domingo, 21 de abril de 2024

Duas notas sobre a Senhora da Orada: a velha arcaria demolida e os antigos clamores



A velha ermida da Orada terá sido construída pelos monges de Fiães, possivelmente com o fim de prestar assistência religiosa aos cultivadores das terras que lhes outorgou Dom Afonso Henriques em 24 de Outubro de 1173. Em tempos antigos, terá aqui existido uma pequena comunidade de frades.

Esta ermida foi construída face à velha estrada romana que vinha da orla marítima ao correr do Rio Minho. Passava junto da Vila de Melgaço e seguia para a Galiza pelas proximidades da velha estrada e cortava a raia na Ponte das Várzeas, nas proximidades de São Gregório.

Frente à ermida da Senhora da Orada havia uma arcaria coberta a que, na linguagem vulgar, se chama alpendre, cabido ou galilé, por baixo da qual passava a antiga estrada. Em fins do século XIX, quando se abriu a nova estrada para São Gregório, a arcaria frontal da igreja da Orada, que se vê na imagem, foi demolida. A sua existência é relatada por Frei Agostinho de Santa Maria, no seu livro “Santuário Mariano” (1712) onde se refere que “da Vila de Melgaço, vem uma estrada pública que vai para a Galiza e Castela, que passa junto ao átrio e casa da Senhora”. Pinho Leal, no Portugal Antigo e Moderno (1874), também menciona a estrada pública que, passando pelo átrio do Santuário, e se dirige à Galiza. José Augusto Vieira, no livro "Minho Pitoresco" (1886), é mais explícito ao referir-se que “O templo sob cujas arcarias passava a via pública.” Assim, não restam dúvidas de que a capela tinha o seu alpendre e por dentro dele passava a estrada.

A Senhora da Orada esteve na dependência do mosteiro de Fiães até à extinção das ordens religiosas em 1834. À Senhora da Orada, afluíam clamores de penitência de várias freguesias. A tal respeito, escreveu Frei Agostinho de Santa Maria: “A este santuário desde o Dia da Ascensão do Senhor até às portas do Espírito Santo, vão em romaria as mais das freguesias da Vila de Monção e as do seu termo a oferecer o resíduo do Círio Pascoal Pascal e acompanhar a procissão ao menos uma pessoa de cada casa com os seus párocos, e isto por voto que antigamente fizeram em tempo da grande peste de que ficou preservada a mesma Vila e as freguesias do seu termo, as quais fizeram o referido voto e também muitas freguesias do termo de Valadares, e todas as do termo de Melgaço vão em procissão à Senhora ao mesmo tempo, umas por devolução e outras por voto".  

No primeiro quartel do século XX, ainda se realizavam os clamores das freguesias mais próximas desta Vila. Com várias intermitências, vieram a terminar durante o segundo quartel do século XX. De todos estes antigos clamores, houve um que ultrapassou a primeira metade do século XX, foi o de Riba de Mouro, freguesia do antigo Concelho de Valadares e agora de Monção.

Segundo PINTOR (1975), as freguesias de Melgaço realizavam os seus clamores na quinta-feira da Ascensão, dia santo de guarda e feriado municipal, enquanto que Riba de Mouro, por tradição, ia à Senhora da Orada na segunda-feira do Espírito Santo, com o seu clamor independente, a que se associava muita gente da Vila em festa de simpatia. Por esta altura, e no mesmo dia, realizava-se em Rouças a festa de Santa Rita, cujo santuário se desenvolveu em meados do século passado, atraindo o povo da Vila.

No dizer de PINTOR (1953), "Riba de Mouro começou em 1954 a fazer o clamor da Senhora da Orada no Santuário de Santo António de Val de Poldros, da mesma freguesia, continuando ainda a promovê-lo, embora em data diferente. 

A peste a que se refere Frei Agostinho de Santa Maria deve ser uma das epidemias da segunda metade do século XVII. Três grandes epidemias grassaram em Lisboa e se estenderam ao país inteiro: a de 1568-69, que deu origem à Festa da Senhora da Saúde, que ainda se realizava, em meados do século passado, em Lisboa com caráter oficial; a de 1579 e a de 1598-99 que de novo se ateou no final de 1599 e se prolongou até 1602. De todas, a maior foi a primeira e a menor a segunda. Para se poder fazer uma pequena ideia do que foram estas epidemias, basta saber-se que na última foi montada em Lisboa, uma Casa e Saúde, ou seja, um hospital especial, por onde passaram 20 277 pessoas entre 25 de Julho de 1598 e 8 de Setembro de 1599, das quais se curaram 13 861 e faleceram 6 366. Devemos atender ao que seria Lisboa há perto de 400 anos, sem dúvida muito menor do que agora, e ao facto de muita gente se negar a recolher à Casa de Saúde, para se ajuizar da grande calamidade. 

Assim, no dizer de PINTOR (1953), “...sabemos de como e quando os clamores deixaram de vir à Nossa Senhora da Orada, mas não sabemos da sua origem senão pela tradição que nos diz terem sido os mesmos instituídos em 1570, por ocasião da Peste Grande, pelas freguesias de Cristoval, Paços, Chaviães, Vila, Rouças, São Paio e Prado, únicas que então constituíam o termo de Melgaço, coutos de Fiães e Paderne e pela freguesia de Riba de Mouro, do termo de Valadares. Esta última vinha na segunda feira do Espírito Santo e as restantes no dia da Ascensão do Senhor. Com exceção da de Paderne, cujo clamor vinha formado desde o seu convento, e a de Fiães, que tinha o privilégio de ser a primeira a entrar por a capela ser da sua jurisdição, todas as demais concentravam-se no Senhor do Carvalho do Lobo [Santo Cristo], donde seguiam em procissão para a Senhora da Orada e ofereciam o resíduo do Círio Pascal a Nossa Senhora em ação de graças por Ela ter poupado o concelho aos estragos do terrível flagelo."

domingo, 7 de abril de 2024

Parada do Monte (Melgaço) nos seus primórdios

 



Cada uma das antigas freguesias do concelho de Melgaço tem uma origem e uma História muito próprias e que conferem uma identidade muito distinta a cada uma delas. As delimitações entre elas são também muito antigas e estão muito associadas à sua própria origem.  

No caso da freguesia de Parada do Monte, para falarmos das suas origens e na sua delimitação, temos que recuar mais de 800 anos, a um tempo em que a terra de Parada era uma grande herdade que pertencia a um tal Afonso Pais e outros. Este doou muitas propriedades ao mosteiro de Fiães, entre as quais nos aparece esta terra. Assim, a herdade de Parada passou para a propriedade dos monges de Fiães no último quarto do século XII, mais propriamente em Setembro de 1183, data que consta na escritura de doação do tal Afonso Pais. No dito documento, redigido em latim, o topónimo aparece designado como “Parada de Monte”, ou seja, praticamente na forma atual. Na dita escritura, podem ler-se os seguintes dizeres: 

“De Parada de Monte. 

In nomine domini nostri Iesu Christi et beate Marie semper uirginis omniumque sanctorum. Ego Alfonsus Pelaiz et uxor mea Urracha Didaci uobis abbati Fernando et omni uestro conuentui omnibusque successoribus uestris de monasterio Fenalis facimus cartam testamenti de hereditate nostra propria quam comprauimus de Goina Midici et de Petro Nunici, de Pelagio Nunici consoprini eius, scilicet octaua de Parada. Deinde ego Alfonsus Pelagii una cum fratribus et suprinis meis habemus quartam partem illius hereditatis supradicte Parade et ego Alfonsus habeo mihi duos quiniones, I meum et Aluario Pelagii (a) fratre meo, quia dominus noster rex Alfonsus omnem hereditatem et portionem suam dedit mihi in hereditatem. Obinde ego Alfonsus Pelagii et Menendo Pelais una cum sororibus nostris, ego Fernandus Iohannis cum fratre meo, ego Martinus Bernardiz cum sororibus et suprinis meis, ego Petrus Petridis una cum fratre meo Gomice, sororibus ac suprinis nostris, ego Petrus Garsie et Alfonsus Garsie cum fratribus et sororibus nostris, ego Maior Menendici et Onega Menendici, ego Maria Pelagii, ego Orraca Petridis una cum sororibus meis, nos omnes supradicti damus uobis omnem iam supradictam hereditatem prout eam inuenire potueritis pro remedio animarum nostrarum ac parentum nostrorum. Et sunt termini eius per Mourilon et deinde ad currus de Aprilis et inde a Feruentia et exinde ad Spartiaquas et deinde descendit per fluuium Manidure et fer in Mour. Habeatis igitur eam et possideatis iure hereditario in perpetuum. Quod si aliquis uenerit uel uenimus qui hoc factum nostrum infringere temptet, sit maledictus et excomunicatus et cum Iuda traditore in inferno dampnatus. Facta karta testamenti sub era Mª CCª XXIª, mense septembris, regnante rege Alfonso in Portugale, episcopo Beltrano in sede Tude, archidiaconus Garsie, in Ualadares Pelagio Suariz. Nos omnes supradicti ac ceteri consanguinei nostri coram fidelibus testibus in hac carta propriis manibus roboramus. Qui presentes fuerunt: Petrus testis, Menendus testis, Iohannes testis. 

Pelagius qui notuit

(signum)”. 

Para os menos versados no latim, no documento, pode ler-se que “...Eu Afonso Pais e minha mulher Urraca Dias a vós Abade Fernando e todos os vossos sucessores do Mosteiro de Fiães. Fazemos a carta de testamento da nossa herdade própria que compramos a Goina Medici e Pedro Nunes e Paio Nunes, seus sobrinhos, a saber a oitava parte de Parada. Depois, eu Afonso Pais, juntamente com meus irmãos e meus sobrinhos temos a quarta parte da sobredita herdade; eu Afonso tenho ainda dois quinhões, um meu e de meu irmão Álvaro Pais porque o nosso rei D. Afonso me deu em herdade toda a sua herdade e porção. Além disso, eu Afonso Pais e Mendo Pais juntamente com minhas irmãs. Eu Fernando Joannes com meu irmão. Eu Martinho Bernardes com minhas irmãs e sobrinhos. Eu Pedro Peres, com meu irmão Gomes, nossas irmãs e sobrinhos. Eu Pedro Garcia e Afonso Garcia com nossos irmãos e irmãs. Eu Mór Mendes e Ónega Mendes. Eu Maria Pais. Eu Urraca Peres juntamente com minhas irmãs. Nós todos sobreditos vos doamos toda a sobredita herdade como a puderdes identificar, por remédio de nossas almas e das de nossos pais. São seus limites; pelo Mourilhão e daí ao Curro de Abril e daí a Fervença e daí ao Parte-Águas e desde pelo rio Menduro e fecha no Mouro... 

Aqui podemos verificar que a atual freguesia já tinha delimitação territorial nessa altura e que não difere muito da de hoje. Chamo à atenção para topónimos arcaicos citado do documento. Note-se que Curro de Abril é hoje Cruz de Abril, entre as Brandas de Mourim e Covelo. Fervença ficava junto à Branda da Bouça dos Homens, um pouco afastada dos atuais limites. Quanto ao rio Menduro, corresponde ao Medoira, que em outros documentos aparece com o nome atual.