por outro lado, os
óxidos de cobre apresentam uma tonalidade acastanhada semelhante à
encontrada em alguns pontos da superfície da peça. É também de
salientar que os carbonatos de cobre (malaquite) são resultado da
reacção dos óxidos castanhos de cobre. Tendo em atenção à massa
registada para a peça, pode-se admitir que existe um teor de chumbo
elevado. Segundo a literatura, durante a Idade do Bronze Final nesta
região são habituais as ligas ternárias de Cu, Sn e Pb. O chumbo é
adicionado às ligas de cobre para aumentar a sua fluidez e modificar
a sua pátina. Este metal não forma soluções sólidas com os
bronzes, ficando distribuído no artefacto sob a forma de inclusões
esféricas e de uma forma heterogénea. Atendendo a que não há
homogeneidade na distribuição do estanho e chumbo na liga, devido a
processos de segregação que ocorrem durante as operações
metalúrgicos de fabrico da peça, e tendo em conta os potenciais de
redução padrão desses elementos podemos admitir que haja um grau
de corrosão intenso desses metais em determinadas zonas da
superfície. Tal facto pode justificar a observação de produtos
esbranquiçados em algumas zonas do revestimento da peça".
(http://www.matriznet.dgpc.pt)
Foto
3
O
terceiro, na Foto 4, é descrito assim:
“Machado de talão
em bronze, com dupla azelha. Secção subquadrangular. Cone de
fundição muito corroído e fracturado. Uma das aselhas está
quebrada. Gume embotado, fracturado e ligeiramente assimétrico pelo
uso (originalmente terá sido rectilíneo). Na zona de fractura do
cone de fundição são ainda visíveis algumas manchas metálicas
cinzentas (chumbo?). Talão estreito e delimitado por uma nervura
saliente que forma como uma moldura e é mais espessa na zona limite
entre o talão e a lâmina. Lâmina com nervura central saliente,
embora erodida, que arranca da moldura do talão e é ladeada por
duas depressões laterais, bastante erodidas. Orifícios de corrosão
numa das faces do talão. Mossas e outras marcas de uso (cortes
feitos com escopro?). A aselha que resta também apresenta evidentes
sinais de corrosão (orifícios). Monteagudo nº 1132 Tipo 29 H
(Veatodos C). É um machado em bronze, cuja tipologia se pode inserir
num contexto o Bronze Final. Encontra-se num estado de conservação
razoável, apresentando uma corrosão estável. A pátina que reveste
o artefacto é verde acastanhada, podendo isso sugerir que se tenham
formado compostos de cobre nomeadamente, o acetato ou carbonato de
cobre de cor verde ou óxidos de cobre que apresentam uma tonalidade
acastanhada semelhante à encontrada em algumas zonas da superfície
da peça. É também de salientar que os carbonatos de cobre
(malaquite) são resultado da reação dos óxidos castanhos de
cobre. Tendo em atenção à massa registada para a peça, pode-se
admitir que existe um teor de chumbo elevado. Segundo a literatura,
durante a Idade do Bronze Final nesta região são habituais as ligas
ternárias de Cu, Sn e Pb. O chumbo é adicionado às ligas de cobre
para aumentar a sua fluidez e modificar a sua pátina. Este metal não
forma soluções sólidas com os bronzes, ficando distribuído no
artefacto sob a forma de inclusões esféricas e de uma forma
heterogénea. Atendendo a que não há homogeneidade na distribuição
do estanho e chumbo na liga, devido a processos de segregação que
ocorrem durante as operações metalúrgicos de fabrico da peça, e
tendo em conta os potenciais de redução padrão desses elementos
podemos admitir que haja um grau de corrosão intenso desses metais
em determinadas zonas da superfície. Tal facto pode justificar a
observação de produtos esbranquiçados em algumas zonas do
revestimento da peça”.
(http://www.matriznet.dgpc.pt)
Foto
4
Fontes consultadas:
- FORTES, José (1905-1908b) – Esconderijo morgeano da Carpinteira (Melgaço). In: Portugalia, Tomo II, Fascículo 3.
- PEREIRA, Elisabete de Jesus (2017) - Atores, Coleções e Objectos - Coleccionismo Arqueológico e Redes de Circulação de Conhecimento - Portugal, 1850 - 1930, Tese apresentada à Universidade de Évora para obtenção do Grau de Doutor em História e Filosofia da Ciência. Universidade de Évora, Évora.
- http://www.matriznet.dgpc.pt.
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