sábado, 26 de setembro de 2020

A origem da freguesia de S. João de Lamas de Mouro (Melgaço)


 

Encontramos a origem da freguesia de Lamas de Mouro na Idade Média, mais precisamente no século XIV com a instituição do velho Couto de S. João de Lamas de Mouro. 

Segundo DOMINGUES, (2014), “a freguesia de Lamas de Mouro surge em plena Idade Média como um exíguo espaço territorial situado nos Montes Laboreiro (atual serra da Peneda), que foi coutado à Ordem do Hospital ou dos Cavaleiros Hospitalários – a designação desta milícia varia ao longo dos séculos e está intimamente relacionada com a localização da sua sede internacional: Jerusalém (Séc.s XI-XII), São João de Acre (1187), Chipre (1291), Rodes (1306) e Malta (1530) – com a identificação de couto de S. João Baptista de Lamas de Mouro. (...) 

As primeiras referências escritas ao couto de Lamas de Mouro, por seu turno, surgem em meados do século XIV. Duas confirmações aos párocos da sua igreja, feitas em Tui (Espanha), continuam a ser os testemunhos escrito mais arcaicos da existência de uma comunidade humana organizada no seu espaço territorial: (i) por renúncia do anterior reitor Estevão Martins, no dia 21 de Abril de 1355 o bispo de Tui confirmou, por apresentação do prior da Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém em Portugal, Estevão Eanes de Ceivães como pároco da igreja de Lamas de Mouro –testemunha presente o procurador do bailio do Hospital de Jerusalém–119; (ii) Falecido o pároco supra referido, foi apresentado pelo prior da Ordem o clérigo Gonçalo Nunes de Melgaço, confirmado pelo bispo de Tui no dia 29 de Setembro de 1362. 

Seguem aspados para memória dos anais e da precoce ligação desta freguesia à Ordem dos cavaleiros de S. João de Jerusalém:  

(i) Sancti Iohanis de Lamas de Mouro 

Noverint universi quod vacante ecclesia Sancti Iohanis de Lamas de Mouro nostre diocesis per renunciacionem Stephani Martini olim rectoris eiusdem nos Iohanes Dei et Apostolice Sedis gracia episcopus Tudensis diocesis dictam ecclesiam sic vacantem cum omnibus iuribus et pertinentiis suis ad presentacionem Prioris Hospitalis Ordinis Sancti Iohanis Iherosolimitani regni Portugalie predictam ecclesiam Stephano Eanes de Ceivaaes clerico conferimus titulatam ipsumque per anulum nostrum instituimus presencialiter in eadem sibi curam et regimen ipsius ecclesie in spiritualibus et tenporalibus plenarie eidem comitendo.

 In cuius rei testimonium has nostras patentes literas sibi fieri mandavimus per notarium infrascriptum et sigilli nostri apensione muniriDatum Tude vicesima prima die mensis Aprilis

Era millesima trecentesima nonagesima tercia, presentibus Iohane Martini canonico Tudense Fratre Fernando procuratore de Bailia Hospitalis de IherusalemPetro Fernandiz, Roderico

Grasso familiaribus dicti domini episcopi et aliis testibus ad premissa. 

 


(iiSancti Iohanis de Lamas de Mouro 

Noverint universi quod nos Iohanes Dei et Apostolice Sedis gracia episcopus Tudensis vacante ecclesia Sancti Iohanis de Lamas de Mouro nostre diocesis ad presens per mortem Stephani Iohanis quondam rectoris euisdem dictam ecclesiam sic vacantem cum omnibus iuribus et pertinenciis suis ad presentacionem Prioris Hospitalis Ordinis Sancti Iohanis Iherosolimitani Regi Portugalie Gundisalvo Nuni de Melgaço clerici conferimus titulatam et ipsum per birretum nostrum presencialiter investinus de eadem curam et regimen ipsius ecclesie in spiritualibus et tenporalibus eidem plenarie comitendo. In cuius rei testimonium has nostras patentes literas sibi fieri mandavimus per notarium infrascriptum et sigilli nostri appensione muniriDatum Tude XXIXª die mensis Septenbris Era millesima quadringentesima presentibus Iohane Gundisalvi canonico Tudense, Iohane Dominici rectore ecclesie de TaangildeIohane Fernandiz rectore ecclesie da Meadela et aliis testibus ad premissa. 


Enquanto não surja documento comprovativo, a minha convicção gratuita é de que o couto de Lamas de Mouro terá sido outorgado por decisão régia à Ordem do Hospital por questões de estratégia militar e defesa do próprio reino. Trata-se de um vale cavado entre ásperas montanhas, encostado à raia seca com Galiza, de forma que a sua situação geográfica e morfológica converte este exíguo espaço territorial no estreito por onde mais facilmente poderia penetrar uma invasão dirigida ao entre Lima e Minho – assim rezam alguns documentos e outros relatos mais fabulosos, que não podemos estar agora a desfiar–. O facto de ser coutado aos cavaleiros maltezes seria um tampão aos intentos invasores mais audazes, fechando a linha defensiva entre os castelos de Melgaço e Castro Laboreiro.  

Fica este singelo apontamento aos primordiais tempos da Ordem do Hospital, da comenda setentrional de Távora e do couto raiano de S. João de Lamas de Mouro, porque o que verdadeiramente nos trás à liça são os limites territoriais deste último, que se podem presumir demarcados e estáveis desde o momento fundacional, algures, antes do ano de 1355. Malogradamente, não nos chegou nenhum auto oficial escrito desses limites mediévicos –data do ano de 1618, como a seu tempo veremos, o documento mais recuado com os limites precisos do couto de Lamas de Mouro, que me foi possível localizar–.  

Não será de somenos interesse e importância que a tradição de a Ordem do Hospital demarcar e identificar os espaços territoriais próprios que estavam sobre a sua égide e jurisdição e, por isso, gozavam dos privilégios outorgados e sucessivamente confirmados pelos monarcas portugueses e pelo papado vem de tempos muito longínquos. Essa prática deu azo a que, para obstar aos abusos de se demarcarem com sinais e cruzes próprios da Ordem espaços territoriais que de Direito lhe não pertenciam, fosse por D. Afonso II (1211-1223) promulgada uma lei nas Cortes de Coimbra de 1211. 

 


 

Extraído de: 

-DOMINGUES, J. (2014) - Os Limites da Freguesia de Lamas de Mouro e os Caminhos da (in)Justiça. Edição de Autor.