Vila de Melgaço, rua Nova de Melo à época
A «pneumónica» ou «gripe espanhola», designações dadas entre nós à
pandemia de gripe de 1918, teve uma curta duração, já que os seus efeitos
devastadores se fizeram sentir quase unicamente nos idos anos de 1918 e 1919, e
caracterizou-se pela elevada morbilidade e mortalidade, especialmente nos
estratos jovens da população.
O distrito de Viana do Castelo está entre os que registou um menor
número de mortes causadas pela enfermidade. Com base na Estatística do Movimento
Fisiológico da população Portuguesa de 1921, conclui-se que a gripe,
ultrapassada a pandemia, deixa de ser a principal causa de morte no distrito de
Viana do Castelo. Nesse ano, foi responsável pela morte de 21 pessoas, ao passo
que a tuberculose vitimou 199. Contudo, esta circunscrição administrativa não
deixou de sofrer, em diversos domínios, os efeitos dela decorrentes.
As notícias da pneumónica surgiram, na região, em inícios de Outubro
de 1918, nos concelhos de Monção, Caminha, Viana do Castelo e Paredes de Coura.
Imediatamente após as primeiras mortes ocorridas em Monção, foram lançadas
medidas para conter o seu alastramento, que passavam pelos cuidados com a
higiene pessoal e o asseio da casa e pela recomendação de recorrer a apoio médico
logo que surgissem os primeiros sintomas.
Monção foi um dos municípios do Alto Minho afetados pela
pneumónica. Apesar de em 1918 se registar uma ligeira subida do número de
doentes ingressados no hospital da vila face aos anos anteriores, o certo é
que, no período compreendido entre 1861 e 1926, houve anos em que o número
total de enfermos superou o de 1918. Contudo, estamos em crer que nem todos os
doentes optavam pelo internamento, devido aos preconceitos que ainda persistiam
relativamente ao hospital e ao isolamento a que as populações estavam sujeitas.
Entre os 68 doentes infetados pela pneumónica que ingressaram no
hospital de Monção entre outubro de 1918 e 1919, foi possível apurar a idade de
63: 33 tinham idades compreendidas entre os 20 e os 40 anos e 15 tinham menos
de 20 anos. Como já referimos, a gripe pneumónica atingia, sobretudo, os mais
jovens. Por ser esta a faixa etária mais afetada, o número de solteiros
contagiados era também muito elevado.
A situação em Melgaço
A situação revelou-se particularmente difícil em Melgaço,
sobretudo após a morte dos dois únicos médicos em serviço no hospital, vítimas
da gripe pneumónica.
Metade da população da paróquia de Santa Maria da Porta, estava
infetada. Neste concelho, que entre os do Alto Minho foi o que registou a maior
mortalidade, os enfermeiros, receando o contágio, abandonaram o hospital da
Misericórdia. As autoridades distritais reconheciam a gravidade do problema
neste concelho e no de Paredes de Coura. O governador civil concedeu, por isso,
um donativo no valor de 200 escudos aos respectivos administradores para ser
distribuído pelos doentes mais carenciados. Mais uma vez, a intervenção da Cruz
Vermelha foi crucial, montando um hospital de campanha em Melgaço, onde a
dificuldade em controlar a enfermidade era agravada pela sua localização junto
à fronteira espanhola.
A intervenção da Cruz Vermelha em Melgaço é noticiada no
jornal “A Gazeta do Lima” na sua edição de 31 de Outubro de 1918 onde podemos
ler “Para Melgaço, onde as
cousas se encontravam n’um estado pavoroso, pois até os enfermeiros da
Misericórdia tinham fugido abandonando os doentes, foi uma columna da delegação
da Cruz Vermelha d’esta cidade para fazer serviço n’um hospital de campanha que
se instalou na casa da Escola. Para o organizar, esteve alli o nosso querido
amigo sr. Eugénio Martins, seu presidente e zelosíssimo presidente”.
Conta-se também que, durante o surto de gripe penumónica no nosso
concelho, o Dr. Vitoriano de Figueiredo e Castro, à data sub-delegado de saúde
de Melgaço, foi acusado pela oposição política do concelho, de se fazer passar
por doente para não ir para Castro Laboreiro. Mandou para lá um tal de Dr.
Salvador, que viera substituir o Dr. Magalhães, um dos médicos mortos pela
gripe. Contudo, o médico não quis ir e fez finca-pé, sendo depois enviado
compulsivamente para Valença.
A propósito do tal Dr. Vitoriano, sub-delegado de saúde de
Melgaço, existe uma carta de um tal “João do Cabo” de Penso, que foi publicada
no Jornal de Melgaço de 6 de Dezembro de 1918: “Na epidemia bronco-pneumónica
que grassava com uma intensidade assustadora, o Dr. Vitoriano lembrou-se do
velho adágio: Mais vale
burro vivo do que sábio morto, fingindo-se doente e conservando-se em casa, com
as fendas bem calafetadas, a caldos de galinha. Nem uma mulher parida, coitado!”
Em Melgaço, nesta época, a maior parte
das pessoas doentes não queria ir para o Hospital da Misericórdia. No entanto,
José Augusto Domingues (conhecido como o Cabanal), castrejo, a residir em
Prado, sendo atacado pela doença, solicitou a hospitalização. Lê-se no Jornal
de Melgaço de 15 de Novembro de 1918: “Nota-se
neste concelho uma grande repugnância que não tem razão de ser. É a repugnância
que muitos doentes sentem em ir para o hospital e essa repugnância vem de se
dizer que lá só dão aos doentes leite e caldo e alguns querem presunto no
Inverno e salada no Verão. Ora, no hospital, quando dirigido por um bom médico
e haja escrupulosos enfermeiros, ao doente só é ministrado o alimento
compatível com as forças do seu organismo, mas o necessário para a vida. Por
isso, o nosso amigo Cabanal deu um grande exemplo que deve seguir-se: estava ele
e a mulher com a doença – e como
os filhos são ainda crianças – não podendo por isso, tratá-los, e ainda como
naquele tempo não era fácil encontrar-se uma criada, pois em Prado, estava
quase tudo doente, depois de bastantes dias estar de cama, resolve ir com a
mulher para o hospital, onde se encontra ainda, mas já livre de
perigo...”
Dr. Vitoriano de Figueiredo e Castro
Informações extraídas de:
- ESTEVES, Alexandra (2014) - O impacto da
pneumónica em alguns concelhos do Alto Minho. in: CEM, nº 5, Cultura, Espaço
& Memória, Universidade do Porto, Porto.
- ROCHA, Joaquim (2007) - A Febre Tifóide e
os seus protagonistas. Boletim Cultural de Melgaço. Câmara Municipal de
Melgaço, Melgaço.
- Jornal “A Gazeta do Lima”, edição de
31 de Outubro de 1918.
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