sábado, 7 de março de 2015

O antigo asilo da Quinta de Eiró (Melgaço)


O edifício do antigo asilo da Quinta do Eiró

Este edifício terá sido construído por volta de 1872 conforme a data inscrita em cartela na escadaria da fachada sul. O mesmo era propriedade de Dona Maria Pia Pereira de Sousa, da ilustre Casa de Galvão, que, no estado de viúva de Francisco Pereira de Sousa, por escritura de 6 de Agosto de 1919, fez doação à Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, com reserva de usufruto vitalício, deste edifício e dos terrenos da Quinta de Eiró, situados neste lugar dos arredores da vila de Melgaço. 
Na dita escritura de doação pode ler-se: Ela, doadora, faz esta doação para o fim altruísta de iniciação e base de uma obra de caridade, como preito de admiração e da sua maior homenagem pelo caráter austero de seus falecidos marido e cunhado, Francisco Pereira de Sousa e Dr. António Pereira de Sousa, que nesta linda e acolhedora terra de Melgaço viveram por longo tempo e que como sua adoptaram com afincada dedicação, como contador de Juízo e Médico Municipal, não podendo e não sabendo como melhor enaltecer-lhes as sua lídimas qualidades de coração e como que interpretando-lhes o seu sentimento caritativo, que possuem e exerciam com piedade, sendo esta doação feita com o fim de nos bens doados, se estabelecer um asilo de inválidos com as condições que seguem: este asilo denominar-se-á Pereira de Sousa e será destinado ou terá por fim receber e sustentar os inválidos de ambos os sexos, absolutamente indigentes, moradores nesta vila de Melgaço. Na falta de indigentes naquelas condições, serão admitidos, em igualdade de circunstâncias, os das freguesias do concelho preferindo os das mais próximas”. 
D. Maria Pia Pereira de Castro e Sousa viria a falecer em 24 de novembro de 1935 e como o estipulado na doação, nessa data, passaram os bens citados para a administração da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço. 
Dando cumprimento às vontades expressas na doação por D. Maria de Castro e Sousa, o asilo Pereira de Sousa viria a ser inaugurado em 20 de Setembro de 1936. 
Na ata da inauguração lemos: 
Aos vinte dias do mês de Setembro de mil novecentos e trinta e seis, pelas dezasseis horas, no sitio de Eiró, extramuros desta vila de Melgaço, achando-se presente o provedor da Santa Casa da Misericórdia desta mesma vila, cidadão Duarte Augusto de Magalhães, comigo, José Maria Pereira, secretário, aí foram também presentes o Excelentíssimo Governador Civil, substituto, deste distrito, doutor João da Rocha Páris, doutor João de Barros Durães, na qualidade de Presidente da Câmara e Administrador deste concelho, doutor Victoriano da Glória Ribeiro Figueiredo e Castro, médico do Hospital, doutores Cândido Augusto da Rocha e Sá e Sérgio da Silva Saavedra, facultativos municipais, José de Sousa Lobato, professor e representante da Câmara Municipal e muitas outras pessoas, que devido ao seu grande número não podem ser mencionadas, procedendo-se assim à abertura solene deste Asilo, como previamente havia sido anunciado. 
Assim reunidos, pelo provedor foi dito, entre outras cousas que: 
- Agradecia a comparência do Excelentíssimo Governador Civil deste Distrito, que sempre se tem interessado por todos os assuntos, quer de ordem moral quer de ordem material, ocorridos e a tratar dentro da área da sua jurisdição, bem como ao Excelentíssimo Administrador deste concelho [sic] e a todos os outros assistentes. 
Nos encontrávamos numa casa modesta e pobre, para a sua inauguração em instituto de caridade e beneficência que, pelo seu significado, representa uma obra de grande alcance social e de reconhecido interesse regional. Que as pequenas iniciativas, com o decorrer do tempo, se podem converter em grandes empreendimentos. Dois prestantes cidadãos que, não sendo filhos desta terra, a ela muito se dedicaram, e pelos bons exemplos do seu digno procedimento, inspiraram nos seus sucessores o ardente desejo de perpetuar os seus nomes, com uma obra de caridade e beneficência na terra onde sempre foram respeitados e amados. 
Refiro-me aos senhores doutor António Pereira de Sousa, que exerceu o cargo de médico municipal neste concelho, e a seu irmão, Francisco Pereira de Sousa, que nesta comarca exerceu o seu cargo de funcionário judicial, ambos de saudosa memória. 
O último contraiu matrimónio com a excelentíssima senhora dona Maria Pia de Castro, desta vila de Melgaço. Esta nobre senhora, herdeira por falecimento de seu marido dos bens que lhe advieram por parte deste e seu referido irmão, quis ligar os nomes dos dois à sucessão dos seus bens e, para isso fez doação deles à Santa Casa da Misericórdia desta vila de Melgaço, destinando esta casa a um asilo para velhos necessitados, e consignando o rendimento dos restantes à sustentação do mesmo Asilo. Nobre exemplo de isenção, generosidade e altruísmo que torna venerável a memória daquela nobre e ilustre senhora. 
O seu gesto constitui mais um pergaminho de honra a acrescentar a tantos outros que muito nobilitam os atuais representantes do aristocrático Solar de Galvão e muito engrandecem a memória dos já falecidos membros de tão distinta família. 
É grande o fim desta instituição, e como os seus recursos são pequenos, cumpre aos vivos seguir o exemplo que os mortos nos deram. É esta a esperança que nos anima. A vida desta casa fica dependente da assistência pública e da assistência particular. Dominados pelo sentimento altruísta dos seus instituidores, empregaremos os nossos esforços para que nem uma nem outra lhe faltem. 
Posso já mencionar que algumas almas generosas têm concorrido para a sustentação e amparo dos velhinhos aqui recolhidos. O fim é altamente humanitário. 
Fica inaugurado o Asilo “Pereira de Sousa”. Que ele mereça a proteção de Deus para que lhe não possa faltar a protecção dos homens. 
Em seguida fez uso da palavra o senhor José de Sousa Lobato, que enalteceu as grandes qualidades dos doadores, e fazendo ver as vantagens de todos, os que possam, auxiliarem nas suas posses esta grande instituição. 
Findo o acto da abertura deste Asilo, foi este visitado por grande número de pessoas deste concelho e doutros limítrofes (...) . 
Apesar de inaugurado o asilo, os idosos continuaram nas duas salas do primeiro piso do hospital, devido às dificuldades financeiras, aproveitando-se assim o pessoal do serviço hospitalar para cuidar dos idosos. 
Também por esta época, formou-se em Melgaço uma Liga de Senhoras, constituída pelas mais ilustres da terra, para auxiliar na angariação de fundos para as obras sociais da Misericórdia. Em finais de 1949, a Misericórdia realiza obras na casa para transferir os idosos, contudo eles ainda permaneceram no hospital e só mais tarde seriam transferidos. 
Em 1955, é realizada uma campanha contra a tuberculose lançada pelo Provedor da Misericórdia. Nessa mesma altura, o deputado Elísio Alves Pimenta apresentou ao Subsecretário de Estado de Assistência Social o desejo do provedor de transformar a Casa de Eiró em Enfermaria abrigo para tuberculosos. Para isso, tornava-se necessário proceder a obras de reparação, no valor de cerca de 50.000$00, e que constituiriam em ripar e estucar de novo os tetos de várias divisões, reparar telhados, soalhos, portas e janelas. Além disso, era necessário a reparação e pintura de paredes interiores e exteriores, pavimentos a mosaico no primeiro andar e no piso térreo. Além disso, era ainda necessário, a colocação de silhar de azulejos em várias dependências do segundo piso e piso térreo, instalar água corrente nas dependências no segundo piso e fazer ajustes nas divisões, tapar portas e abrir outras. Era necessário também encanar águas de lavagem e esgotos bem como construir uma fossa, instalar sanitários, construir capela, reparar a instalação elétrica e estende-la ao piso térreo. Houve ainda necessidade de adquirir todo o mobiliário (camas para 18 doentes e 4 para o pessoal, mesinhas de noite, cadeiras, mesas, armários para roupas, etc.), adquirir roupas, loiças, fogão, artigos de cozinha, sanitários, entre outros materiais. 
As despesas de apetrechamento rondavam os 90 contos, mas o custo total da obra era de 120 mil escudos. Aprovando a ideia, o Subsecretário de Estado da Assistência Social concedeu 100 contos, para a obra. Em 1956, a 5 Janeiro, é feita a inauguração da enfermaria, com celebração de missa pelo Arcebispo Primaz de Braga e um discurso proferido pelo Provedor a partir da varanda do edifício, realizando-se ainda nesse mesmo dia a "Festa das Oferendas" para angariação de fundos. 
Em início de Dezembro de 1961, parece estar tudo preparado para a entrada em funcionamento do asilo. O Padre Carlos Vaz, provedor da Santa Casa, escreve na “Voz de Melgaço” de 1 de Dezembro, onde assegura: “Exatamente, no dia oito de Dezembro (…) começará a funcionar (…) na casa de Eiró, o “Lar dos Inválidos de Melgaço”. Vamos começar com dez internados. É nossa intenção recolher todos aqueles que procurem esta casa. Temos lugar para 20. 
Nas vésperas do dia 8, aqui chegarão as irmãzinhas, pois só elas com o seu desvelo e carinho, é que podem estar à frente duma obra como esta. Esperamos que uma ilustre Comissão de Senhoras da nossa terra possa dedicar a esta, o carinho e atenção que lhes for possível. 
Vamos começar.” 
Em 8 de Dezembro de 1961, o asilo recebe os idosos que estavam no hospital e começa a funcionar. O Padre Carlos Vaz escreveu no jornal “Voz de Melgaço”, na sua edição de dia 15 seguinte, onde nos conta tudo: Foi no dia 8, como estava previsto. Sem festas, sem discursos, quase em silêncio, humildemente, inaugurou-se pelas 15:30 precisas, da tarde do dia 8, o Lar dos Inválidos (…) A casa foi benzida pelo Reverendo do Arcipreste que, a seguir, fez uma pequena alocução já na capelinha. Aludiu ao fim da obra que estava a inaugurar-se e lembrou o benemérito fundador, Sr. Dr. Passos de Almeida que, na sua alta missão, de médico, reconheceu a grande necessidade de se valer aos pobres inválidos da nossa terra. Lembrou o trabalho das Mesas anteriores que possibilitaram o clima propício para que esta obra fosse um dia uma realidade. Saudou as ilustres Senhoras Madrinhas e Protetoras desta obra, de quem há muito a esperar. 
Depois de algumas orações, foi dada a bênção do Santíssimo e a Casa ficou patente, durante a tarde, ao numeroso público que, apesar de não haver festa, quis associar-se à abertura desta Casa. E foram várias as almas caridosas que deixaram nas bondosas mãos da senhora Diretora, a Irmã Rosa, as primeiras ofertas”. 
Na década de 1980, o Asilo albergava 18 idosos. Como se mostrava insuficiente para as necessidades locais, a Misericórdia decide construir um novo Lar, para o qual comprou terrenos no Lugar da Loja Nova, junto ao Bairro do Santo Cristo, com capacidade para 60 idosos. 
Em 1989, a 5 Novembro, é realizada a inauguração do novo Lar pelo Professor Aníbal Cavaco Silva, na qualidade de Primeiro-ministro em funções. Em Julho de 1990, é concretizada a transferência dos idosos da Quinta do Eiró para o novo Lar. 
Em tempos recentes, foi construído em terrenos pertencentes a esta Quinta do Eiró, novas instalações para acolhimento de idosos que foram inauguradas em Junho de 2015. Nascia assim, o “Cantinho dos Avós”, que se constitui como mais uma resposta fundamental de apoio à terceira idade que esta Santa Casa presta a uma população de um concelho profundamente envelhecimento. 
Atualmente, o edifício e a quinta anexa continua a ser propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço procurando esta reabilitar o edifício para lhe dar uma novas e nobres utilidade. 



Informações extraídas de:
1936, Setembro 20, Melgaço – Acta da sessão de inauguração do Asilo Pereira de Sousa, da Misericórdia de Melgaço;
- PAIVA, José Pedro et al (2011) - Portugaliae Monumenta Misericordiarum - Misericórdias e Secularização num século turbulento (1910 - 2000). Volume 9, Tomo II; Centro de Estudos de História Religiosa; Universidade Católica Portuguesa. Edição da União das Misericórdias Portuguesas.
- www. monumentos.pt.

1 comentário:

  1. Adoro ler os vossos textos mas confesso que o faço com alguma dificuldade devido a pouco contraste entre o texto a azu e a imagem de fundo em cinzento claro. Talvez seja tempo de renovar o layout do blog. De resto só posso dar os parabéns pelos interessantíssimos conteúdos postados.

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