sexta-feira, 29 de novembro de 2019

A vila de Melgaço nos anos 30 num curto mas raro filme




Vamos recuar no tempo mais de 80 anos e fazer uma visita à vila de Melgaço nos anos 30. Neste pequeno filme, podemos ver em raras imagens da época, alguns pormenores da vila de Melgaço, algures na década de 30 do século passado. Vê-se o atual edifício da Câmara Municipal de Melgaço, construído a partir de 1930, bem como os Paços do concelho. Vê-se também a torre de menagem ainda com o relógio antes das obras de conservação efetuadas aquando da comemoração do 3º centenário da restauração da independência, entre outros interessantes pormenores.
Viaje no tempo...


sábado, 23 de novembro de 2019

A disciplina militar sobre os soldados melgacenses na Primeira Grande Guerra em França





A Primeira Grande Guerra (1914-1918) mobilizou mais de 50 mil soldados portuguesas para a frente europeia. Melgaço contribuiu com mais de 70 filhos da terra que combateram na Flandres (França).
Como sabemos, a participação portuguesa foi dramática, fruto de uma rápida mas muito deficiente preparação dos soldados e a instável situação política em Portugal na época. A moral das tropas foi-se degradando com o passar do tempo e episódios de indisciplina e insubordinação por parte dos soldados foram-se tornado cada vez mais uma constante. Em relação aos soldados melgacenses, os registos contam-nos que alguns deles protagonizaram episódios de insubordinação, outros simplesmente envolveram-se em episódios algo caricatos próprios de homens que não compreendiam a disciplina militar, especialmente em tempo de guerra.
Um dos soldados melgacenses mais vezes punidos durante a sua permanência na frente de guerra foi Alfredo Soares, natural do lugar da Costa, na freguesia de S. Paio. Já em França, no cenário de guerra, foi punido em 12 de Agosto de 1917 pelo “Senhor Comandante da Companhia com 8 dias de detenção por ter saído da forma sem autorização quando a companhia se dirigia para o local de instrução de noite e ter recolhido o quartel da sua companhia”. Dois dias depois, ou seja a 14 de Agosto de 1917, foi novamente punido “pelo Comandante da Companhia com 6 dias de detenção por ser encontrado no centro de instrução e durante o intervalo apoderar-se de alguma fruta de uma nogueira pertencente a uma propriedade que começa no mesmo campo”. Foi punido ainda em 19 de Junho de 1918 “pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de prisão disciplinar por ter faltado a uma formatura e responder menos conveniente ao Senhor Comandante da Comandante quando este o mandou calar por pretender tomar posse de uma barraca que lhe não pertencia…”. Foi punido novamente em 23 de Setembro de 1918 “pelo Senhor Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por faltar à revista que teria lugar em 22 (dia anterior), sem motivo justificado…”. Alguns dias depois, em 28 de Setembro do mesmo ano, voltaria a ser novamente punido pelo “Senhor Comandante do batalhão com 10 dias de detenção por faltar aos trabalhos de fortificação e instrução de 26”. Alfredo Soares sobreviveu à guerra.
Um outro soldado melgacense bastante castigado pela disciplina militar durante o tempo de guerra foi Joaquim de Egas Afonso, natural da freguesia da vila de Melgaço (à época, Santa Maria da Porta). Durante a sua permanência na frente de guerra na Flandres, recebeu várias punições por comportamento julgado não adequado em contexto militar em tempo de guerra. Assim, foi punido em 12 de Setembro de 1917 “pelo Comandante da Companhia com 6 dias de detenção, atendendo ao seu comportamento anterior por haver faltado à instrução que no dia 11 teve lugar das 13 às 17 horas…”. Novamente, em 2 de Outubro de 1917, foi punido “ pelo Comandante da Companhia com cinco dias de detenção por se ter ausentado ontem da área da companhia sem autorização”. Ainda em Outubro de 1917, mais precisamente no dia 19, foi de novo punido “pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional por não ter ido ao trabalho em “Krigs Cross” na manhã de 16 (dia) por declarar estar doente, doença que não foi confirmada em revista de saúde a que foi presente…”. Contudo, os episódios de indisciplina não se ficam por aqui, recebendo novamente punição em 18 de Fevereiro de 1918 “pelo Sr. Comandante da 4ª Companhia com 2 guardas por não tratar do arrumo da sua companhia como lhe foi determinado pelo Cabo Chefe do Grupo do seu alojamento…”.
Um outro soldado melgacense que várias vezes esteve sob a alçada disciplinar foi Dinis da Silva, natural do lugar da Várzea, na freguesia de Paderne, O seu percurso durante a guerra é abundante em atos de indisciplina, frequente entre os soldados portugueses nesta guerra e respetivas punições. Foi punido em 19 de Julho de 1917 “pelo Exmo. Comandante do Batalhão com 1 (um) dia de Prisão Disciplinar por ter faltado a uma formatura…”. Foi igualmente punido em 12 de Agosto “pelo Comandante da Companhia com 8 dias de atenção por ter saído da forma sem autorização quando a companhia se dirigia para local de instrução de noite e ter recolhido ao quartel da sua companhia…”. Uma terceira punição foi-lhe aplicada em 26 de Outubro de 1917 “pelo Comandante da Companhia com 8 (oito) dias de detenção por ter sido incorreto na maneira como se dirigiu ao 1º sargento da companhia quando este o advertia por uma falta…”. Foi-lhe aplicada uma outra punição em 15 de Março de 1918 “pelo Comandante da Companhia com 10 dias de detenção porque, tendo-se ausentado ontem do alojamento da companhia, faltou à formatura que às 18 horas teve lugar afim desta companhia de entrar como reforço do sub-setor…”. Foi ainda punido em 29 de Agosto de 1918 “pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por ter faltado aos trabalhos deste dia sem motivo justificado”. Por motivo que não aparece descortinado no seu Boletim Individual, o soldado Dinis da Silva, em 5 de Junho de 1919, seguiu da Prisão da sua Base para o Porto de Embarque de Cherbourg (França) afim de ali aguardar julgamento. Sobreviveu à guerra.
É frequente entre os soldados os episódios de desobediência aos seus superiores. Um desses casos é o do soldado António dos Reis, natural da Rua Direita, freguesia de Santa Maria da Porta (atualmente designada por freguesia da vila). Foi punido em 19 de Agosto do mesmo ano pelo Comandante da Companhia com 8 dias de detenção “porque tendo em 18 do corrente respondido à chamada para a formatura da instrução de noite, se ausentou dela sem autorização recolhendo ao seu alojamento…”. Ainda nesse ano de 1917, voltou a infringir as regras do Regulamento Disciplinar e recebeu nova punição em 19 de Dezembro por parte do Comandante da Companhia. Desta vez, foi punido com 10 dias de detenção por “ter saído da 1ª linha de trincheiras, onde prestava serviço, sem autorização e ainda porque sendo interrogado sobre quem o autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome ao Comandante exposto o que se averiguou ser falso…”. António dos Reis sobreviveu à guerra.
Alberto Esteves, natural do lugar do Pomar, freguesia de Penso também sofreu a disciplina militar por desobediência. Em 27 de Outubro de 1917, foi punido pelo Comandante da Companhia com 10 dias de detenção por “ter sido nomeado para servir nas trincheiras e não se ter apresentado prontamente para esse serviço tendo sido necessário a intervenção do comandante da companhia para que desse cumprimento à ordem que nesse sentido tinha recebido…”. Sobreviveu à guerra.
A faltas de respeito aos superiores eram também mencionados nos registos individuais de alguns soldados de Melgaço. É o caso do soldado Inocêncio Augusto Carpinteiro, natural do lugar dos Barreiros, na freguesia de S. Paio. Durante a sua permanência na frente de combate, foi punido em 17 de Outubro de 1917 “pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão correcional porque aquando da sua nomeação para serviço nas trincheiras, apresentou a sua reclamação como modos pouco respeitosos”. Voltou a ser punido em 19 de Dezembro de 1917 pelo Comandante da Companhia “com 10 dias de detenção por ter vindo da 1ª linha de trincheiras onde prestava serviço sem autorização e ainda porque sendo por ele interrogado sobre quem o autorizou a vir à 2ª linha, informou falsamente citando o nome do Comandante do posto o que se averiguou não ser verdade…”. Sobreviveu à guerra.
Um outro exemplo é o do soldado Hipólito Lourenço, natural do lugar da Picota, freguesia de Santa Marinha de Rouças. Já no cenário de guerra, sabe-se que foi punido em 9 de Setembro de 1917 “com 2 dias de detenção por ser pouco cuidadoso com a limpeza do armamento que lhe está distribuído”. Viria a ser novamente punido em 16 de Janeiro de 1918 “pelo Exmo. General Comandante do C.E.P. com 20 dias de prisão correcional por na noite de 7 para 8 de Dezembro, estando de sentinela num posto de 1ª linha, foi encontrado pelo sargento de ronda sentado na banqueta e não ter tomado uma atitude correta quando aquele seu superior o advertia infringindo assim os deveres…”. Sobreviveu à guerra.
Não termino este artigo sem uma ressalva. Não se pretende fazer qualquer julgamento de caráter destes homens. Estes comportamentos são sobretudo fruto de uma rápida mas deficiente preparação dos soldados, não só taticamente mas também mentalmente. A dureza da guerra, a falta de compreensão da mesma e a postura vergonhosa do governo português em relação a estes soldados nalguns momentos tornam atos como os descritos compreensíveis, ou pelo menos que nos abstenhamos de os julgar.

sábado, 16 de novembro de 2019

A Fonte da Madalena, junto à igreja do mosteiro de Fiães (Melgaço)




Desde há vários séculos que vemos referências a nascentes de águas virtuosas junto ao mosteiro de Fiães (Melgaço), tendo mesmo existido ali umas caldas até por volta de finais do século XVII. Ainda hoje, mesmo ao lado da igreja do primitivo mosteiro, podemos contemplar uma fonte muito antiga. É conhecida como a Fonte da Madalena e foi mandada construir há quase 300 anos por um abade que tinha vindo para o mosteiro poucos anos antes.
A história da Fonte da Madalena inicia-se por volta de 1735. Nessa altura, torna-se abade do mosteiro de Fiães, Frei Félix da Cerveira, natural de Viana do Castelo. Pouco depois, o abade manda proceder a obras que facilitassem o acesso ao mosteiro, nomeadamente aplanar o monte onde se implantava, criando o terreiro que o precede e plantar as árvores que o bordejam, bem como a bonita Fonte da Madalena. Dois anos mais tarde, em 1737, conclui-se a construção desta fonte, conforme a data inscrita no espaldar da mesma, sob ordem do frei Félix da Cerveira.
Para nos contar algo sobre a história desta fonte, podemos ver uma inscrição no espaldar da fonte inspirada na máxima do livro Bíblico de Provérbios 14:27: "TIMOR DOMINI FONS VITAE / PROVER. CAP. XIV / ANNO DOMINI / M.DCCXXXVII" (MARQUES, 1990). As alas laterais possuem igualmente o friso inscrito, atualmente apenas visível na ala sul: "cujus pátria fuit opidum Vianense, qui in ingressu istius Monasterii pulchrum edificium fontis, parietesque construere fecit; monten scindere, arboresque plantare; et ita cultum reddit ingressum, qui satis antea enoormis erat" (MARQUES, 1990), cuja tradução é "o P. M. Frei Félix de Cerveira, natural de Viana, que, à entrada deste Mosteiro, mandou construir um belo fontanário, aplanar o monte e plantar árvores, assim tornando agradável o acesso que antes era difícil " (MARQUES, 1990). Numa das pedras da ala sul está também a data de 1737 inscrita, mas em numeração árabe.
Já em 1903, a Fonte da Madalena é referida por Guilherme Oliveira como tendo "excelente e frigidíssima água, com bancos formando circulo" (OLIVEIRA, 1903).
Trata-se de um chafariz em cantaria granítica, flanqueado por duas alas retilíneas, formando U aberto invertido, virado a poente, com pavimento intermédio em lajes de cantaria. No centro do U, surge o chafariz propriamente dito, com espaldar retilíneo, tendo a face principal definida por duas pilastras, de fuste liso, que sustentam friso e cornija reta do remate. A zona central possui brasão com as armas reais, com escudo "francês", contendo escudo nacional com os cinco bosantes em cruz, envolvido por bordadura de sete castelos. No terço inferior possui bica carranca, que verte para tanque semicircular, de perfil curvo, e bordo saliente. As alas laterais, mais baixas que o espaldar e percorridas por banco de cantaria, são em cantaria aparente, ritmadas por pilastras e rematadas em friso e cornija, possuindo o friso da ala sul inscrição. A ala norte encontra-se muito derruída.
Há, conforme se refere atrás, referências muito antigas a outras águas virtuosas junto ao mosteiro de Fiães tendo aqui existido em tempos umas caldas bastante concorridas. No livro “Aquilégio Medicinal” de 1726, sabemos que nesta altura, as Caldas de Fiães já estavam desativadas e cobertas de terra. Neste livro podemos ler que “Junto à cerca do Mosteiro de Santa Maria de Fiaens, da ordem de Cister, comarca de Valença do Minho, houve umas caldas de muyta virtude para queixas de nervos, e juntas, a que concorria muyta gente de várias partes, a curar-se dos achaques, que padecião.
Hoje não se usa delas, porque ha muytos annos, que se cubrirão, e taparão, ou por negligência, ou por particulares conveniencias.
Desconhece-se em que período é que estas Caldas de Fiães tiveram fama em que período é que as caldas foram desativadas.
No livro “Portugal Antigo e Moderno”, do professor Pinho Leal, no volume III, de 1874, encontramos um referência a estas caldas e ao facto de as nascentes terem sido tapadas pelas autoridades por causa de desordens na zona de banhos. Neste sentido, podemos que “A Oeste do adro, rebenta um manancial de água mineral ferruginosa, a que se atribui algumas virtudes medicinais. Consta que houve aqui uns tanques para banhos, mandados entupir por ordem da autoridade por causa das desordens, ferimentos e até mortes, de que eram causa, por quererem todos banhar-se ao mesmo tempo.”
Estas informações são mais ou menos replicadas no livro “O Minho Pittoresco” de José Augusto Vieira, de 1886, nestes termos “A oeste do convento rebenta um manancial de águas ferruginosas, não analisadas ainda e a que os povos dali atribuem virtudes medicinais, tendo havido em tempo uns tanques para banhos, que a autoridade teve de mandar fechar por causa dos conflitos a que dava lugar a concorrência. "


Informações recolhidas em:
- HENRIQUES, Francisco da Fonseca (1726) – Aquilégio Medicinal. Impresso na Oficina da Música, Lisboa.
- MARQUES, José (1990) - O Mosteiro de Fiães (Notas para a sua história). Braga: Barbosa & Xavier, Limitada.
- OLIVEIRA, Guilherme de (1903) - Uma Visita às Ruinas do Real Mosteiro de Fiães. Lisboa: Typographia da Sociedade A Editora.
- PINHO LEAL, Augusto Soares A. B. (1874) - Portugal Antigo e Moderno (Volume III). Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa.
-VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, Edição da livraria de António Maria Pereira- Editor, Lisboa.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A extinção do mosteiro de Fiães (1834)




O mosteiro de Fiães é de fundação incerta no tempo. O documento conhecido mais antigo é de meados do século XII mais concretamente de 1142, havendo um outro de 1157 onde se refere que o mosteiro segue a regra de S. Bento. Ainda no século XII, Fiães passaria a estar integrado na Ordem de Cister e filiado no mosteiro de Tarouca.
O mosteiro seria extinto em 1834. Na época, o mosteiro tem a comunidade reduzida a dois monges, tendo ainda um terceiro religioso, mas a viver com os seus familiares por ter uma doença contagiosa. No processo de inventário, um documento de 1836, refere o mosteiro "com suas cazas e oficinas, que lhe são inherentes, bem como a Cerca, e Igreja, sem que se mencionem mais esclarecimentos (...)". No inventário dos objetos pertencentes ao culto divino, datado de 1834, consta na capela-mor o seu altar, com hum retábulo muito antigo, pintado e dourado, e, tendo no centro do mesmo e no fim do trono a imagem de Santa Maria, de vulto, pintada e dourada, e, lateralmente, as imagens, em vulto ordinário, pintadas e douradas, de São Bento e de São Bernardo. O altar de São Bento tem um humilde retábulo, antigo, pintado e dourado, albergando ao centro a imagem do orago, de vulto ordinário, pintada e dourada, com resplendor de folha, e, sobre a banqueta, uma cruz pequena, pintada de preto, com um Crucifixo pequeno. O altar de Nossa Senhora do Rosário tem um retábulo pequeno e antigo, pintado e dourado, tendo no centro a imagem do orago, em vulto ordinário, pintada e dourada, à direita uma imagem de Maria Madalena, em vulto ordinário, pintada e dourada. Na igreja havia mais dois altares laterais, um do lado do Evangelho e outro no da Epístola. Ambos indecentes, com seus retábulos velhos, com quatro imagens pequenas, sendo uma São Sebastião e duas do Menino Deus e Nossa Senhora, bem como um Crucifixo pintado numa cruz preta. Na sacristia tinha um "caixão" ordinário, com três gavetões e três armários; em frente da sacristia havia um oratório de pau, velho e pequeno, com um Crucifixo de palmo pendente em uma cruz de pau, pintada de verde. Na capela abacial havia um altar com seu retábulo antigo, pintado e dourado, tendo no centro a imagem de Nossa Senhora da Conceição, em vulto, pequena, pintada e dourada, com a sua coroa de folha, mais uma cruz dourada com um Crucifixo pequeno, uma pedra de ara, dois livros corais e uma estante pequena. O inventário refere ainda a existência de uma imagem de vulto ordinária, que dizem ser São Bernardo, pintada e dourada, e um sino na torre. Concluído o inventário, os bens são entregues ao pároco da freguesia Manuel Joaquim Fernandes da Costa. O inventário do mosteiro refere apenas os bens de administração direta: "Item, digo, item hum, Mosteiro com suas ortas tudo circundado. Hum campo chamado da Magdalena, que produz so feno que parte do Nascente com a estrada publica que vai para Rouças e do poente parte com ribeiro chamado o Regueiro da Ponte. Item outro dito chamado o Campo Piqueno que produz feno com as mesmas confrontações. Item, outro chamado do Follão que somente produz feno com as mesmas confrontações. Item, outro dito chamado o Campo de Serca, que parte do Nascente com a serca do mesmo Mosteiro, e do Poente com o carreiro que vai para a Igreja e que somente produz feno. Item, outro chamado do Moinho, com seu moinho, dentro que parte do Nascente com o terreiro do Mosteiro e do Poente com a estrada que vai para Rouças. Item, mais a Serca por cima do Moinho que pare do Nascente com a estrada publica que vai para a igreja e do Poente com o Mosteiro que se compõem de carvalhos piquenos e tojo. Item, outra tapada chamadas Mattas que parte do Nascente com Manuel Domingues de Souto Mendo de Vaixo, e outros, e do Poente com a estrada publica que vai para Melgaço, e sua produção he ttojo. Item mais hum monte chamado da Fraga, que se compõem de casinheiros, que parte do Nascente com Diogo Domingues de Pousafolles, e do Poente com a corga que vai para o lugar de Gonlle freguesia de Christoval e lugar do Campinho de Fiaens. Item, mais a quinta sita no lugar de Caballeiros freguesia de Rouças que se compõem de cazas tilhadas e sobradadas, e terras de pão e vinho, e carvalheira no fundo, e com árvores de fruto que parte do Nascente com a estrada publica que bem de Fiaens ara Melgaço e do Poente coma quinta de Pascoa Domingues, e regato de babuzaens" (MARQUES, J. 1990). Posteriormente, o governo manda por em praça pública as ruínas do mosteiro para serem vendidas, mas inicialmente não aparecem licitantes. Depois, é vendido em haste pública, estendendo-se a ruína pelas dependências, e a igreja passa a ser paroquial; Em 1836, a 06 de Novembro, é extinto o couto e é concretizada a sua incorporação no concelho de Melgaço. 
Umas décadas mais tarde, na descrição do templo e das ruínas do mosteiro feita por Guilherme Oliveira num livro publicado em 1903, consta que "da torre, que devia ser grandiosa, restam alguns metros de grossas paredes, formadas de grandes pedras desconjuntadas, tendo, mesmo assim n'ellas cravadas, o enorme sino que ainda tange para o serviço da igreja. Havia n'este logar uns vestígios de muralha, que foram propositadamente demolidos para a construção do cemiterio que hoje alli existe, o qual é fechado por moderna grade de ferro". Na fachada da igreja, o autor refere o portal "que é do mesmo estylo, (...) gótico pouco ornamentado" (OLIVEIRA, 1903), o brasão arcebispal, tendo, à direita, o de Portugal e, à esquerda, o de uma rainha portuguesa que foi da casa de França, e a cobri-lo a mitra e o báculo e as respetivas coroas. No adro, que contorna o edifício, havia grandes carvalhos. "Existem tambem de pé as paredes frontaes de uma parte da ala direita do convento, a qual, como o requeria o logar, que é de grandes ventanias e temporaes, tem fortes cantarias. As janelas e portas são de pequeno formato e sem nenhuma importancia architectonica. Eram por detraz os claustros, dos quaes ainda se vêem algumas elegantes e finas columnas sustentando aqui um arco, alli um resto de flecha, e além formando monte (...). Existem tambem, dispersas pelo terreno transformado em campo de lavoura, paredes com restos de janelas, hombreiras, escadas, e o logar da fonte que abastecia o convento" (OLIVEIRA, 1903). "Tinha o D. Abbade capela particular, - chamada abacial, - a qual está assinalada por pedaços de grossos muros mal conservados. Alli, em um altar, veneravam-se as imagens de Nossa Senhora da Conceição, de grande formato, e outra menor, de S. Bernardo. Havia dependências especiaes para as audiencias publicas, casa de albergue alpendradas, e um corpo de edifício do uso e estado independente do superior. Era na grande sala da presidencial que se resolviam os negocios do convento, na presença do escrivão de Valladares” (OLIVEIRA, 1903). O mosteiro era completado, com a casa do capítulo, refeitórios, penitencias e biblioteca que, "conjuntamente com o archivo, desappareceu em um dos incêndios" (OLIVEIRA, 1903). "Seguem-se velhas casarias ou choças assobradadas, que são hoje a residencia do Reitor. Na frente d'estas, e ao lado do adro, existem ainda umas depressões no solo por onde se escoam fios de aguas sulphurosas, que são os vestígios dos antigos banhos que alli havia" (OLIVEIRA, 1903). Frei Agostinho de Santa Maria refere que o povo vinha de longe banhar-se nesta fonte e tal era a virtude das águas que todos voltavam sãos. Especialmente no dia de São João Batista os enfermos aglomeravam-se, e, na ansia de encontrarem remédio para os seus males, criavam disputas e desordens, chegando a ocorrerem ferimentos mortais. Assim, as autoridades resolveram entulhar os banheiros, terminando a causa das discórdias, no entanto, em 1903 os doentes ainda lá iam ou mandavam buscar um pouco da água que corria. Oliveira descreve a igreja com "Duas ordens de robustíssimas columnas de granito, de remota antiguidade, formam a nave central da egreja. As cornijas e as cimalhas são ornadas com figuras mais ou menos plantasticas. Os arcos, largos e bem lançados, com elegantes archivoltas, teem grande imponência e vão até aos frechaes do tecto, que era de madeira apainelada. O tempo destruiu-o, e hoje, a telha vã que os ventos separa, faz que, através do seu arrendilhado, se veja o azul do céo, e se escoem as chuvas que hão arruinado o pavimento. As columnas, que sustentam o arco da frontaria estão cortadas com arte, a alguns metros do solo, o que lhe dá a apparencia de uma arcaria suspensa. O altar principal, assim como os lateraes, teem a obra de talha bem estragada, e parecem pequenos para o tamanho do templo. Na capella môr, há um retábulo pintado e dourado, e no throno a imagem de Santa Maria, e diversas. No altar de S. Bento vê-se tambem um retábulo menor. Esta imagem era, até há pouco tempo, visitada pelas populações dos contornos durante o anno, e, particularmente, no dia em que a egreja venera o santo, por ser de grande devoção e muito milagrosa. Há ainda diversos altares com as imagens de S. Sebastião e outras. O d'este santo, que era da confraria das almas, foi feito privilegiado em 1716, por breve do papa Benedito XIV. O púlpito é de madeira entalhada, com a folhagem alta. O grande côro tem a mesma simplicidade e robustez que se nota em todo o edifício. Dos túmulos, o único que existe é o de Fernão Annes de Lima, pae do primeiro Visconde de Villa Nova de Cerveira, o qual se supõe ter sido sepultado pelos anos de 1430 (...) tem as armas sobrepostas, e assente sobre dois supportes que terminam em cabeças de fórma humana. Este túmulo foi primitivamente collocado junto à capella de S. Sebastião. Hoje acha-se à direita de quem entra "(OLIVEIRA, 1903).




Informações extraídas de:
- OLIVEIRA, Guilherme de (1903) - Uma Visita às Ruínas do Real Mosteiro de Fiães. Lisboa: Typographia da Sociedade A Editora.
- MARQUES, José (1990) - O Mosteiro de Fiães (Notas para a sua história). Braga: Barbosa & Xavier, Limitada.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

As origens do Convento das Carvalhiças (Melgaço)



O Convento das Carvalhiças albergou, em tempos, uma comunidade de frades franciscanos e tem origens em meados do século XVIII. Pertenceu à Ordem Terceira de S. Francisco e integrava a rede de conventos de Nossa Senhora da Conceição. Quais as razões para a sua edificação em Melgaço? 
Encontramos todas as respostas num manuscrito da época lavrado por um dos primeiros frades do convento, um tal Frei Manuel de Jesus Maria, a que deu o título de “Relação Sumária da Vinda dos Religiosos para esta Vila de Melgaço e do motivo que para ela houve”. Neste documento, o autor conta-nos como foi a construção deste convento com algum pormenor a partir de 1748. No manuscrito, podemos ler: "Mas porque a devoção dos principais da vila se não satisfaziam com a erecção da venerável Ordem Terceira, e tudo era pedir ao sobredito Provincial religiosos que lhe viesse assistir, determinou o ministro provincial para este efeito ao Irmão Pregador Frei Francisco da Trindade, com o Irmão Frei Paulo da Soledade ex leitor de Moral para que como Comissários da mesma Ordem residissem na mesma vila e dela fossem também assistir a de Monção, enquanto se não dava outra providencia. Para satisfazer pois a obediência do Prelado que assim o determinava, chegaram a esta vila os ditos religiosos a 29 de Julho do sobredito ano de 1746 e enquanto se não preparavam umas casas que descobriram neste Campo da Feira para poderem assistir se hospedaram em casa de Silvestre Teixeira Torres, que era um dos mais empenhados na sua vinda para esta vila e a quem o sobredito Provincial tinha mandado patente de síndico dos mesmos religiosos (...) Compostas as casas conforme pedia a Nossa Santa pobreza, foram os dois companheiros morar para elas e juntamente provendo-se pouco a pouco do necessário com um Irmão Donato, que lhes assistia a fazer a Cozinha (...) depois de vir para o Hospício o Irmão Pregador Frei André de Jesus Maria (...) sucedeu chegar a porta do hospício um homem pobre, no que mostrava, perguntando pelo síndico dos Padres que não achara em casa, para lhe entregar um dinheiro. Sabido o recado eram vinte moedas de 4.800, que lhe entregara em Lisboa um homem de Rouças, chamado Pedro Fernandes da Silva, sem mais segurança, nem cautela, que um escrito com elas embrulhado, em que dizia: que se entregassem aquelas vinte moedas a Silvestre Teixeira para as obras dos Padres Capuchos e passasse recibo (…)
Ajustado que foi o sítio, vieram os pedreiros de Lanhelas a vê-lo, e feita a planta se fez o ajuste da Capela-Mor com o primeiro dormitório que é dobrado, em quinhentos mil réis, e depois com os acréscimos que houve passou a seiscentos (…) Principiaram os pedreiros a arrancar a pedra a 10 de Outubro de 1748. Lançou-se a primeira pedra no cunhal da Capela Mor da parte da vila a 28 de Novembro do mesmo ano (...); e depois de acabadas as paredes se lançou a primeira pedra no cunhal do dormitório também da parte da vila, a 30 de Maio de 1749 e acabada por 12 de Dezembro do mesmo ano; e depois de se cobrir tudo, de se forrar e fazer as taipas e algumas janelas, fizemos a nossa muda das casas do Campo da Feira para o novo hospício a 8 de Setembro de 1750 (...)
Acomodados no novo hospício, entramos a fazer as janelas mais precisas e reparos para o Inverno, que foi o mais rigoroso que há muitos anos tinha vindo, e sendo um dos principais reparos os telhados seguros já com cal, foi tanta a violência do vento pelos grandes temporais, e desamparo do sítio, que se alagaram as celas da parte do poente em água, de sorte que não tínhamos os Religiosos donde escapar da chuva, senão em algumas celas que ficavam da outra parte contraria, e assim passamos o inverno com muito trabalho e desconsolação, enquanto não chegou tempo oportuno para dar outra providencia aos telhados, como se deu no verão seguinte mandado vir os homens mais experimentados do termo de Viana, que ao mesmo tempo que fizeram o estuque da Capela Mor, também deram volta aos telhados, fazendo-os dobrados como se veem da parte do temporal, da mesma sorte que os da Capela, e com isso se pôs remédio às coisas.
Já por este tempo se tinha encomendado a imagem da Conceição, em Ponte do Lima, e como em Viana se tinha feito a tribuna nova com intuito de darem para esta Capela a antiga, se fez conduzir este mesmo verão, de sorte que quando vieram os caiadores já ela estava assentada (...) Irmão Pregador Frei Manuel de São Francisco, natural de Grovelas, termo da Barca, que foi mandado de Caminha onde acabara de guardião para Regente deste Hospício tomando posse dele nos últimos dias deste mês de Dezembro do mesmo ano de 1751. E com as esmolas, que a Divina Providência lhe ia administrando, a deligência que alguns religiosos zelosos ia fazendo, continuou com a obra de paredes desde a Cozinha, até fechar na Capela Maior, conduzindo com grande trabalho todas as traves, que foram necessárias de Parada do Monte e do lugar das Cavencas de Riba de Mouro (...) Maio de 1753, em que saiu eleito para Regente deste Hospicio o Irmão Pregador Frei Félix de Santa Teresa, natural de Ponte do Lima (...), e solhou o meio dormitório, desde a cozinha até à Casa última, fez as taipas, e celas e concluiu a Casa última no estado em que se acha. Fez também o muro desde a Capela da Pastoriza até à volta que fez em roda da tomada de Caetano de Abreu. O qual muro continuou depois o Irmão Pregador Frei Manuel de São Francisco até o canto da Cruz de pedra, que está para a parte da Pigarra (...) e plantou de novo o pomar com várias árvores de fruto no último canteiro da mata, que fica onde está a Cruz de Pedra (...)
Depois da sua extinção, a igreja fez parte do património da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço durante um curto período de tempo de pouco mais de meio século, entre finais do século XIX e 1963.




Extraído de: AMM, Convento das Carvalhiças, MARIA, Frei Manuel de Jesus, "Relação Sumária da Vinda dos Religiosos para esta Vila de Melgaço e do motivo que para ela houve, iniciado em 1758."