sexta-feira, 17 de maio de 2019

Os achados arqueológicos da Idade do Bronze na Carpinteira (S. Paio - Melgaço) em 1906



No início do século XX, registaram-se em Melgaço um conjunto de importantes achados arqueológicos tais como o Castro da Cevidade e a estela sepulcral, ambos em Paderne, e o designado esconderijo morgeano, no lugar da Carpinteira, em S. Paio, entre outros.
Foi em 1906 que se descobriu de forma acidental no lugar da Carpinteira (S. Paio) um conjunto de cinco machado da idade do bronze, provavelmente com cerca de 3 000 anos de antiguidade. Tal facto é-nos contado, na época, na revista “Portvgália”, num artigo de José Fortes, que refere que “Em Novembro de 1906, quando se arrancava um pinheiro numa bouça do sítio da Carpinteira, freguesia de S. Paio, a 1,4 quilómetros de Melgaço, apareceram sob as raízes, cinco machados de bronze, que, dias passados, foram adquiridos pelo digno professor da Escola de Desenho Industrial de Viana do Castelo, Sr. Serafim de Souza Neves. Gentilmente confiados, pudemos estudá-los e averiguar que pertencem todos ao tipo, que a arqueologia francesa denomina à Talon e classifica de morgeano – modelo vulgaríssimo entre nós e conhecido hoje pela perífrase de machados de duplo anel e dupla canelura”.
Tais factos são também aludidos por Figueiredo da Guerra no “Correio de Melgaço”, edição 5 de Janeiro de 1913, onde escreve que ”Da idade do bronze apareceram em 1906, na Carpinteira, S. Paio, em esconderijo subterrâneo (quando se arrancava um pinheiro numa bouça), cinco machados de cobre, tipo morgeano (…), que nós classificamos como modelo grande do Minho. Da mão do nosso amigo Serafim Neves, onde os vimos, passaram ao Dr. José Leite, indo aumentar a colecção oficial de Lisboa”.
Conforme se lê acima, os machados encontrados foram adquiridos pelo Dr. José Leite de Vasconcelos, diretor do Museu Nacional de Arqueologia, ao professor Serafim Neves para a coleção da instituição. Sabe-se que este os terá tentado vender ao Dr. Leite de Vasconcelos e podemos comprovar tal facto pela troca de correspondência entre ambos. De facto, em 1908, Serafim de Sousa Neves solicitou informações sobre o interesse do Museu Nacional de Arqueologia em adquirir três dos machados que apareceram na Carpinteira (S. Paio - Melgaço). Na mesma carta em que Serafim de Sousa Neves informa o museu de que não realizava a venda dos machados “por menos de 15.000 reis” disponibilizou-se também a vender os novos materiais que obteve de Condeixa: “Recebi de Condeixa, uma luzerna em barro muito perfeita, um cadinho ainda com vestígios de metal, um fragmento também de uma outra luzerna, e um annel em ouro. Creio bem que todos estes objectos são romanos. Se V.ª Ex.ª desejar vê-los não tenho dúvida alguma em lhos remeter.”
No início do mês de Junho de 1908, estes objetos foram enviados para Lisboa e alguns dias mais tarde foi remetido o valor que pretendia obter pelos mesmos: “Os objectos que ultimamente enviei a V.ª Ex.ª custam 40$000 reis”. Não conhecemos os desenvolvimentos destas propostas de venda. As seguintes cartas enviadas por Serafim de Sousa Neves, em 12 de Junho de 1908 e 26 de Junho do mesmo ano, informam José Leite de Vasconcelos sobre o interesse em vender o conjunto dos objetos e não os objetos separados e um pedido de informações sobre a datação do anel de ouro. Sabe-se apenas que a venda se concretizou desconhecendo-se o valor.
No artigo sobre estes achados, José Fortes escreveu na revista Portvgália (1905 - 1908) acerca do estado de conservação dos ditos machados e das sua caraterísticas: “É em geral mau o estado de conservação as série. O lenhador, fantasiando logo um áureo tesouro, mutilou ou partiu alguns exemplares, e raspou a patina de outros – tudo em averiguação cubiçosa da natureza íntima do metal. Assim, apareceram-nos – um partido logo abaixo da espera (talon), dois com falta de um anel e um com o cabeço da fundição partido e novamente soldado. A patina, que era verde escura está levantada na maioria deles. Ainda se percebe no entanto que a crosta patinosa era mais espessa num dos lados dos instrumentos. Restos de partículas terrosas aderem-lhes às faces, atestando uma longa permanência no subsolo.
Foram todos fundidos em diversos moldes bivalves. Num reconheceu-se que as valvas do molde se deslocaram durante a operação, resultando um instrumento defeituoso, assimétrico, grosseiríssimo. Exibe este mesmo espécime uma particularidade invulgar de arquitetura. O rebordo saliente da espera prolonga-se para ambos os lados do instrumento e transforma-se aí nos anéis usuais.
Apesar deste e outros insignificantes episódios arquitetónicos, o aspeto geral é o mesmo, reproduzindo-se esta uniformidade genérica até na ornamentação das duas faces maiores, constituída em todos por uma nervura média, entre dois sulcos mais ou menos profundos, a começar logo abaixo do rebordo da espera e esmorecendo até desaparecer a distâncias variáveis do gume.
Só dois dos machados conservam aderentes os cabeços da fundição. Nos outros foram serrados previamente à inumação o esconderijo. Mas o corte não os separou por completo, percebendo-se-lhes ainda nitidamente o início, logo a seguir às caneluras. Estas circunstâncias, e a subsistência de rebarbas em alguns exemplares, atestam que não tinham sido usados. No mapa subsequente, se resumem outros pormenores descritivos:



O achado representa mais um esconderijo de fundidor-mercante. Repete-se nele a irritante monotonia destes depósitos da idade do bronze, quase sempre constituídos exclusivamente pelo mesmo tipo de machado, sem outros instrumentos ou utensílios coevos. De entre os sete esconderijos, de que temos nota, só um, o de Bujões (Vila Real), continha um padrão diverso de machados, o de cunha, e outro, o de S. Brás (Torre de Dona Chama), reunia os dois modelos, de cunha e de caneluras duplas. Os restantes e agora este oitavo depósito, apenas forneceram o palstave de duplo anel e dupla canelura.
Assim, o recentíssimo achado, conquanto registável, carece de importância arqueológica para a constituição da cronologia da Idade do Branze, ainda tão imprecisa e incerta entre nós, à mingua de indicadores seguros”.
Ainda hoje, três dos cinco machados achados na Carpinteira (S. Paio) se encontram no Museu Nacional de Arqueologia. Um deles (Foto 2) é descrito nos seguintes termos: “Machado de talão de bronze, com dupla aselha, de tipo Monteagudo 39 C (Bardaos). Uma das aselhas está fraturada, não apresenta cone de fundição. A secção é subquadrangular. O gume é retilíneo e apresenta-se muito gasto. O talão é estreito e delimitado por uma nervura saliente que forma como que uma moldura e é mais espessa na zona limite entre o talão e a lâmina. A lâmina apresenta uma nervura central saliente, embora erodida, que arranca da moldura do talão e é ladeada por duas depressões laterais, bastante erodidas.” (http://www.matriznet.dgpc.pt)


Foto 2

Um outro é descrito nos seguintes termos: “Machado de bronze, de talão e dupla azelha; secção subretangular, de tipo Monteagudo 29 F (Melgaço). O talão e gume retilíneos; rebarbas visíveis nos bordos. No topo do talão é visível a zona de corte do cone de fundição. As azelhas arrancam imediatamente abaixo do limite de junção com a lâmina. Nervura central muito saliente, ladeada por duas depressões bem vincadas, em forma de cunha. Talão delimitado por nervura lateral, especialmente saliente na zona de junção com a lâmina, formando como que uma moldura. É um machado em bronze, cuja tipologia se pode inserir num contexto o Bronze Final. Encontra-se em bom estado de conservação; apresenta uma pátina homogénea verde escura podendo isso sugerir que se tenham formado compostos de cobre nomeadamente, o acetato ou carbonato de cobre. Por outro lado, os óxidos de cobre apresentam uma tonalidade acastanhada semelhante à encontrada em alguns pontos da superfície da peça. É também de salientar que os carbonatos de cobre (malaquite) são resultado da reacção dos óxidos castanhos de cobre. Tendo em atenção à massa registada para a peça, pode-se admitir que existe um teor de chumbo elevado. Segundo a literatura, durante a Idade do Bronze Final nesta região são habituais as ligas ternárias de Cu, Sn e Pb. O chumbo é adicionado às ligas de cobre para aumentar a sua fluidez e modificar a sua pátina. Este metal não forma soluções sólidas com os bronzes, ficando distribuído no artefacto sob a forma de inclusões esféricas e de uma forma heterogénea. Atendendo a que não há homogeneidade na distribuição do estanho e chumbo na liga, devido a processos de segregação que ocorrem durante as operações metalúrgicos de fabrico da peça, e tendo em conta os potenciais de redução padrão desses elementos podemos admitir que haja um grau de corrosão intenso desses metais em determinadas zonas da superfície. Tal facto pode justificar a observação de produtos esbranquiçados em algumas zonas do revestimento da peça". (http://www.matriznet.dgpc.pt)


Foto 3

O terceiro, na Foto 4, é descrito assim: “Machado de talão em bronze, com dupla azelha. Secção subquadrangular. Cone de fundição muito corroído e fracturado. Uma das aselhas está quebrada. Gume embotado, fracturado e ligeiramente assimétrico pelo uso (originalmente terá sido rectilíneo). Na zona de fractura do cone de fundição são ainda visíveis algumas manchas metálicas cinzentas (chumbo?). Talão estreito e delimitado por uma nervura saliente que forma como uma moldura e é mais espessa na zona limite entre o talão e a lâmina. Lâmina com nervura central saliente, embora erodida, que arranca da moldura do talão e é ladeada por duas depressões laterais, bastante erodidas. Orifícios de corrosão numa das faces do talão. Mossas e outras marcas de uso (cortes feitos com escopro?). A aselha que resta também apresenta evidentes sinais de corrosão (orifícios). Monteagudo nº 1132 Tipo 29 H (Veatodos C). É um machado em bronze, cuja tipologia se pode inserir num contexto o Bronze Final. Encontra-se num estado de conservação razoável, apresentando uma corrosão estável. A pátina que reveste o artefacto é verde acastanhada, podendo isso sugerir que se tenham formado compostos de cobre nomeadamente, o acetato ou carbonato de cobre de cor verde ou óxidos de cobre que apresentam uma tonalidade acastanhada semelhante à encontrada em algumas zonas da superfície da peça. É também de salientar que os carbonatos de cobre (malaquite) são resultado da reação dos óxidos castanhos de cobre. Tendo em atenção à massa registada para a peça, pode-se admitir que existe um teor de chumbo elevado. Segundo a literatura, durante a Idade do Bronze Final nesta região são habituais as ligas ternárias de Cu, Sn e Pb. O chumbo é adicionado às ligas de cobre para aumentar a sua fluidez e modificar a sua pátina. Este metal não forma soluções sólidas com os bronzes, ficando distribuído no artefacto sob a forma de inclusões esféricas e de uma forma heterogénea. Atendendo a que não há homogeneidade na distribuição do estanho e chumbo na liga, devido a processos de segregação que ocorrem durante as operações metalúrgicos de fabrico da peça, e tendo em conta os potenciais de redução padrão desses elementos podemos admitir que haja um grau de corrosão intenso desses metais em determinadas zonas da superfície. Tal facto pode justificar a observação de produtos esbranquiçados em algumas zonas do revestimento da peça”. (http://www.matriznet.dgpc.pt)


Foto 4








Fontes consultadas:


- FORTES, José (1905-1908b) – Esconderijo morgeano da Carpinteira (Melgaço). In: Portugalia, Tomo II, Fascículo 3.

- PEREIRA, Elisabete de Jesus (2017) - Atores, Coleções e Objectos - Coleccionismo Arqueológico e Redes de Circulação de Conhecimento - Portugal, 1850 - 1930, Tese apresentada à Universidade de Évora para obtenção do Grau de Doutor em História e Filosofia da Ciência. Universidade de Évora, Évora.

- http://www.matriznet.dgpc.pt.


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