domingo, 17 de setembro de 2023

A Rua Direita na primitiva vila intramuros de Melgaço: algumas notas

 



A Rua Direita é, desde há vários séculos, a rua principal da vila intramuros de Melgaço e ligava a desaparecida Porta do Castelo, junto à igreja matriz, à ainda existente Porta de Baixo, passando pela antiga sede de poder municipal e o pelourinho que se situava na atual Travessa da Cadeia.

A Rua Direita é citada em documentos, pelo menos, desde o século XVII e não se conhece uma outra denominação mais primitiva a esta artéria. Uma das mais antigas referências documentais, senão a mais antiga, remonta a finais de 1644. Por essa altura, um tal António de Castro Sousa e mulher emprazaram por três vidas a Afonso Pereira e mulher Maria Dias, da vila, uma casa que tinham nesta Rua Direita a partir do nascente com herdeiros de um tal Gregório Peres, do poente com casas de António [apelido impercetível], do norte com as de Gaspar Gomes Bacelar, escrivão dos órfãos e de sul com prédio urbano de um tal João Alves, já defunto à época. 

Uma outra das mais antigas alusões documentais conhecidas à Rua Direita data de 1672. Trata-se de um assento de batismo onde se pode ler: “Aos vinte e seis dias do mez de Agosto do anno de mil e seis centos e setenta e seis annos, eu o Licenciado Manoel Lopes, abbade da parochial igreja de Sta. Maria da Porta da villa de Melgaço baptizei e pus os santos óleos a Diogo, filho de Manoel Fernandes e de sua mulher Maria Esteves moradores nesta freguezia e villa em a rua direita desta… 

Note-se que a designação toponímica “Rua Direita” não tem nenhuma relação com o facto de o seu traçado ser mais ou menos retilíneo. Por outro lado, o seu nome não se refere em oposição a “rua Esquerda”. A sua origem é bastante diferente. Genericamente, nas vilas e cidades em Portugal, o topónimo “Rua Direita” é uma deformação de «rua directa», que normalmente vai da igreja principal de uma localidade até à saída mais importante (embora existam variações: entre duas igrejas, entre sé e câmara municipal, entre igreja e torre de menagem, entre outras variações.

Por outro lado, ROSSA (2002) carateriza as “ruas Diretas” em Portugal nestes termos: “Quase sempre dali saía uma rua comercial que o ligava aos elementos urbanos mais importantes da cidade, a matriz, o paço ou o castelo, etc., terminando no terreiro de um destes ou ligando a outra porta da muralha. Desempenhava, de forma mais evidente no último dos casos, o papel de um Cardus ou Decumanos do urbanismo romano, pois assumia-se como um verdadeiro eixo estruturador, sempre gerador e fundacional da malha urbana. (…) Podendo adquirir outros nomes de circunstância, por vezes, era (é) esta a Rua Direita.” A rua Direita na vila intramuros de Melgaço apresenta muitas das caraterísticas elencadas pelo autor. Assim, esta rua liga a Porta de Baixo à chamada Porta do Vila ou Porta do Castelo, junto à igreja matriz, passando junto à antiga Câmara Municipal, pelourinho, tribunal ou a cadeia. Note-se que se trata de uma rua onde a população sofreu um forte incremento entre o século XVIII e o século XX. Por exemplo, podemos citar o facto de no período 1705-1709, terem nascido nesta rua 5 crianças, ao passo que no período 1905-1909, nasceram 23.

A Rua Direita é aquela que estrutura toda a malha urbana do velho burgo melgacense. Antigamente, a rua de Baixo (cujo traçado incluía o traçado da atual rua de Baixo, que se prolonga pela rua Padre Justino Domingues e rua da Misericórdia) apresenta um traçado praticamente paralelo àquela e também corta praticamente todo o aglomerado dentro de muros, assumindo um estatuto secundário em relação à rua Direita. No restante, dentro da vila intramuros, apenas temos uma série de travessas e ruas secundárias que ligam estas duas ruas e outros pontos tais como as portas do castelo.  

Tal como se menciona atrás, ao longo desta rua, encontramos o velho edifício que em tempos albergou a Câmara Municipal de Melgaço durante vários séculos até passar a funcionar no atual edifício a partir de início da década de trinta do século passado. Este edifício, também chamado “Edifício dos Três Arcos” situa-se no interior do núcleo medieval da vila, que era circundado pela cerca do castelo. A fachada principal vira-se à chamada Rua Direita, o grande eixo de circulação da cerca, nas extremidades da qual existiam portas, uma delas ainda subsistente, e que era cortada por várias travessas, a que ia do postigo do castelo, a norte, passando junto ao edifício da Câmara. 

Ergue-se adaptado ao declive do terreno, delimitado por vias, pavimentadas a lajes de cantaria e a paralelos, com guias de cantaria formando quadrícula, tendo a travessa fronteira à fachada lateral esquerda acentuado declive.  

O atual edifício resultaria de uma ‘remodelação’ feita no séc. XVII do existente no séc. XVI. O ano de 1687 encontra-se inscrito no brasão da fachada lateral esquerda, provavelmente assinalando a construção ou reforma do edifício. 

Segundo Augusto César Esteves, “já no tempo de D. Pedro (1357-1367) havia vereadores em Melgaço”. Mas só foi a partir de 23 de Agosto de 1533 que os “vereadores de Melgaço conseguiram fazer as suas sessões públicas nas salas do paço de concelho”.

No início do século XVI e segundo os desenhos de Duarte d'Armas, a casa de audiência do concelho situava-se junto à porta da vila, numa torre quadrangular do castelo, tendo duas janelas no andar superior, onde os juízes julgavam os prisioneiros ali conduzidos pelo alcaide-pequeno, responsável pelo policiamento da povoação e pela ronda das muralhas. 

Sabemos que em Maio de 1758, a vila tinha Câmara, juiz de fora, sujeita ao governo da Justiça do Doutor ouvidor de Barcelos.  

Em 1836, este era “um edifício sofrível denominado Paço do Concelho, tendo duas salas, uma cozinha e um quarto bastante decente, e nos baixos deste edifício se acham constituídas as prisões”. Por esta altura, a cadeia de Melgaço continuava a dispor, a par da “prisão dos homens”, de uma “prisão das mulheres”. A prisão das mulheres de Melgaço, por esta altura, “precisava, entre outros equipamentos e pequenas reparações, de tarimba, janela de pau rente das grades e reedificarem-se estas”. 

Em 1844, a 30 Outubro, o Administrador do Concelho, João António d'Abreu Cunha informa que, apesar de lhe ter sido designado um quarto do edifício do Paço do Concelho para a Secretaria da Administração, ainda não tinha mudado, devido à "pouca capacidade" do mesmo. Solicitava assim, em sessão de Câmara, outra casa maior, para o pronto e decente expediente de seus deveres e segura guarda dos objetos. Decide-se escolher até à próxima sessão a casa mais apropriada. A 5 de Novembro desse mesmo ano, é concretizada a aprovação em sessão ordinária da Câmara da compra da Casa da Administração, fronteira ao edifício dos Paços do Concelho, calculando-se ser necessário para a sua reedificação e objetos primários da secretaria a despesa de 225$000. 

Em finais do século XIX ou inícios do século XX, será a época provável da feitura ou pintura do teto do salão nobre, alusiva ao funcionamento do Tribunal da Comarca no edifício, mantendo-se no piso térreo a cadeia, masculina e feminina. 

Em inícios do século XX, é feita a ampliação da cadeia que ainda aqui funcionava em 1945. 

Em Junho de 1955, é feita, para este edifício, a transferência das aulas de instrução primária, devido ao abandono do edifício da Escola Conde de Ferreira, que se erguia na Praça da República, e que apresentava muitos indícios de ruína. Posteriormente, aqui esteve instalado a Junta de Freguesia da Vila e a Biblioteca Municipal. Em 1965, a Direção Geral dos Serviços de Urbanização Direção dos Serviços de Melhoramentos Urbanos envia ao Diretor Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais um exemplar do ante projeto da obra de adaptação dos antigos Paços para instalação de Serviços Públicos para avaliação. 

Em 1997, a 8 Agosto, é feita a inauguração oficial do Solar do Alvarinho, com a presença do Secretário de Estado do Comércio e Turismo, Dr. Jaime Serrão Andrez. 

Recentemente, o edifício sofreu obras de remodelação. Este edifício possui uma planta retangular, simples, com cobertura homogénea em telhados de quatro águas. Fachadas em cantaria de granito aparente, de aparelho irregular, e de dois pisos, com cunhais apilastrados e terminadas em cornija em papo de rola sobreposta por beirada simples. Fachada principal virada a norte, de dois panos, definidos por pilastra toscana, o pano direito rasgado no piso térreo por janela retangular, gradeada, e no segundo por duas janelas de peitoril, retilíneas, com molduras simples e caixilharia de guilhotina. Ao centro das janelas, surge um brasão nacional, já muito delido, encimado por coronel. O pano esquerdo forma, juntamente com a fachada lateral esquerda, alpendre, aberto com dois arcos de volta perfeita assentes em três colunas toscanas, as laterais embebidas nos pilares. Na zona do arco direito, desenvolve-se escada, com guarda em ferro, de acesso a dois portais, um frontal e outro lateral, ambos de molduras simples. No pano frontal rasgam-se ainda janela de varandim, com guarda de ferro, e, inferiormente, janela quadrangular, moldurada e gradeada. O alpendre possui pavimento rebaixado em lajes de cantaria e teto plano em madeira, com travejamento e friso do mesmo material. A fachada lateral esquerda possui dois falsos panos, o direito rasgado por arco de volta perfeita sobre duas colunas embebidas, de acesso ao alpendre, e o esquerdo, mais comprido, rasgado, no piso térreo, por portal de verga reta e janela retangular, gradeada, e, no segundo, por duas janelas de peitoril, molduradas, com caixilharia de guilhotina. Ao centro, possui igualmente brasão com as armas nacionais, datado de 1687, encimado por coroa fechada. Fachada lateral direita rasgada regularmente por vãos retilíneos moldurados, sobrepostos, abrindo-se no primeiro piso dois portais ladeando duas janelas de peitoril, com caixilharia de guilhotina, e, no segundo, quatro janelas, semelhantes. Fachada posterior com aparelho muito irregular, abrindo-se no primeiro piso uma janela de peitoril e uma retangular jacente e, no segundo, três janelas de peitoril com caixilharia de guilhotina. Pela fachada lateral esquerda, acede-se ao interior do piso térreo, subdividido em duas salas, interligadas por porta retilínea e com tetos em placas de gesso cartonado, integrando projetores.

sábado, 9 de setembro de 2023

Onde ficaria em tempos antigos o pelourinho da vila de Melgaço?

 


Poucas pessoas conhecem a existência de um pelourinho, em tempos recuados, na vila de Melgaço, apenas sendo do conhecimento geral o de Castro Laboreiro, no nosso concelho. 

Desconhecemos a época da sua construção e não conhecemos, com precisão, a altura em que o mesmo desapareceu. Apenas sabemos que já existia em início do século XVIII e que ainda se conservava por volta de 1833, ano em que nos aparece a última referência documental conhecida. 

Embora nenhuma descrição deste monumento tenha chegado ao conhecimento dos melgacenses de hoje, a existência do mesmo está provada por referências feitas ao mesmo em vários documentos. Em várias plantas da vila de Melgaço do século XVIII (1700, 1713 e 1765), encontramos representado aquilo que nos parece ser o pelourinho, embora não apareça legendado e o desenho não nos permita conclusões inequívocas. A possível representação do pelourinho situam-no no espaço da atual Travessa da Cadeia Velha, imediatamente a nascente do antigo edifício da Câmara Municipal, cadeia, entre outras utilizações, e hoje, Solar do Alvarinho. 


Planta da vila intramuros de Melgaço em 1700.


Todavia, também encontramos provas da existência do pelourinho noutros documentos tal como uma escritura de 1718 que é uma das provas mais antigas de que dispomos da sua existência. A mesma tem o título “Aforamento da Caza sita ao pelourinho da villa” começa nos seguintes termos: “Foro de emprazamento que fez Manuel Pereira e sua mulher Ignácia da Gama desta villa da casa cita ao pelourinho. Saibam quoantos este público instromento de prazo e aforamento ou como em direito mais valha e haja lugar e dezer se posa virem que no ano do nacimento  de nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos e dezoito annos, aos catorze dias do mez de junho do dito anno  nesta villa de Melgaço e cazas da câmara… 

Entretanto, podemos também socorrer-nos do traslado de um edital elaborado em três de Julho de 1824, do qual se redigiu o termo de afixação que diz o seguinte: “Termo de Efixação: Aos cinco dias do mês e Julho de mil oito centos vinte e quatro annos nesta villa de Melgaço e Praça pública della ahi adonde eu Escrivão vim com o Porteiro do Juízo João Rodrigues e por elle foi publicado em alta e entelegível vox o edetal retro copiado e depois foi por elle efixado no pelourinho desta villa e de como o efixou e publicou deu fé e asignou  e Eu Thomaz Joze Gomes de Abreu e escrevi.” Este documento prova a existência do pelourinho em Melgaço já depois da instauração do liberalismo em Portugal.  

Note-se que nesta altura da revolução liberal, a seguir a 1820, muitos monumentos símbolos de poder no Antigo Regime desapareceram por ação dos partidários do liberalismo. Em Melgaço, o pelourinho parece ter sobrevivido aos primeiros anos do nove regime político. Ainda vamos encontrar algumas alusões ao mesmo em fins da década de vinte deste século. De facto, se consultarmos os cadernos paroquiais da freguesia, encontramos um assento de óbito de um tal João Manuel Rodrigues, falecido em 1828, onde se pode ler: Aos treze dia do mês de Junho do anno de 1828, faleceu da vida prezente com todos os sacramentos que lhe ministramos João Manoel Rodrigues çapateiro, cazado que era com Antónia Pires, por alcunha Bernes e morador que foi intramuros, abaixo do Pelourinho…” Isto quer dizer que morava na atual Travessa da Cadeia, abaixo desse largo onde estaria o pelourinho.

As últimas referências ao pelourinho da vila de Melgaço surgem em dois assentos nos livros paroquiais. Num assento de óbito de 1829, podemos ler: “Aos treze dias do mês de Agosto do anno de mil oito centos e vinte e nove falleceo da vida prezente só com o sacramento da Extrema Unção Roza Morcega solteira moradora abaixo do Pelourinho…” O critério para indicar a residência da defunta toma o pelourinho como referência para a localização. Note-se que a identificação das ruas que ficavam dentro de muros, apenas as principais artérias tinham nomes que eram utilizados tais como a Rua Direita, Rua de Baixo, Rua da Misericórdia ou Rua do Espírito Santo. 

A última menção ao pelourinho nos assentos paroquiais data de 1833. No assento de batismo de uma tal Maria Joaquina, nascida naquele ano, podemos ler: “Aos sette dias do mez de Junho do anno de mil oitocentos trinta e três, baptizei solemnemente e pus os santos óleos a Maria Joaquina que naceu aos cinco dias do ditto mez e anno, filha legítima de José Thomaz de Souza e Maria Gertrudes Gonçalves, moradores intramuros desta villa, netta paterna de Francisca Dias moradora abaixo do pelourinho…” Daqui para a frente, apenas temos silêncio na documentação em relação ao pelourinho. Nada mais sabemos acerca do que lhe aconteceu e de quando é que foi desmontado mas isso aconteceu em data posterior a este assento.

É curioso que ESTEVES (1952) encontrou um documento já do último quartel do século XIX onde se refere que “…a Praça do Pelourinho vem apontada a nascente dos velhos Paços do Concelho numa escritura de compra e venda feita em 28 de Abril de 1878, cujo extrato se pode ler no livro G1 da Conservatória do Registo Predial”. Nessa época, seguramente o pelourinho já não existia mas aquele largo a Este do edifício e onde se inicia a Travessa da Cadeia ainda era assinalado como o espaço onde tinha estado aquele monumento, referindo-o como a “Praça do Pelourinho”. Esta é a última alusão ao velho pelourinho da vila de Melgaço.

Junto à entrada do Solar do Alvarinho, existe um pedra que se encontra depositada no chão e que tem uma inscrição numa das faces. Será importante no futuro estudar o conteúdo de tal inscrição para confirmarmos ou refutarmos a hipótese de a mesma ter algo a ver com o velho pelourinho desta vila de Melgaço.