sábado, 19 de abril de 2025

Sobre uma antiga capelinha que existia dentro do castelo de Castro Laboreiro

 



Há vários séculos atrás, existiu dentro das muralhas do castelo de Castro Laboreiro uma pequena capelinha. Era a ermida de Santa Bárbara ou de Nossa Senhora dos Remédios. Era nessa pequena capela que a guarnição do castelo cumpria os seus deveres religiosos.

A sua localização dentro das muralhas pode-nos levar a alguma discussão. No desenho da planta do castelo de Duarte D'Armas, por volta de 1509, não vemos representada nenhuma capela, o que nos poderá levar a presumir que ainda não existisse na época. Vemos a torre de menagem ao centro perímetro amuralhado com um compartimento adossado à parede sul da torre.

Planta do reduto norte do castelo de Castro Laboreiro (Duarte D'Armas, 1509)

O pequeno templo de Santa Bárbara já é representado numa planta do castelo que data de 1650 e será porventura a referência mais antiga à sua existência, desconhecendo nós a época da sua construção. Na mesma planta do castelo, são representadas várias construções adossadas às muralhas este, oeste e sul e com a capela de Santa Bárbara encostada ao muro oeste da torre de menagem e assinalada com uma cruz.

Planta do castelo de Castro Laboreiro (1650)

Contudo, em 1659, em pleno período da Guerra da Restauração, um raio atinge a torre de menagem e esta cai em cima da dita capelinha. Um documento da época conta-nos a forma como a capela foi destruída pelo sucedido: ... Aos dezoito dias de Novembro de 1659, que foi uma terça-feira, às nove horas da manhã, caiu um raio na Torre do Castelo, que servia de Armazém da pólvora e mais munições, o qual raio deu na pólvora e fez a maior ruína que se sabe (...) as suas casas e as fez em pedaços e aí estavam e aí escapou com mais segurança e castigou o que na Ermida não podia ficar pedra sobre pedra, pois caiu toda a Torre sobre ela e ficou Nossa Senhora dos Remédios aí me recolhi, sem cobertura, sem água...”. 

Depois deste episódio, a torre de menagem não seria reerguida. Quanto à capela de Santa Bárbara, esta ficaria em ruínas durante muito tempo. Cerca de um século depois, na Memória Paroquial de 1758, o pároco da freguesia refere que o castelo era antiquíssimo, tendo parte da muralha arruinada e, no interior, existem casas onde habitavam os soldados e o governador do castelo, todas arruinadas e sem portas. Não há nenhuma referência à existência da capelinha pelo que é provável que a mesma permanecesse arruinada na época. Temos que ter em conta que, durante o século XVIII, o castelo esteve boa parte do tempo sem guarnição. Depois da perda de importância, o castelo voltaria a ter guarnição no contexto das invasões francesas no início do século XIX.

Fomos procurar na documentação da Arquidiocese de Braga, nomeadamente nos livros do seu Registo Geral, e fomos encontrar prova documental de que a pequena capela foi, de facto, reconstruída ainda no último quarto do século XVIII, umas décadas antes das invasões napoleónicas. Na verdade, em Janeiro de 1777, a pequena ermida já se encontrava reedificada. Por essa altura, o arcebispo de Braga passou a necessária licença para a capelinha ser benzida depois de terminada a sua reedificação, tal como podemos ler neste documento da época: 

Provisão de licença para se benzer a capela se Santa Bárbara sita no castello de Crasto Laboreiro. 

D. Gaspar Arcebispo e senhor de Braga Primaz das Hespanhas, attedendo ao que em sua suplicação nos apresentou o Governador Manoel Machado de Araújo, Cavaleiro professo da Ordem de Cristo , Governador do castello de Crasto Laboreiro deste nosso arcebispado, informação do Reverendo Pároco da freguesia de Santa Maria de Crasto Laboreiro, e ao mais que consideremos, havemos por bem dar commissão ao Reverendo Pároco da dicta freguesia para que na forma do Ritual Romano benza o capela da Senhora Santa Bárbara, sita dentro do dicto castello, por se achar reedificada, e com a decência necessária e depois de benzida, concedemos licença para que nella se possa dizer Missa, e celebrar os Offícios Divinos; e elle Reverendo Pároco nas costas desta sua certidão em que conste dia, mez e anno. E pelo assim havemos por bem mandarmos passar a presente que ao depois de ser por nós assinada, se registava no Registo geral desta Corte, sem o que não valha. Dada em Braga sob nosso signal e sello de nossas armas aos 8 de Janeiro de 1777".



Atualmente, nas ruínas do castelo, ainda encontramos vestígios de antigas estruturas e junto à muralha que divide os redutos norte e sul, podemos ver as primeiras fiadas de pedra de uma estrutura de planta quadrangular, com entrada de acesso virada a norte e que parece corresponder à antiga capela de Santa Bárbara. Se esta ruína corresponde à antiga capelinha, isto significa que a mesma foi reedificada num local diferente do local original. Na planta de 1650, esta ermida aparece encostada à parede oeste da torre de menagem, no reduto norte (o que se encontra a uma cota superior). Esta ruína que podemos ver na atualidade, aparece perto da muralha que divide os redutos norte e sul do perímetro amuralhado, situando-se no reduto sul perto da muralha divisória e com porta para norte.

Sabemos que na viragem para o século XIX, o castelo já tinha de novo guarnição e era defendida por quatro peças de artilharia.

Depois das invasões francesas, o castelo entra num declínio definitivo e em abandono. Deixa de ter guarnição e não voltamos a encontrar referências à capelinha de Santa Bárbara. Muita da pedra das muralhas e outras estruturas é trazida para ser empregue em edificações na vila castreja ou lugares próximos.

No início do século XX, é mais ou menos certo que a antiga ermida de Santa Bárbara já não devia existir já que não é citada no Arrolamento dos bens da paróquia em documento produzido em quatro de Dezembro de 1911.

Na edição de XX de XX de 1921, no jornal castrejo "A Neve", o redator de um texto, que assina como "Manolo" escreve a respeito desta singela ermida, nestes termos: "...Na parte sul e ao fundo do planalto estava a capela de Santa Bárbara..." Definitivamente, este pequeno templo já fazia parte do passado nessa época.


Ruína que se acredita ser da capela de Santa Bárbara.




domingo, 13 de abril de 2025

O naufrágio do Titanic na imprensa melgacense (1912)

 



Amanhã, completam-se 113 anos do naufrágio do célebre paquete Titanic. Foi na noite de 14 para 15 de Abril de 1912 que o transatlântico mais moderno e luxuoso da época, na sua viagem inicial que tinha como destino Nova York, chocou contra um iceberg e acabou por se afundar. Mais de mil e quinhentas pessoas morreram e o acontecimento teve grande destaque na imprensa mundial. E a imprensa escrita melgacense? Fomos procurar ecos da tragédia na nos periódicos da terra e encontramos o naufrágio noticiado no "Jornal de Melgaço", na sua edição de 25 de Abril de 1912, numa extensa notícia e cheia de pormenores interessantes que aqui transcrevemos: 

Tremenda catástrophe marítima - O naufrágio do «Titanic»: 

Como elle se deu Momentos de Terrível pavor As víctimas  

Pelos telegrammas destes últimos dias já têem conhecimento os nossos leitores do naufrágio do transatlântico «Titanic», occorrido, na noite do passado domingo, ao sul da Terra Nova, e que constituiu, pelo número de víctimas e perda considerável de valores que causou, a maior catastrophe marítima dos tempos modernos.  

O «Titanic» pertencia à importante companhia ingleza de navegação White Star Line, sendo o maior transatlântico que até agora havia sido lançado à agua.  

Era de 46 000 toneladas e podia comportar 3 000 passageiros havendo a bordo de esta verdadeira cidade fluctuante, tudo quanto pode imaginar-se de conforto e luxo, tendo-se adoptado no esplendido barco todas as mais modernas applicações da sciencia às construcções nauticas.  

Era um deslumbramente a magnificência de todas as dependências, entre as quaes se contavam luxuosíssimas salas de baile, de fumo, de jantar e até uma vasta piscina para banhos e um parque para jogos sportivos. 

O «Titanic» sahiu, na quarta feira da semana passada, de Southampton, Inglaterra, para a América, levando a bordo uns 2 400 passageiros alem de oitocentos e tantos homens de tripulação.  

Era a sua primeira viagem e foi também a última. Eram quasi 11 horas da noite de domingo quando o «Titanic», ao passar à vista do Cape-Race (ao sul da Terra Nova) abalroou com um enormíssimo iceberg (bloco fluctuante de gelo) que deve ter sido arrastado pela corrente fria que desce do polo, por entre a Groenlândia e a terra de Baffin, ao longo da costa do Labrador, vindo encontrar-se ao sul da Terra Nova com a corrente quente denominda «Gulf Stream» succedendo que nesta épocha a corrente fria da costa do Labrador, aliás quasi nulla durante o verão, traz uma grande velocidade.  

O commandante do «Titanic» foi avisado no sábbado, pelo commandante do «Touraine» [referre-se ao SS La Touraine] da existência dos icebergs, aviso que agradeceu, mas que, no entanto, não evitou a tremenda catástrophe.  

Com a violência do choque abriu-se um largo rombo no casco do «Titanic», entrando para dentro delle a água com extraordinário ímpeto, inundando inclusivé os compartimentos estanques.  

Os passageiros que a essa hora dormiam tranquillamente, foram, com o violento embate atirados abaixo dos beliches, estabelecendo-se entre elles um pavor indescriptivel.  

Appareceram, na sua maior parte, semi-nús nos corredores, escadas e coberta do paquete, gritando, implorando que os salvassem, vendo-se mulheres e creanças cruzando-se dum lado para o outro numa afflição horrível, para sossegar a qual não havia conselhos nem ameaças possíveis da parte dos oficciaes de bordo, que, em meio d'aquella confusão, d'aquelle horror se mantiveram serenos, dando as ordens que as circunstâncias do momento exigiam.  

O commandante, sem perder o sangue frio, tratou, sem demora, de fazer embarcar nos escaleres as mulheres e as creanças, muitas das quaes perderam os sentidos, tendo-se manifestado também casos de loucura súbita. E a todas as desventuras juntava-se ainda um frio glacial, entorpecendo os membros quasi nús dos infelizes, que, na sua maior parte, dominados pelo susto, não conseguiram vestir-se embora summariamente. 

O salvamento de um grande número de passageiros tornou-se, todavia, impossível pela falta de escaleres. A agitação do mar produzida pelo «Titanic» ao submergir-se instante esse em que as caldeiras explodiram fez voltar os escaleres que transportavam náufragos e que não haviam lido tempo de se afastar o bastante para evitarem o formidável embate da água revolta.  

Toda a tripulação do «Titanic» pereceu na tremenda catástrophe, conservanda-se todos os homens no seu posto e sendo arrastados com o paquete para o fundo do mar.  

As últimas noticias que os jornaes de Paris trazem sobre o naufrágio dizem que o número das victimas foi de 1533.  

Quando a bordo do «Titanic» se viu o perigo que este corria, radiographou-se para os navios que passavam ao largo assim como para Cape Race e Nova-York, de onde partiram alguns vapores com soccorros.  

O paquete «Carpathia», que passava ao largo foi o primeiro que chegou próximo do «Titanic», recolhendo oitocentos e tantos passageiros, na maior parte mulheres e creanças, conduzindo-as para Nova-York. 

Os prejuízos causados pelo naufráglo—Milhões para o fundo 

do mar 

O «Titanic» transportara além de muitas toneladas de chá e de cincoenta mil de cantchu, um milhar de libras sterlinas em diamantes, 120 mil libras em pérolas e alguns milhões em moeda, não fallando das bagagens dos passageiros. Só os valores pertencentes a estes são calculados em perto de seis mil contos de reis.  

Uma passageira americana levava um cofre com jóias no valor de cerca de oitocentos contos.  

A fortuna dos millionarios que viajavam no «Titanic» é calculada em oitocentos mil contos.  

O «Titanic» custou dois milhões e 667 mil libras, estava seguro em um milhão e 111 mil libras no Lloid, a célebre companhia organizada em 1871 e cujo nome é o do antigo proprietário de um café onde se reuniam no século XVII as pessoas interessadas na navegação. O Lloid, que é uma das víctimas do naufrágio, sustenta estações semafóricas em toda a costa da Inglaterra e tem cerca de 1500 agências espalhadas pelo mundo. É o centro de todas as operações que se fazem sobre seguros de navios. 

Várias notas 

O local onde se deu a catastrophe do «Titanic», no Cape Race, é denominado o «cemitério do occeano». 

O bloco de gelo que foi de encontro ao paquete era aguçado como a proa d'um navio e cortante como um gume de aço.  

Salvaram-se um Rotchilld e um director da Star Line», que ía a bordo do «Titânic».  

Nos restaurantes de bordo, achavam-se empregados sessenta francezes, que morreram. 

Todas as nações têem apresentado ao governo inglez as suas condolências pela terrível catástrophe.  

As agências da «White Star Line» a que pertencia o paquete naufragado, occultaram até o último momento a verdade sobre o sinistro, recusando-se a própria companhia, em Londres, a publicar o relatório do commandante do «Titânic» transmittido por telegraphia sem fios. 

O «Titanic» afundou-se às 2 horas e vinte minutos da madrugada de segunda feira. 

Ao romper o dia viu-se o mar juncado de cadáveres. 

A bordo do «Carpathia», entre os náufragos que elle recolheu, contavam-se onze mulheres e dois homens que enlouqueceram, sendo doloroso o espectáculo que esses infelizes offereciam. 

 

Mais pormenores 

Na catástrophe afogaram-se os seguintes millionários, que, segundo o «Standart», possuíam estes milhões: J.J. Astor, 730 milhões de francos; B. Guggenheim, 500 milhões; F. Strauss, 250 milhões; G. Widner, 250 milhões; W. Roebling, 125, ou seja, um bilião e oitocentos e setenta e cinco milhões, repartido por cinco pessoas.  

Um dos acidentes mais dramáticos do naufrágio foi a desaparição quasi completa, da rica família Allison, composta de oito pessoas. 

Assignala-se tamm a lancinante odisseia duma família de onze pessoas, pai, mãe e nove filhos, que iam de S. Petersburgo para os Estados-Unidos. Morreram todos. 

Um facto domina todos os pormenores trágicos da catástrophe: porque é que o vapor só tinha a bordo os escaleres em que se salvaram as oitocentas pessoas? Durante as quatro horas da sua lenta submersão havia tempo para se salvarem mais de duas mil. 

Canalejas, presidente do conselho de ministros de Hespanha, tinha a bordo dois sobrinhos, cuja sorte se ignora.  

Entre as pessoas salvas, de nomes mais ou menos conhecidos, há 79 homens, 238 mulheres e 16 creanças. 

Entre os 540 sobreviventes, de nomes desconhecidos, cem são de marinheiros. Restam 440 passageiros, a maior parte dos quaes são mulheres e creanças. 

O capitão do vapor «Ultonia», chegado a Nova York, disse que, passando pelo logar da catástrophe vira numerosos barcos de pesca. Acha possível que a bordo d'elles fossem recolhidos muitos passageiros. 

No «Titanic» havia muitos cozinheiros francezes, para serviço de bordo. 

Parece que a quantidade de borracha que o vapor levava era de cerca de 28 000 kilos. 

O «Daily Telegraph» abriu uma subscripção para soccorrer as mulheres e famílias dos marinheiros.  

Muitas damas da alta sociedade novayorkina formaram uma commissão para Soccorrer os sobreviventes de terceira classe do «Titânic».  

O lord-mayor de Londres fez um appello à população londrina, a favor dos náufragos necessitados.