Em Castro Laboreiro
(Foto de Ramón Dominguez Blanco)
O professor Manuel Marques, autor do 1º estalão da raça do Cão de Castro Laboreiro, conta-nos a viagem que fez, em 1935, até terras castrejas e deixa-nos as suas impressões sobre várias localidade melgacenses por onde passou no seu percurso de Melgaço até Castro Laboreiro.
No seu trabalho acerca do estalão da raça, lemos que: "O cão de Castro Laboreiro é uma das raças caninas mais
interessantes mas pouco representada fora da sua origem, pelo que se vêem
raros exemplares no centro do país e raríssimos no sul onde é quase
desconhecida.
É uma raça onde se encontram formosos tipos de cães não só pela
policromia da pelagem , como ainda pelo recorte da silhueta airosa que
apresentam.
À semelhança do que fizemos para o Cão da Serra da Estrela,
impunha-se o estudo da raça na região minhota onde tem o seu habitat
natural, de maneira a formarmos um juízo, tão perfeito quanto possível, dos
caracteres étnicos, e dos serviços que presta como cão de utilidade que é.
Necessário se tornava, portanto, dispormos-nos a fazer a viagem
que não é, positivamente, tão fácil nem deleitosa como muitos
poderão supor.
Posto ao facto das vicissitudes porque íamos passar, graças aos
pormenorizados esclarecimentos prestados por um antigo soldado da Guarda
Fiscal, profundo conhecedor da região, e amavelmente cedido pelo comandante do
Posto de Melgaço a fim de me servir de companhia e mentor, combinamos a
partida. E numa manhã brumosa, pelas 7 horas, metemos a caminho de Castro Laboreiro
esperançados em que o tempo levantasse e então pudéssemos observar o vasto e o
lindíssimo panorama que a subida para a montanha nos proporcionava. De facto,
após uns borraceiros, as nuvens dissiparam-se e o sol apareceu radiante
envolvendo a terra num esplendor de luz.
Melgaço já nos ficava para trás à distância de alguns quilómetros.
Tínhamos passado Vila do Conde e estávamos chegados a Fiães.
Uma curta paragem para descanso das alimárias, foi aproveitada
para vermos os restos do convento, um dos mais antigos do Alto Minho, e a
igreja construída em estilo gótico, digna de admiração, pois está ainda menos
mal conservada. Pena é que não a tenham restaurada como fizeram à torre, que
está nova. Tinha-se desmoronado com o tempo, reconstruíram-na de 1922 a 1933.
Ora outra vez em marcha, atingimos o Outeiro da Loba, coroado de
altas penedias, circundado de vastas bastezas, dando-nos a impressão de
estarmos em plena selva africana. Árvores à poucas, e essas mesmas raquíticas,
mas entre os matões, os piornais crescem frondosos e gigantescos.
A caça abunda, graças às defesas naturais que a protegem. É
frequente o encontro do lobo em pleno dia. Passámos Alcobaça em direção à
Portelinha, postos da Guarda Fiscal e pequenos povoados onde abeberámos as
montadas. Prosseguindo, cautelosamente, chegamos a Castro Laboreiro já meio dia
era dado. Isto é, cinco longas horas a dorso de quadrúpede, por sinuosos e
quase intransitáveis caminhos que, na maior parte, mais parecem córregos.
Esta morosidade da viagem, que chega a ser fatigante, é devida à
não existência de estradas entre as povoações montanhesas, de forma que o
percurso só é suscetível de se fazer a pé ou montando animais habituados ao
trilho da serra, quase sempre garranos ou agarranados, e através de densos
matagais, de extensas penedias, de montanhosos cerros, cheios de precipícios
difíceis de transpor, em que um simples escorregão pode ser fatal.
Isto nos leva a crer que a maioria das pessoas que falam de Castro
Laboreiro, só dele tem conhecimento por tradição ou leitura.
Sem pretensões a descabida jactância, julgamos ser necessário a
quem lá queira ir, um bom estado de espírito, algumas aptidões para cavaleiro
e, acima de tudo, uma firme vontade de chegar, para que as desistências em
curso não sejam um facto. Tais são as dificuldades que surgem no trajeto,
algumas das quais obrigarão os menos corajosos a desmontarem-se e transporem a
pé as passagens mais difícies.
Castro Laboreiro é uma povoação antiquíssima, que se
encontra a quase duas dezenas de quilómetros da vila de Melgaço. Está
situada do lado norte da serra da Peneda – a poucos kilómetros do santuário que
existe em plena montanha, a Nossa Senhora da Peneda, de grande devoção no Alto
Minho – sobre afloramentos de granito, por onde serpenteia um afluente do Lima que
figura no mpa com a designação de Castro Laboreiro, mas chamado pelos castrejos
de rio Fragoso por deslizar por entre extensas fragas.
A vila de Castro Laboreiro, assim conhecida desde antanho e mais
designada pelo naturais por “Crasto”, é uma pequena aldeia compreendida na zona
raiana, que tinha ao sul um castelo de origem mourisca ou talvez romana,
construído sobre um aglomerado penhascoso, alto e abrupto, de dificílimo
acesso, cujos vestígios ainda hoje existem.
Constuída por um reduzido número de casas, de aspecto miserável na
quase totalidade, tendo a sobressair a igreja local com a sua torre sineira,
construída em 1775. Perdida no meio de serranias e com elas se confundindo pelo
pardacento do casario, assemelha-se-nos quase impossível se não houver um guia
de confiança que, até lá, vá indicando o caminho.
Eis, de uma maneira muito perfunctória, onde se encontra e o que
é, a terra donde provêm o nome da raça de cães que vamos tratar.
Impropriamente chamado também de Cão do Soajo, o Cão de Castro
Laboreiro encontra-se no extremo da província do Minho, que fica a nordeste,
habitando parte do maciço montanhoso galaico-duriense que vai da Peneda ao
Soajo, entre os rios Minho e Lima, a altitudes variáveis, mas não chegando a
atingir 1400 metros.
Tem os seu solar na região de Castro Laboreiro, mas a área de
dispersão é grande. Encontra-se em quase todos os pontos habitados daquelas
vastas serranias. Não é em Castro Laboreiro que,
atualmente, se encontram bons cães. Os lugares dos Portos, Ameijoeira,
Padrosouro e Curveira, além doutros, tem-nos melhores, sobretudo o primeiro."
Exemplar do Cão de Castro Laboreiro fotografado em 1935
Extraído de:
- MARQUES, Manuel F. (1935) - O Cão de Castro Laboreiro - Estalão da Raça. Subsídios para o estudo das raças caninas nacionais. in: Separata do nº 272 da Revista de Medicina Veterinária, Lisboa.
"É frequente ô encontro do lobo em pleno dia"...dando-nos a impressào de estarnos em pleno selva africana...
ResponderEliminarTravelogue extraordinario É precioso digno dos grandes escritores da época.