domingo, 1 de março de 2015

Melgaço atacado pela pandemia de Gripe Espanhola (1918-1919)

Vila de Melgaço, rua Nova de Melo à época


A «pneumónica» ou «gripe espanhola», designações dadas entre nós à pandemia de gripe de 1918, teve uma curta duração, já que os seus efeitos devastadores se fizeram sentir quase unicamente nos idos anos de 1918 e 1919, e caracterizou-se pela elevada morbilidade e mortalidade, especialmente nos estratos jovens da população.
O distrito de Viana do Castelo está entre os que registou um menor número de mortes causadas pela enfermidade. Com base na Estatística do Movimento Fisiológico da população Portuguesa de 1921, conclui-se que a gripe, ultrapassada a pandemia, deixa de ser a principal causa de morte no distrito de Viana do Castelo. Nesse ano, foi responsável pela morte de 21 pessoas, ao passo que a tuberculose vitimou 199. Contudo, esta circunscrição administrativa não deixou de sofrer, em diversos domínios, os efeitos dela decorrentes.
As notícias da pneumónica surgiram, na região, em inícios de Outubro de 1918, nos concelhos de Monção, Caminha, Viana do Castelo e Paredes de Coura. Imediatamente após as primeiras mortes ocorridas em Monção, foram lançadas medidas para conter o seu alastramento, que passavam pelos cuidados com a higiene pessoal e o asseio da casa e pela recomendação de recorrer a apoio médico logo que surgissem os primeiros sintomas.
Monção foi um dos municípios do Alto Minho afetados pela pneumónica. Apesar de em 1918 se registar uma ligeira subida do número de doentes ingressados no hospital da vila face aos anos anteriores, o certo é que, no período compreendido entre 1861 e 1926, houve anos em que o número total de enfermos superou o de 1918. Contudo, estamos em crer que nem todos os doentes optavam pelo internamento, devido aos preconceitos que ainda persistiam relativamente ao hospital e ao isolamento a que as populações estavam sujeitas.
Entre os 68 doentes infetados pela pneumónica que ingressaram no hospital de Monção entre outubro de 1918 e 1919, foi possível apurar a idade de 63: 33 tinham idades compreendidas entre os 20 e os 40 anos e 15 tinham menos de 20 anos. Como já referimos, a gripe pneumónica atingia, sobretudo, os mais jovens. Por ser esta a faixa etária mais afetada, o número de solteiros contagiados era também muito elevado.

A situação em Melgaço
A situação revelou-se particularmente difícil em Melgaço, sobretudo após a morte dos dois únicos médicos em serviço no hospital, vítimas da gripe pneumónica.
Metade da população da paróquia de Santa Maria da Porta, estava infetada. Neste concelho, que entre os do Alto Minho foi o que registou a maior mortalidade, os enfermeiros, receando o contágio, abandonaram o hospital da Misericórdia. As autoridades distritais reconheciam a gravidade do problema neste concelho e no de Paredes de Coura. O governador civil concedeu, por isso, um donativo no valor de 200 escudos aos respectivos administradores para ser distribuído pelos doentes mais carenciados. Mais uma vez, a intervenção da Cruz Vermelha foi crucial, montando um hospital de campanha em Melgaço, onde a dificuldade em controlar a enfermidade era agravada pela sua localização junto à fronteira espanhola.
A intervenção da Cruz Vermelha em Melgaço  é noticiada no jornal “A Gazeta do Lima” na sua edição de 31 de Outubro de 1918 onde podemos ler “Para Melgaço, onde as cousas se encontravam n’um estado pavoroso, pois até os enfermeiros da Misericórdia tinham fugido abandonando os doentes, foi uma columna da delegação da Cruz Vermelha d’esta cidade para fazer serviço n’um hospital de campanha que se instalou na casa da Escola. Para o organizar, esteve alli o nosso querido amigo sr. Eugénio Martins, seu presidente e zelosíssimo presidente”.
Conta-se também que, durante o surto de gripe penumónica no nosso concelho, o Dr. Vitoriano de Figueiredo e Castro, à data sub-delegado de saúde de Melgaço, foi acusado pela oposição política do concelho, de se fazer passar por doente para não ir para Castro Laboreiro. Mandou para lá um tal de Dr. Salvador, que viera substituir o Dr. Magalhães, um dos médicos mortos pela gripe. Contudo, o médico não quis ir e fez finca-pé, sendo depois enviado compulsivamente para Valença.
A propósito do tal Dr. Vitoriano, sub-delegado de saúde de Melgaço, existe uma carta de um tal “João do Cabo” de Penso, que foi publicada no Jornal de Melgaço de 6 de Dezembro de 1918: “Na epidemia bronco-pneumónica que grassava com uma intensidade assustadora, o Dr. Vitoriano lembrou-se do velho adágio: Mais vale burro vivo do que sábio morto, fingindo-se doente e conservando-se em casa, com as fendas bem calafetadas, a caldos de galinha. Nem uma mulher parida, coitado!”
Em Melgaço, nesta época, a maior parte das pessoas doentes não queria ir para o Hospital da Misericórdia. No entanto, José Augusto Domingues (conhecido como o Cabanal), castrejo, a residir em Prado, sendo atacado pela doença, solicitou a hospitalização. Lê-se no Jornal de Melgaço de 15 de Novembro de 1918: “Nota-se neste concelho uma grande repugnância que não tem razão de ser. É a repugnância que muitos doentes sentem em ir para o hospital e essa repugnância vem de se dizer que lá só dão aos doentes leite e caldo e alguns querem presunto no Inverno e salada no Verão. Ora, no hospital, quando dirigido por um bom médico e haja escrupulosos enfermeiros, ao doente só é ministrado o alimento compatível com as forças do seu organismo, mas o necessário para a vida. Por isso, o nosso amigo Cabanal deu um grande exemplo que deve seguir-se: estava ele e a mulher com a doença – e como os filhos são ainda crianças – não podendo por isso, tratá-los, e ainda como naquele tempo não era fácil encontrar-se uma criada, pois em Prado, estava quase tudo doente, depois de bastantes dias estar de cama, resolve ir com a mulher para o hospital, onde se encontra ainda, mas já livre de perigo...”                                                                                             

Dr. Vitoriano de Figueiredo e Castro


Informações extraídas de:
 - ESTEVES, Alexandra (2014) - O impacto da pneumónica em alguns concelhos do Alto Minho. in: CEM, nº 5, Cultura, Espaço & Memória, Universidade do Porto, Porto.
- ROCHA, Joaquim (2007) - A Febre Tifóide e os seus protagonistas. Boletim Cultural de Melgaço. Câmara Municipal de Melgaço, Melgaço.
- Jornal “A Gazeta do Lima”, edição de 31 de Outubro de 1918.



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