sábado, 14 de março de 2015

Viagem a Castro Laboreiro (1935) do Dr. Manuel Marques, autor do 1º estalão da Raça do Cão de Castro Laboreiro

Em Castro Laboreiro
(Foto de Ramón Dominguez Blanco)

O professor Manuel Marques, autor do 1º estalão da raça do Cão de Castro Laboreiro, conta-nos a viagem que fez, em 1935, até terras castrejas e deixa-nos as suas impressões sobre várias localidade melgacenses por onde passou no seu percurso de Melgaço até Castro Laboreiro.
No seu trabalho acerca do estalão da raça, lemos que: "O cão de Castro Laboreiro é uma das raças caninas mais interessantes mas pouco representada fora da sua origem, pelo que se vêem raros exemplares no centro do país e raríssimos no sul onde é quase desconhecida.
É uma raça onde se encontram formosos tipos de cães não só pela policromia da pelagem , como ainda pelo recorte da silhueta airosa que apresentam.
À semelhança do que fizemos para o Cão da Serra da Estrela, impunha-se o estudo da raça na região  minhota onde tem o seu habitat natural, de maneira a formarmos um juízo, tão perfeito quanto possível, dos caracteres étnicos, e dos serviços que presta como cão de utilidade que é.
Necessário se tornava, portanto, dispormos-nos a fazer a viagem que não é, positivamente, tão fácil nem deleitosa como muitos poderão supor.
Posto ao facto das vicissitudes porque íamos passar, graças aos pormenorizados esclarecimentos prestados por um antigo soldado da Guarda Fiscal, profundo conhecedor da região, e amavelmente cedido pelo comandante do Posto de Melgaço a fim de me  servir de companhia e mentor, combinamos a partida. E numa manhã brumosa, pelas 7 horas, metemos a caminho de Castro Laboreiro esperançados em que o tempo levantasse e então pudéssemos observar o vasto e o lindíssimo panorama que a subida para a montanha nos proporcionava. De facto, após uns borraceiros, as nuvens dissiparam-se e o sol apareceu radiante envolvendo a terra num esplendor de luz.
Melgaço já nos ficava para trás à distância de alguns quilómetros. Tínhamos passado Vila do Conde e estávamos chegados a Fiães.
Uma curta paragem para descanso das alimárias, foi aproveitada para vermos os restos do convento, um dos mais antigos do Alto Minho, e a igreja construída em estilo gótico, digna de admiração, pois está ainda menos mal conservada. Pena é que não a tenham restaurada como fizeram à torre, que está nova. Tinha-se desmoronado com o tempo, reconstruíram-na de 1922 a 1933.
Ora outra vez em marcha, atingimos o Outeiro da Loba, coroado de altas penedias, circundado de vastas bastezas, dando-nos a impressão de estarmos em plena selva africana. Árvores à poucas, e essas mesmas raquíticas, mas entre os matões, os piornais crescem frondosos e gigantescos.
A caça abunda, graças às defesas naturais que a protegem. É frequente o encontro do lobo em pleno dia. Passámos Alcobaça em direção à Portelinha, postos da Guarda Fiscal e pequenos povoados onde abeberámos as montadas. Prosseguindo, cautelosamente, chegamos a Castro Laboreiro já meio dia era dado. Isto é, cinco longas horas a dorso de quadrúpede, por sinuosos e quase intransitáveis caminhos que, na maior parte, mais parecem córregos.
Esta morosidade da viagem, que chega a ser fatigante, é devida à não existência de estradas entre as povoações montanhesas, de forma que o percurso só é suscetível de se fazer a pé ou montando animais habituados ao trilho da serra, quase sempre garranos ou agarranados, e através de densos matagais, de extensas penedias, de montanhosos cerros, cheios de precipícios difíceis de transpor, em que um simples escorregão pode ser fatal.
Isto nos leva a crer que a maioria das pessoas que falam de Castro Laboreiro, só dele tem conhecimento por tradição ou leitura.
Sem pretensões a descabida jactância, julgamos ser necessário a quem lá queira ir, um bom estado de espírito, algumas aptidões para cavaleiro e, acima de tudo, uma firme vontade de chegar, para que as desistências em curso não sejam um facto. Tais são as dificuldades que surgem no trajeto, algumas das quais obrigarão os menos corajosos a desmontarem-se e transporem a pé as passagens mais difícies.
Castro Laboreiro é uma povoação antiquíssima, que se encontra a quase duas dezenas de quilómetros da vila de Melgaço. Está situada do lado norte da serra da Peneda – a poucos kilómetros do santuário que existe em plena montanha, a Nossa Senhora da Peneda, de grande devoção no Alto Minho – sobre afloramentos de granito, por onde serpenteia um afluente do Lima que figura no mpa com a designação de Castro Laboreiro, mas chamado pelos castrejos de rio Fragoso por deslizar por entre extensas fragas.
A vila de Castro Laboreiro, assim conhecida desde antanho e mais designada pelo naturais por “Crasto”, é uma pequena aldeia compreendida na zona raiana, que tinha ao sul um castelo de origem mourisca ou talvez romana, construído sobre um aglomerado penhascoso, alto e abrupto, de dificílimo acesso, cujos vestígios ainda hoje existem.
Constuída por um reduzido número de casas, de aspecto miserável na quase totalidade, tendo a sobressair a igreja local com a sua torre sineira, construída em 1775. Perdida no meio de serranias e com elas se confundindo pelo pardacento do casario, assemelha-se-nos quase impossível se não houver um guia de confiança que, até lá, vá indicando o caminho.
Eis, de uma maneira muito perfunctória, onde se encontra e o que é, a terra donde provêm o nome da raça de cães que vamos tratar.
Impropriamente chamado também de Cão do Soajo, o Cão de Castro Laboreiro encontra-se no extremo da província do Minho, que fica a nordeste, habitando parte do maciço montanhoso galaico-duriense que vai da Peneda ao Soajo, entre os rios Minho e Lima, a altitudes variáveis, mas não chegando a atingir 1400 metros.

Tem os seu solar na região de Castro Laboreiro, mas a área de dispersão é grande. Encontra-se em quase todos os pontos habitados daquelas vastas serranias. Não é em Castro Laboreiro que, atualmente, se encontram bons cães. Os lugares dos Portos, Ameijoeira, Padrosouro e Curveira, além doutros, tem-nos melhores, sobretudo o primeiro."

Exemplar do Cão de Castro Laboreiro fotografado em 1935



Extraído de:
- MARQUES, Manuel F. (1935) - O Cão de Castro Laboreiro - Estalão da Raça. Subsídios para o estudo das raças caninas nacionais. in: Separata do nº 272 da Revista de Medicina Veterinária, Lisboa.

1 comentário:

  1. "É frequente ô encontro do lobo em pleno dia"...dando-nos a impressào de estarnos em pleno selva africana...
    Travelogue extraordinario É precioso digno dos grandes escritores da época.

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