sábado, 24 de abril de 2021

A histórica Quinta do Fecho (Rouças): o mais antigo morgadio em Melgaço

 



Nos terrenos do Fecho, na freguesia de Rouças, próximo do antigo limite administrativo com a Vila, existiu desde tempos muito antigos, uma importante quinta. A Quinta do Fecho era o mais antigo morgadio em Melgaço e foi propriedade de várias gerações da família fidalga dos Castro. 

Segundo MONTEIRO, F. (1988), algures na viragem para o século XVI, o primeiro senhor da Quinta do Fecho foi Lopo de Castro, filho de Álvaro de Castro e de Mécia Vaz, mulher solteira da freguesia de Santa Maria da Porta. Segundo o mesmo autor, não há unidade de opinião sobre a mãe dos seus filhos, pois enquanto uns nomeiam uma tal Isabel Soares, filha de Diogo Soares Pereira, oriunda da Casa dos Soares da Galiza, em Orense, ainda que haja autores que citam uma tal Isabel Pinheiro, filha de Diogo Soares de Tangil e de Dona Inês de Brito. Depois de viúvo, foi Abade da igreja matriz de Melgaço, de Santa Maria de Rouças e de Lamas de Mouro. 

Sucedeu a seu pai como senhor da Quinta do Fecho, António de Castro, algures no primeiro quarto do século XVI. Os linhagistas, na sua maioria, afirmam ter casado com uma tal Maria Soares, filha de Rui Soares, senhor de Bertrazes, e neta de Álvaro Soares, de Tangil. Outros autores citam, como sua esposa, uma tal Isabel Soares Teixeira. Contudo, este António de Castro foi também abade de Rouças. Levantam-se aqui duas possibilidades que é a hipótese de apenas ter assumido o sacerdócio após enviuvar. Outra possibilidade é o facto de os seus filhos serem resultado de relacionamento(s) ilegítimo(s). 

Segundo ROCHA, J., (2010), mais tarde, Lopo de Castro, o Velho, filho do padre António de Castro (e de Isabel Soares Teixeira?), herdou a Casa do Fecho e casou com Leonor Veloso Bacelar Sousa Magalhães, filha de Gonçalo Esteves Lobato, escudeiro, e de Guiomar Veloso Bacelar, do Paço, Alvaredo. 

Um filho dos citados no parágrafo anterior, Lopo de Castro, o Moço, casado com Francisca Quevedo, capitão-mor de Melgaço, e provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço entre 1600 e 1619, instituiu o Morgadio do Fecho, em 7 de Junho de 1601. 

Assim, o Morgadio do Fecho é, daquilo que se conhece, o mais antigo daqueles estabelecidos em Melgaço. A pedra de armas, que fora laje sepulcral da capela de São João Batista da mesma Casa, deve ter sido trabalhada no 1.º quartel do século XVII, no tempo do capitão-mor Lopo de Castro, o Velho (ROCHA, J., 2010). 

Segundo MONTEIRO, F. (1988), D. Fernando Lobato de Castro, casado com Dona Paula de Castro Soares, foi o segundo administrador do morgado do Fecho. Sucedeu-lhe Lopo de Castro de Sousa, capitão de infantaria auxiliar e casado com a sua prima Dona Ana Maria de Sousa de Castro (batizada em 21 de Dezembro de 1637), tendo sido foi o terceiro administrador do morgado do Fecho. 

Em 1601, já existia na Quinta do Fecho uma ermida dedicada a S. João Batista. Nesse mesmo ano de 1601, em 19 de Junho, o tal Lopo de Castro, fidalgo, morador com a sua mulher nesta quinta, pede licença para se dizer missa nesse pequeno templo. 

Aí pelo ano de 1746, a Casa e Quinta do Fecho eram propriedades do Alferes Manuel de Sousa Meneses, que aqui residia. Na quinta, havia uma capela dedicada a S. João Batista. Sabemos que em 17 de Fevereiro de 1746, o morgado do Fecho regista uma provisão para se por um confessionário na dita capela. 

O último desta quinta foi o Dr. Pedro de Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon, conde de Azevedo. No jornal “Correio de Melgaço”, na sua edição de 20 de Outubro de 1914, diz-se que ele “passou alguns dias na sua Casa do Fecho, a fim de assistir à vindima; finda aquela, partiu para a sua Casa do Hospital”. 

Segundo VAZ, J. (1996), na noite de 17de Fevereiro de 1932, pelas 21 horas, manifestou-se um incêndio nesta antiga casa solarenga, pertencente ainda ao dito conde, e habitada por rendeiros. Só meia hora depois é que os Bombeiros Voluntários de Melgaço tiveram conhecimento do sinistro. Seguiram com grande dificuldade para o local, levando consigo as bombas de mão e as picotas, bem como outro material necessário, sob o comando do 1.º patrão, José de Brito. Logo depois compareceu o 1.º comandante, Herculano Pinheiro, estando já estabelecido o ataque com uma agulheta pelo alferes Domingues Peres. Ao cabo de duas horas principiou o rescaldo, que durou até à uma hora da madrugada! Aos bombeiros se deveu não ter sido destruído todo o prédio, por terem localizado o fogo e, com grande esforço, o terem extinguido. Alguns dos bombeiros procederam aos salvados, tendo retirado os gados das cortes, as pipas de vinho, mobílias e outros objetos, correndo sérios riscos. O ataque foi feito pelo 1.º andar e pelo telhado para o que foi necessário a montagem de escadas. Ficaram quase destruídos três compartimentos do prédio, calculando-se os prejuízos de oito a dez contos! E se os bombeiros não tivessem chegado a tempo, nada escaparia, porque o fogo lavrou com tal intensidade que era impossível dominá-lo sem a sua intervenção. As labaredas presenciavam-se de grandes distâncias, era um espetáculo dantesco, causando grande impressão. No local estiveram para cima de quatrocentas pessoas e uma parte delas ajudou naquilo que pôde, sobretudo no abastecimento de água. O alferes Peres foi um verdadeiro herói, não se poupando a sacrifícios, não obstante estar encharcado e com alguns ferimentos. O 1.º patrão, João Cândido da Rocha, ao combater o incêndio perdeu a carteira, que continha dinheiro e vários documentos. 

Em 26 de Janeiro de 1936, pelas doze horas, no tribunal judicial de Melgaço, procedeu-se à arrematação, em hasta pública, por metade do seu valor, dos seguintes bens, pertencentes ao dito conde: “1) Quinta do Fecho (casa de morada, capela, terra de cultivo, mato e arvoredo) sita na freguesia de Rouças. Ia à praça por 28.380$00. 2) (…) O dinheiro obtido seria para pagar a dívida à Caixa Geral de Depósitos, no valor de 469.054$04. Eram citados Estêvão Maria de Barbosa Carneiro Queiroz de Azevedo Bourbon e sua esposa, residentes em Viseu, a favor dos quais existia um registo provisório. Arrematou a dita Casa e Quinta do Fecho um castrejo Manuel Alves.” (VAZ, J.,1996) 

A capela, pertencente à Casa, foi demolida pelos novos donos, mas a pedra de armas foi dali retirada e colocada na dita Casa.



Fontes consultadas:  


“Correio de Melgaço”, edição de 20 de Outubro de 1914. 


MONTEIRO, F. Moreira de Sá (1988). Castros e Sousas: Senhores de Parderrubias, da Honra de Remoaes e morgados do Peso. Portugal: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta. 


ROCHA, Joaquim A. (2010) – Dicionário Enciclopédico de Melgaço, Vol. II, Edição de Autor, Melgaço. 


VAZ, Pe. Júlio (1996) – Padre Júlio apresenta Mário. Edição de autor. 


sexta-feira, 9 de abril de 2021

Melgaço, 9 de Junho de 1808 - No dia em que esta terra desafiou os invasores

 


Durante a primeira invasão francesa, iniciada em 1807, Portugal encontrava-se ocupado e a corte tinha fugido para o Brasil. A partir de Junho de 1808, a oposição à presença de tropas francesas leva aos primeiros levantamentos no norte do país. Segundo NEVES, J. (1811), Melgaço, em 9 de Junho deste ano de 1808, terá sido a primeira terra, ou das primeiras do país a desafiar a ocupação francesa...

"Naquela parte da província do Minho onde o rio deste nome, descendo da Galiza, entra em terras de Portugal, terminam estas num ângulo o mais setentrional do reino, e é aqui que está situada a vila de Melgaço, pequena e pouco considerável em si mesma, que, porém, deve ficar memorável na história. É em Melgaço que prendeu o fogo sagrado em 9 de Junho, para não mais se extinguir, nem mesmo na segunda invasão dos franceses debaixo do comando do Marechal Soult: ficou livre o recanto desta vila e seus contornos da nova torrente assoladora que se espalhou por todo o resto da província e abrangeu uma grande parte da Beira Alta e Trás-os-Montes. Feliz terra! Queira o céu conservar-te o brasão de nunca mais receberes as leis do usurpador, desde que naquele fausto dia abjuraste intrépida o seu nome odioso! 

D. António Maria Mosqueira de Lira, provinciano ilustre do reino da Galiza, e aparentado com alguns grandes de Espanha, apresentou-se em Melgaço em casa de seu cunhado Caetano José de Abreu Soares, e anunciando secretamente ao Corregedor, que servia de Juiz de Fora, Filipe António de Freitas Machado, aí veio este, e tiveram uma conferência. A este tempo concorreu também António de Castro Sousa Meneses Sarmento, descendente ilustre pela linha da primogenitura dos antigos Castros de Melgaço, o qual, tendo servido dignamente o Soberano e a pátria na carreira da magistratura, se achava então retirado em sua casa; do que todos conferiram e trataram, resultou ficar decidida a aclamação. 

Mosqueira tinha vindo prevenido com pouca gente armada, que deixara a pouca distância, e a fez logo entrar. Vieram também incorporados o Corregedor de Milmanda, o Abade de Esteriz e outras pessoas distintas da Galiza; e sendo dia de feira em Melgaço, e por isso de um numeroso concurso, os portugueses se unem aos espanhóis, e em presença do Juiz de Fora, que os observava no próprio campo da feira, soltam alegres vivas ao Príncipe Regente e detestações violentas contra Napoleão e seus delegados. Imediata ao campo da feira está a porta da vila, sobre a qual se achavam cobertas as Armas Reais; o povo as descobre num momento; passa depois a fazer o mesmo às da casa da Câmara e da fonte da vila; e para que a obra não ficasse imperfeita, o Corregedor de Milmanda com uma partida dos seus foi também descobrir as fonte de S. João da Orada, que ficavam em alguma distância. Tomás José Gomes de Abreu, Jacinto Manuel da Rocha Pinto, o Capitão mor João António de Abreu e o Doutor Miguel Caetano foram dos primeiros, e mais activos, que trabalharam nesta empresa, mas tiveram muitos outros companheiros que mostraram o maior patriotismo. 

Não contentes os habitantes de Melgaço com o que haviam praticado dentro dos muros e nos subúrbios desta vila, eles quiseram levar a revolução aos povos vizinhos. Com efeito, num dos dias seguintes eles foram aclamar o nosso legítimo Soberano e descobrir as Armas Reais na ponte de Mouro, termo de Monção, tendo na sua passagem praticado o mesmo no concelho de Valadares. 

Determinou-se para o dia 10 a inauguração solene do estandarte nacional em Melgaço. O da Câmara foi arvorado no revelim do castelo, por entre novos vivas e aclamações, e com repetidas salvas e toques de sinos, antes e depois de um Te Deum e sermão que se celebraram nesse mesmo dia; e como eram necessários dois estandartes, para não haver falta nas acções da Câmara, o Juiz de Fora convocou os alfaiates da terra para fazerem um novo, como realmente fizeram numa manhã, e não se afastou deles enquanto não o concluíram. Estas pequenas circunstâncias, que parecem pequenas a quem as lê de sangue frio, são as que melhor manifestam na efervescência dos espíritos os verdadeiros sentimentos que existem nos corações, a fidelidade e o entusiasmo dos que as praticam*.  

Até aqui era tudo alegria, mas dois dias depois houve uma terrível comoção, causada pela falsa notícia de que um exército francês havia desembarcado nas costas da Galiza, e tinha já um corpo de tropas na Caniça, povoação fronteira a Melgaço, para entrar nesta vila pela raia seca. A crise era terrível, porque achando-se estes povos absolutamente indefesos, não se lhes oferecia senão a alternativa de se humilharem ou resistirem; e em ambos os casos era muito arriscada a sua sorte: eles escolheram, sem hesitar, o mais heroico. Todos se puseram em movimento à voz dos sinos, e correram para a parte por onde se esperava o inimigo com duas peças de artilharia, as únicas que havia montadas, até o sítio da ponte das várzeas, onde residia o Capitão mor. Quando chegou o ajuntamento, já este sabia por um portador, que tinha mandado a Galiza, que tudo por lá se achava tranquilo, não havendo nem o mais leve rumor de inimigos por aquele lado. 

Quando não devia já tratar-se senão de se restituírem todos a suas casas, a intriga e a discórdia, inimigos implacáveis da humanidade, que raras vezes podem separar-se destes ajuntamentos tumultuários, principiaram a derramar os seus venenos sobre gentes que não se tinham ajuntado senão para o justo fim de defenderem os direitos do Soberano, a religião e a pátria. Um paisano insolente, ostentando valentias, quando a ideia do perigo se tinha desvanecida, incita os povos para que marchem mais adiante e se façam fortes, enquanto o Capitão mor lhes ordenava prudentemente que se retirassem, prevenindo as desordens que o ajuntamento podia produzir. O paisano, inculcando patriotismo e valor, chegou a meter as mãos a duas pistolas contra o Capitão mor; mas felizmente o seu orgulho ficou confundido às mãos de outro paisano honrado, que, no meio da sua justa cólera, não pôde conter o transporte de pegar no insolente e o pisar aos pés.  

Sufocado este primeiro sintoma vertiginoso, outro se levanta, que ia tomando um aspecto mais sério. Matias de Sousa e Castro, militar distinto com o posto de Tenente no desorganizado regimento de Valença, correu com os outros ao rebate de uma quinta onde se achava; e vendo arvorada na vila a bandeira encarnada, em sina de guerra, quis persuadir ao Juiz de Fora que a mandasse arrear, não por traição ou por fraqueza, pois pelo contrário foi um dos mais activos em dar as providências de defesa, mas sinceramente porque, dizia ele, a bandeira não aumentava nem diminuía as forças e os recursos, e vendo-a, os franceses se irritariam e passariam tudo à espada. O Juiz de Fora não anuiu à proposta, mas houve quem fosse espalhar a voz entre o povo, ainda congregado, que ele tinha feito arrear a bandeira, e foi o mesmo que lançar uma faísca sobre a pólvora. Levantou-se um tumulto em que ficou desde logo decretada a morte do Juiz de Fora; e para executarem este projecto, alguns dos amotinados se encaminharam para a vila; pararam e ficaram tranquilos, à vista da bandeira, que existia arvorada como dantes. Soube-se depois o conselho que o militar havia dado, e voltaram-se contra este, que, avisado a tempo, pôde a muito custo salvar a vida nos pés do seu cavalo. 

Por esse mesmo tempo recebeu o Juiz de Fora uma daquelas furiosas cartas que Lagarde tinha escrito aos ministros territoriais por ocasião dos movimentos do Porto; ele não a publicou, mostrando-a somente a algumas pessoas da sua confiança, e continuando sempre a animar os progressos da revolução. Como os povos se viam sem tropas, sem armas e sem munições, recorreram ao Bispo e à Junta de Orense, e não foi debalde, porque das tropas que ali comandava o Marquês de Valadares, se destacaram logo alguns corpos para Milmanda e Celanova, prontos a entrarem no território português em caso de precisão. 

Numa nota pessoal de Acúrsio das Neves, pode ler-se que “Como nenhum dos escritos que a imprensa tem publicado faz menção destes sucessos de Melgaço, ficando confundidos no quadro da revolução pela distância e pequenez do seu teatro, instruirei os meus leitores dos documentos por onde eles se me fizeram constantes. Além de outras memórias que me foram transmitidas por canais verídicos, tenho em meu poder [uma] certidão de um termo em que se referem sumariamente os ditos sucessos do dia 9, lançado a folha 197 do livro do registo da Câmara daquela vila, que teve princípio em 15 de Março de 1803, e é sobrescrita a certidão pelo respectivo escrivão Joaquim Daniel Torres Salgado. Consta-me que existira outro termo, em que se referiam com mais extensão estes sucessos, mas que fora rasgado quando se aproximaram a Melgaço as tropas do Marechal Soult na segunda invasão. Tenho mais uma atestação do mesmo escrivão, outra do próprio Caetano José de Abreu Soares, e outra da mesma Câmara, que conferem nos factos essenciais; e finalmente a cópia de um requerimento apresentado à Câmara por um particular, para ela o representasse aos Governadores do Reino, a fim de se restituir a Melgaço a primazia da restauração, que se queixava estar-lhe usurpada nos papéis públicos por outras terras do reino, no qual se faz uma miúda exposição dos factos, e se acha um acórdão do teor seguinte: Acórdão em Câmara, que visto serem verdadeiros os recontados factos, que atestamos, se registe este requerimento e se remeta. Melgaço, em Câmara de 4 de Outubro de 1808. Com quatro assinaturas.” 





Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 126-135].